sábado, 14 de janeiro de 2012









O Reencontro
Com o Amor







Robson Picolli



Agradecimentos



Agradeço aos amigos que colaboraram para
que eu pudesse 
colocar em prática o sonho de escrever minha história.
Agradeço ao André por me fazer conhecer
o verdadeiro amor,
e partilhar deste sentimento comigo.




PREFÁCIO


Cansei de brincar de esconde-esconde com o amor.
Cansei de me esconder,
agora é hora de deixar ele me achar.
Em todos os olhos que olhei não o vi...
Mas também, não olhei com convicção.
Em cada boca que beijei,
em cada corpo que toquei,
não o senti.
Porque ficava o comparando com o que perdi.
Já o confundi em alguns olhos,
mas não permiti que me enxergasse.
E já o deixei escapar por entre os dedos
porque não o quis naquele momento.
Agora quero uma trégua.
Vou ao encontro dele e ele não vai mais precisar
 fugir de mim.
Quem sabe assim, um dia, por acaso nos
esbarramos por aí.
E quando ele me conquistar, estarei pronto
para recebê-lo.
Estarei pronto para senti-lo verdadeiramente
e reencontrá-lo para poder ter o prazer
de amar outra pessoa.
Agora estou pronto...
Que venha!

                                                                                                                                                                                                                                          Robson Picolli


CAPÍTULO 1



       Minha vida foi muito conturbada, cheia de erros, desacertos, momentos de alegria, mas também de muita tristeza. Uma vida embasada sobre um sentimento chamado esperança. Esperança de conquistar alguém ou algo.
Geralmente eu conseguia tudo o que queria, mas em algumas situações, acabava desistindo na metade do caminho.
Quero falar das paixões que tive, e também mostrar como é dura a vida de uma pessoa julgada como uma "aberração”.
Por toda a minha vida, não consegui entender o porquê de algumas pessoas julgarem outras sem mesmo conhecê-las. Como podem julgar aquilo que não conhecem, pelo simples motivo de terem um comportamento e atitudes diferentes do que consideram normais? Seria mais fácil cada pessoa cuidar da sua própria vida e quando necessário estender a mão ao próximo. Um ato de humanidade e de um verdadeiro cristão.
A sociedade em si é cruel e impiedosa, e o prazer de destruir outra pessoa é algo assustador!
Ai meu Deus! Porque as pessoas são assim? Pensamentos ruins e atitudes horríveis. Será que nunca conseguem ver as coisas boas que cada pessoa traz?
Não posso julgar essas pessoas, pois não as conheço. Elas devem ter sido criadas em um ambiente de maldade, preconceito e muitas vezes sem falta de informações. Não conseguem imaginar como é estar no lugar de alguém que está sendo julgado e achincalhado.
Pior coisa é sofrer preconceito por pessoas íntimas, nossos próprios familiares, que não conseguem entender e compreender as diferenças.
Lembro-me da minha infância como se fosse hoje: poucos momentos bons e muitos ruins. Refiro-me ao meu pai, um homem duro, frio e extremamente preconceituoso e racista. Ele fazia de tudo para que eu percebesse que o amor dele só tinha espaço para somente um dos filhos. Até então, éramos eu e meu irmão, com nove meses de diferença um do outro.
Carinho de pai? O que é isso? Nunca conheci tal sentimento. Fingia que recebia, e me imaginava sendo amado por ele... Que triste! Uma criança tendo a ilusão de amor paterno. Tudo era passageiro, aquele ódio gratuito que ele sentia por mim... Quantas noites fui ao lado de sua cama, pedir para que o seu Anjo da Guarda o transformasse, e que no outro dia, ao acordar, me tratasse com um pouco mais de carinho, afetividade e atenção. Mas isso não acontecia, e tudo continuava na mesma. Eu mesmo respondia minha pergunta, dizendo, que talvez o anjo da guarda dele também estivesse dormindo ou teria saído para dar uma volta. Como criança tem uma imaginação fértil! Eu conseguia achar desculpas para alguma coisa que era notória e irreversível.  Também não entendo porque achava que eu era o errado. Sempre me questionava onde errei, ou o que tinha feito para que ele agisse desta maneira comigo! Sequer era notado por ele. Parecia que eu era um brinquedo em sua mão: quando era conveniente, eu era “seu filho”, quando não, eu nem existia.
Não conseguia entender por que meu pai me odiava tanto. O que eu tinha feito para merecer tanto ódio? Os anos foram passando e eu continuava desconhecendo a razão de tanta hostilidade. Ficava esperando receber o mesmo carinho que meu irmão. Quantas vezes eu rezei, pedindo a Deus que abrandasse o seu coração e que ele percebesse que eu também precisava de carinho e amor. Muitas vezes fui deitar chorando, sempre me perguntando o que eu tinha feito de errado.  Onde eu errei? Isso não saia da minha cabeça. Porque não dava um pouco de carinho pra mim, custava dizer que me amava? Mesmo que fosse mentira, pois palavras são ditas ao vento mesmo...
Durante anos acreditei que foi porque “eu quase matei minha mãe no parto”, mas que culpa eu teria? Minha mãe realmente quase morreu no meu parto... Minha mãe, uma mulher frágil, com pouca idade, ter o seu primeiro filho de parto normal. Isso era loucura!
Eu nasci com cinco quilos e duzentas gramas, enorme! Minha mãe sofreu muito, eu nasci praticamente morto, pois o cordão umbilical estava enrolado em meu pescoço. As mulheres que faziam o parto achavam que eu estava morto, me deixando de lado para socorrer minha mãe, que estava perdendo muito sangue. Momentos depois perceberam que eu ainda estava vivo. Já nos primeiros instantes de vida, demonstrei que seria um guerreiro para sobreviver nesse mundo.
Lembro muito pouco da minha infância, vivida em uma pequena cidade chamada Mandaguari, no Paraná. Depois de quase um ano do meu nascimento, nasceu meu único irmão de sangue, contrariando a opinião dos médicos. Eles recomendavam que minha mãe abortasse, pois seria uma gravidez totalmente de risco. Mesmo assim ela decidiu ter o seu filho, na esperança que fosse uma menina, seu grande desejo.
A partir do nascimento do meu outro irmão, me senti discriminado, pelo menos era o que eu achava, ouvindo os mais velhos comentarem que “o caçula era o preferido de meu pai”.
Com cinco anos, nos mudamos para Cambira, também no Paraná, onde cresci e passei toda a minha infância e adolescência.
Durante esse período, estava sempre tentando conquistar o amor de meu pai, mas nada do que eu fazia, atraía sua atenção. Eu poderia ser o primeiro em tudo, mas sempre, meu outro irmão, ou os filhos dos colegas do meu pai eram melhores que eu.  
Em meio a tanta dor e sofrimento, tive uma idéia, que surgiu não sei de onde, e persistiu por muitos anos. Resolvi fazer travessuras, pois só assim sentiria a mão de meu pai em meu corpo. Doía, mas no fundo, eu ficava imaginando que tudo aquilo era apenas carinho e amor que ele estava me dando. Loucura? Hoje também acho, mas na época era tudo que eu poderia fazer para chegar mais perto de um carinho dele.
Minha mãe sempre me questionava o motivo de eu ficava parado enquanto ele me batia. Depois de tantos anos, eu ainda não tenho coragem de dizer a ela que apesar de chorar, ficar todo marcado e dolorido por dias, eu me sentia bem... Como se ele tivesse fazendo carinho em mim.
Uma vez ele me bateu tanto, que cheguei a desmaiar! Na verdade só fiquei sabendo que eu havia desmaiado muito tempo depois. Enquanto ele me batia, imaginava que estava passeando com ele, com seus braços envoltos em meu corpo. Imaginava ele me levando por um caminho lindo, onde seus amigos passavam por nós e ele demonstrava estar empolgado, feliz e com muito orgulho de ter um filho como eu. Que nada... Acho que ele nunca me olhou como se eu fosse parte do seu corpo. Apenas era obrigado a cuidar de mim... Esqueceram de dizer a ele que teria que me dar amor e carinho também.
Inúmeros fatos marcaram minha vida. Por exemplo, quando meu irmão fazia travessuras, apanhávamos os dois. Porém, quando era eu quem fazia, somente eu apanhava. Mas já tinha me acostumado a esta situação.
Meu pai possuía vários comércios na cidade. O serviço mais sujo e mais pesado era sempre eu quem fazia. Meu irmão ficava com as melhores tarefas, e era ele quem sempre recebia os elogios. Eu não fazia mais do que minha obrigação. Durante muitos anos eu odiei meu pai, chegando por muitas vezes a pedir a Deus que o tirasse de perto de nós. Tenho até vergonha de mencionar isso, mas como desejei a morte dele...
Cometi vários pecados em minha vida, mas um, em especial, guardo em minha consciência com muita dor. Mesmo sabendo hoje que pecado é algo que a nossa consciência condena e não o que é julgado pelas outras pessoas. No interior, as famílias se reúnem em um sítio para fazer pamonha. Os homens colhem o milho e as mulheres o descascam para preparar a pamonha. Geralmente, enquanto o preparo ocorre, os homens cuidam das crianças. Estávamos reunidos para este fim, meu pai estava cuidando de mim e do meu irmão. Foi nesse dia que eu cometi o meu maior pecado!
Eu não era como as outras crianças, que pegavam o estilingue e saiam caçando os pássaros pelo meio da mata. Por não achar isto certo, ficava sempre afastado dos demais meninos. Mas naquele dia, meu pai me fez atirar num pássaro. De início, recusei, mas ele obrigou- me a atirar no pássaro, que estava numa galhada no meio do pasto. Meu “lado mau” acabou falando mais alto... Até já via meu pai contando para todos minha proeza! E foi exatamente o que ele fez, pois eu consegui acertar o coitadinho do passarinho. Na hora saí saltitando, certo de que seria elogiado por meu pai. Então corri em direção ao pássaro, que ainda agonizava no solo, e peguei-o nas mãos. Porém, ao olhar os olhos imensamente tristes daquele pássaro, percebi que tinha feito a maior burrada, e uma dor enorme invadiu o meu coração. Tentei de todas as maneiras salvar a pequena criatura. O ferimento tinha sido muito forte e seu sangue escorria pelas minhas mãos. Seus olhinhos foram se fechando, mas sempre olhando para mim. Meu coração parecia que estava se rasgando ao meio, tamanha a dor que eu tinha causado àquele pequeno e indefeso ser. Quando me levantei e olhei ao redor, vi que era uma mãe que estava protegendo seu ninho, com dois ovos, que ela estava chocando. Meus olhos se encheram de lágrimas e a minha dor tornou-se ainda maior. Eu não tinha acabado simplesmente com uma vida, mas três, pois dentro daqueles ovos existiam mais duas vidas que não chegariam a nascer. Com as minhas mãos, cavei o solo e enterrei a pobre mãe. Peguei os dois ovos e coloquei um embaixo de cada braço, passando o dia todo com eles. Meu pai odiou aquela cena, que para ele era ridícula e desnecessária perante seus amigos. Continuei com os ovos embaixo dos braços, até meu pai se encher e tirá-los de mim, jogando bem longe. Nesse momento acabou a minha esperança de me redimir pelo erro cometido.
Nossa! Mais uma vez eu o odiei... As lágrimas escorriam pelo meu rosto, enquanto ele gargalhava e me ridicularizava perante as outras pessoas. Passei o restante do dia longe de todos. Não comi e nem brinquei mais. De certa forma, estava de luto pelas mortes que eu havia causado. Senti-me um assassino.
Depois este dia, nunca mais atirei ou matei um animal. E pra falar a verdade, nunca mais esqueci esse dia, e acho que quando morrer e tiver que prestar conta dos meus pecados, se me perguntarem qual o maior pecado cometido na terra, direi rapidamente:
“-Matei um passarinho no ninho”. Pode ser até que eu tenha cometido algo mais sério, mas para mim esse é o meu maior pecado.
Tornei-me fã e devoto de São Francisco de Assis, e até hoje, quando escuto o canto em louvor a ele, me emociono. E o mais engraçado, é que os animais percebem que eu não sou uma ameaça a eles. Muitas vezes consigo me aproximar, sem que eles se assustem comigo.
Mesmo contra a vontade de meu pai, eu sempre dava um jeito de ter um animalzinho de estimação. Eu amo ter um bichinho por perto, pois além de me transmitir segurança, me sinto amado por eles. São almas puras, que nos amam sem cobrar nada em troca.
Quando meu pai maltratava meus cachorros, eu não podia falar nada e muito menos defendê-los. Mas houve uma vez que eu não aguentei. Ele começou a chutar um de meus cachorros, e eu não pude permitir que continuasse, pois o animal não tinha feito nada de errado. Ele estava apenas estava ao meu lado me dando carinho. Então, entrei entre o cachorro e meu pai, porém, ele parou de agredir o cachorro e começou a me chutar. Os primeiros chutes doíam muito, mas vendo o cachorro olhando para mim, ali parado sem se mover, nem sentia a dor das pancadas.
Ele foi embora e o animalzinho se aproximou de mim e começou a lamber o local onde eu tinha levado os chutes. Depois enxugou as lágrimas que escorriam pelo meu rosto com a sua língua, em sinal de agradecimento por tê-lo defendido.
Estranha essa relação com meu pai! Eu o odiava, mas ao mesmo tempo queria conquistar seu amor, seu carinho e seu respeito. Queria ser importante para ele. Minha cabeça e meus sentimentos eram uma mistura entre ódio e amor. 
Voltando a falar do meu cachorrinho, ele era um vira-lata branco com manchas marrons, de pequeno porte. Seu nome era Nero, e nos amava muito. Era uma felicidade quando eu voltava da escola, pois Nero não sabia o que fazer para me alegrar. Muito arteiro e travesso, ele corria de um lado para outro em questão de segundos. Recordo-me dele com muito carinho, pois era um verdadeiro companheiro.
Certa vez, um cachorro enorme estava matando as criações das pessoas. Como eu, a maioria tinha criação no quintal, pois estávamos numa cidade pequena e, naquela época, ainda era permitido ter qualquer tipo de animal desta forma. As pessoas criavam suas próprias galinhas, porcos e outros tipos de animais. O tal cachorro, agressivo e destruidor, matava as criações não por necessidade de se alimentar, e sim por pura maldade mesmo. Uma vez chegamos a ver esse cachorro, aliás, um enorme cachorro preto, que tinha no olhar o espírito ruim, do mal. Olhar para ele me causava arrepios e estava tirando o sono de todos da cidade. Não tinha muro que ele não pulasse, entrando e causando a destruição.
Como esse animal estava rodeando as casas, resolvemos prender o Nero dentro da varanda, nos fundos da casa. Nela tinha um forno à lenha, churrasqueira e também uma lavanderia. A varanda ficava meio que no alto, tendo uma cerca feita de treliça e, ao fundo, havia um pomar bem amplo. Depois já era propriedade rural, plantação.
Numa noite, o “cão assassino” entrou em nosso quintal. Nero, mesmo sendo pequeno era muito valente. Pulou a cerca de treliça e, como estava amarrado numa corrente, não conseguiu chegar ao chão do outro lado. Tentou voltar, mas o outro cachorro o puxava para baixo. Nero acabou morrendo enforcado, além de ter ficado com a barriga toda rasgada pelas presas do outro cachorro.
O “assassino” foi até um depósito que adaptamos para guardar os meus coelhos, um casal bem branquinho. Como a fêmea estava nos dias de criar, guardamos o casal de coelhos lá dentro para que nenhum animal fizesse mal a eles. Mas o cachorro arrombou a porta do depósito e matou o casal de coelhos. Rasgou a barriga da fêmea com tanta violência que dava pra ver os filhotes jogados pelo chão. 
Quando amanheceu, antes de irmos para a escola, era normal e rotineiro brincarmos com o Nero. Mas naquela manhã, ele não respondeu ao meu chamado. Procurei por todos os cantos e nada. De repente vejo algo pendurado, e quando me aproximei, percebi que era ele. Uma cena triste, que nunca mais irei esquecer: Nero morto, com a língua pra fora. Comecei a gritar com tanto desespero, que logo os vizinhos começaram a chegar. Minha mãe apavorada veio em minha direção e me deu um grande e forte abraço. Não podia acreditar que ele tinha morrido o meu amigo e companheiro! Ele estava ali esticado por uma corrente que eu mesmo tinha ido comprar. Fomos para dentro de casa, eu e meu irmão tiramos o uniforme da escola. Ficamos em casa neste dia para que pudéssemos fazer um enterro ao nosso amigo, que havia ido embora sem se despedir. Um vizinho retirou o Nero da cerca e minha mãe o envolveu em uma toalha de banho. Fomos em direção ao pomar, e escolhemos um lugar onde batia sol pela manhã, pois queríamos plantar flores em seu túmulo. E foi isso que fizemos. Durante o enterro de Nero, todos os vizinhos estavam presentes, ainda não sei se era porque nossa família era bem popular ou pela minha tristeza. Mas acredito que foi por causa da minha tristeza, pois muitos deles vieram depois do enterro para me abraçar, como se o enterro fosse de alguém da família. Mas na realidade, era assim que o considerava. Nero só não ficava dentro de casa porque meu pai não aceitava, portanto, ele tinha que ficar do lado de fora.
À noite, quando meu pai chegou em casa, esboçou um sentimento por saber da morte do Nero... Foi a primeira vez que o vi ficar emocionado! Encaminhou-se em direção ao meu quarto. Fiquei apreensivo, fingi que estava dormindo, pois ele sempre era muito durão, mas dessa vez não. Sentou-se ao lado da cama e com a sua mão, foi passando pela minha cabeça sem dizer nenhuma palavra, apenas ficava passando a mão pela minha cabeça. Após algum tempo, saiu do quarto, sem dizer nenhuma palavra, saiu do mesmo jeito em que tinha entrado.
No outro dia minha mãe me disse que meu pai não era tão ruim assim como eu pensava. Fiquei quieto a ouvindo falar, pois, nem sempre ela soube das coisas que ele me fazia. Não queria que ela sofresse e na maioria das vezes, deixava que ela acreditasse que era eu o errado.
Ficamos por um bom tempo sem ter nenhum tipo de animal em casa. Ninguém mais queria, pois cheguei até ficar doente pela morte do Nero. 
No meu aniversário de dez anos, recebemos uma ligação de minha tia, irmã de minha mãe. Ela foi logo dizendo que minha mãe ganharia uma filha. Minha mãe ficou enlouquecida, pois isso era tudo o que ela mais queria: uma menina. Mas havia dois problemas: estava muito frágil e, além disso, era uma criança de cor negra (não que isso seja um problema, mas existia o preconceito). A mãe dessa criança era loira de olhos claros, mas o pai era negro. Minha mãe não quis nem saber. Na mesma hora pediu para meu pai e uma amiga buscarem a criança, e ela ficaria em casa preparando tudo para recebê-la. O bebê tinha apenas dois dias de vida.
Quando chegaram com a criança, vimos que ela era tão pequena que caberia dentro de uma caixa de sapato. Sua cabecinha não era maior do que uma laranja, e quando a vi, tão frágil, amei no primeiro instante. Meu irmão odiou tudo isso, pois sabia que naquele instante estaria perdendo o trono, o seu posto de reizinho na casa.
Conseguimos pegar minha irmã no colo depois de quase quatro meses de idade. Durante esse período, cansei de ouvir meu pai dizer aos amigos que essa criança não sobreviveria, e que ele tinha dó de minha mãe. Ele tinha certeza que essa criança não iria sobreviver, pois era muito fraca.
Mas com o passar do tempo, a criança foi ficando forte e cada vez mais saudável. Eu sempre a protegia do outro meu irmão, pois ele queria fazer algum tipo de sacanagem com ela. O seu maior medo tornou-se realidade: ele perdeu mesmo o seu trono. Mas entre nós dois, a preferência era dele. Agora eu tinha que dividir o amor da minha mãe por quatro pessoas.











CAPÍTULO 2



       
        Aos doze anos comecei a entender o porquê de tanto ódio por parte de meu pai. Ele já sabia da minha maneira de ser, digo, da minha orientação sexual. Porém, nunca se aproximou de mim para conversar sobre o assunto, talvez por vergonha ou quem saiba por sentir-se culpado de colocar “uma criança assim” no mundo.
Foi nessa época que percebi que eu sentia atração por outros meninos. Quero ressaltar que eu não era e ainda não sou afeminado. Mas meu pai, já tinha percebido sobre minha sexualidade há muito tempo, preferindo me ignorar e me humilhar, a ter que me defender de comentários maldosos. Muitas vezes era ele mesmo quem fazia os comentários. Como aquelas atitudes me machucavam! Era como se estivessem tirando a vida de meu corpo aos poucos.
Ele conseguia me deixar mais infeliz a cada dia. Eu já não sorria ou brincava como as outras crianças. Eu não tinha um pai como às outras crianças. Sentia-me um órfão de pai vivo. Não queiram imaginar como isso é cruel e doloroso!
Parece que quanto mais ele me recriminava, mais meus desejos ficavam a flor da pele. Muitas vezes nem conseguia esconder... Imaginem essa situação na década de setenta, se ainda hoje as pessoas recriminam o homossexual! Quanto sofrimento eu passei... Eu mesmo me achava uma aberração, uma pessoa desprezível, que não merecia conviver no meio de pessoas normais. Comecei a me retrair, ficar próximo das meninas, para evitar a tentação de olhar para outro menino e acabar gerando comentários. Anos difíceis aqueles... Não me aceitava, era uma guerra dentro de mim!
Não enlouqueci por pouco. Por pouco também é estou vivo, que não fiz nenhuma burrada, ou que não me tornei um parricida ou suicida. Viver sem o carinho e sem a defesa de meu pai era algo que me deixava profundamente infeliz.
Por mais que a convivência com ele fosse algo cada vez mais distante, constrangedor e humilhante, minha mãe, por outro lado, estava sempre presente. Ela tentava suprir toda a falta de carinho do meu pai. Ainda a considero uma mulher linda e batalhadora. Ela é a minha heroína!
Hoje devido à idade e ao descontentamento que a vida lhe proporcionou, acabou se conduzindo por um caminho de nenhuma vaidade. Mas me lembro com muita nitidez de um dia em que ela saiu de seu quarto com um vestido longo, num tom lilás, e com os cabelos loiros presos no alto da cabeça, com um coque afofado. Estava deslumbrante! Senti um orgulho enorme de ter uma mãe tão linda e admirável, uma mulher cheia de qualidades. 
Ela iria receber um prêmio em uma cidade vizinha, que não me recordo qual era. Queria tanto estar lá para vê-la... Mas fiquei em meu quarto, imaginando sua entrada pelo salão do evento. O mais engraçado mesmo sem estar lá e nem mesmo conhecer o local do evento, eu consegui imaginar a minha mãe sendo aplaudida pelo prêmio e sendo admirada pela sua beleza e sua classe. Ela era dessas mulheres que com qualquer roupa que vestisse, ficava atraente.
Minha mãe... Era ela quem me dava todo suporte para que eu tivesse uma vida digna. Mas também não aceitava a minha maneira de ser, mesmo porque, eu mesmo não me aceitava. Então, como poderia exigir ou esperar que ela me aceitasse? Mas uma mãe sabe quando seu filho é gay desde os primeiros dias de vida. É uma ligação muito forte... Mas muitas preferem fingir que não sabem ou que nunca perceberam, e algumas nunca aceitam. A minha, só veio aceitar verdadeiramente, depois que eu já era adulto, quando com quarenta anos, fui morar sozinho, aliás, com um namorado. No começo até era engraçado, pois ela ia ao apartamento, olhava que só tinha uma cama de casal e ainda fazia de conta que éramos somente amigos. Um dia, reuni a família, e resolvi contar tudo. Ficaram desapontados, mas acabaram aceitando numa boa.
Quanto ao meu pai, sempre me deixou de lado. Com o tempo, não se preocupava com o meu jeito de ser, pois a sua maior preocupação era defender a minha irmã dos preconceitos que ela poderia sofrer por ter a pele diferente da nossa. 




























CAPÍTULO 3





      

         Os anos foram se passando, e cada vez mais meu pai não conseguia esconder que não gostava de mim. Mas ele sempre me levava para trabalhar com ele, acredito que a pedido de minha mãe. Lembro de quando ele tinha um escritório de vendas de terras no Mato Grosso. Ele me fazia ficar ali, apenas para limpar e arrumar o escritório, me tratando apenas como um empregadinho. Ele tinha mais dois sócios, e um deles, era mal-encarado e sempre ficava me olhando de uma maneira estranha. Eu não gostava dele e sempre dava um jeito de nunca ficar com ele ali, sozinho. Porém, um dia, acabamos ficando sozinhos para minha desgraça... Ele veio para o meu lado e começou a me apalpar, esfregando seu corpo em mim. Ele era um homem muito alto e forte, então conseguiu me imobilizar e com uma das mãos tapou minha boca, para que eu não pudesse gritar. Ele queria de toda maneira tirar minha roupa... Fiquei muito assustado com aquilo! Ele sussurrou em meu ouvido que, se eu não colaborasse com ele, falaria para meu pai que eu tinha dado em cima dele, e aí eu seria mandado embora de casa. Que canalha!
Após me ameaçar com tanta covardia, tirou a mão de minha boca, e eu, com medo, fiquei bem quieto. Fiquei imóvel, deixando-o fazer o que queria comigo. Ele então tirou minha roupa, me deixando somente de cueca. Percebi sua excitação... Foi a primeira vez que eu um órgão genital masculino tão grande e rígido!
O covarde tirou minha cueca e ficou passando a mão em minhas nádegas. Às vezes, ele passava um dos dedos em meu ânus, mas não o introduzia. Ele gemia... Era algo assustador para um menino como eu, pois não entendia o porquê de tanto gemido e das caretas que ele fazia. Esfregava o seu membro no meu peito branquinho e sem nenhum pelo. Era nojento tudo aquilo! Eu apenas chorava muito, porém baixinho, sem fazer nenhum ruído. Tinha muito medo do que ele poderia dizer ao meu pai.
De repente, ele me pegou e me deitou no chão. Começou a chupar meu membro e ao mesmo tempo se masturbava. Fiquei excitado, e ele percebendo isso, colocou meu membro no meio de suas nádegas. Eu estava deitado de barriga para cima e ele sentou-se sobre mim. Não demorou muito e logo veio um líquido grosso que jorrou de dentro de seu membro, que ele jogou todo em meu peito. Então, tirou-me do chão e me virou de costas para ele, introduzindo seu membro em meio as minhas nádegas, lambuzando-me com o restante daquele líquido. Ele me segurava com muita força, me levantando do chão.
Quando estava satisfeito, foi ao banheiro se limpar e eu fiquei ali em pé, parado no meio da sala, tampando o meu membro com minhas mãos e chorando muito. Estava me sentindo sujo e usado por aquele homem nojento. Ele voltou do banheiro e me disse que eu me limpasse e nunca falasse nada do que aconteceu para ninguém, pois eu era apenas uma criança e ninguém iria acreditar em mim.
Fui até ao banheiro, me vesti e mandou-me ir embora. Antes que eu saísse, ele disse que num outro dia eu iria sentir como era se sentir uma mulher. Que hoje ele apenas havia dado uma pequena amostra de como era ter um homem de verdade. Novamente me segurou pelos braços e me deu um beijo na boca, enfiando sua língua nojenta dentro da minha boca e com as mãos voltou a alisar meu corpo. De repente, me jogou sobre a mesa do escritório, e brutamente abaixou meu short, abrindo minhas nádegas com uma das mãos. Começou a chupar meu ânus, e com a outra mão me segurava pelos cabelos, forçando a minha cabeça contra a mesa. Sentia a sua língua passando pelo meu ânus... Ele ficou um bom tempo fazendo isso e de vez em quando forçava sua língua para dentro dele. Novamente ele me vira para o seu lado e me pediu que eu segurasse seu órgão genital, forçando que eu fizesse sexo oral nele. Ele forçava a entrada de seu membro em minha boca, e eu ficava virando meu rosto de um lado para o outro, na tentativa de não permitir que aquilo entrasse em minha boca. 
Enfim o telefone tocou, mas antes de atender ele me jogou sobre um sofá que ficava na sala. Ordenou que eu ficasse bem quieto. Que humilhante... Eu acuado, com o short arriado até os pés. Fiquei bem quietinho naquele sofá, sem me mexer.
Ele tapou o telefone e mandou que me vestisse e fosse embora. Antes que eu saísse da sala, ele novamente disse que num outro dia eu iria sentir o que era se sentir uma mulher de verdade, que hoje eu havia sido salvo pelo gongo.
Sai dali correndo, com muito medo. Parecia que todos na rua sabiam o que eu tinha acabado de fazer. Sentia nojo, queria ver aquele homem morto! Corria muito, tanto que até cheguei a tropeçar e saí rolando em meio a pedras e muita terra. Acho que foi até melhor ter acontecido isso, pois como iria explicar para minha mãe que eu queria tomar banho naquela hora do dia?
Como eu estava chorando, minha mãe achou que era por eu ter rasgado toda a minha roupa e me machucado. Então, ela me colocou na banheira e me deixou ali por algum tempo...
Final de semana chegou e eu fiquei o tempo todo dentro do quarto. Não tinha a mínima vontade de sair, não queria brincar, não queria fazer nada... Quando chegou a semana seguinte, eu não quis ir mais para o escritório, pois tinha medo daquele homem. Ficava imaginando que ele poderia voltar a me importunar e a cumprir sua promessa.
Fiquei doente e nem mesmo para a escola eu estava indo. Estava com muita febre e dor. Descobri que o medo faz a gente adoecer.
Quando sarei, pedi para mim mãe que conversasse com meu pai, explicando que eu não queria mais ir para o escritório. Como resultado, ele me deu uma surra e ainda me disse que eu era mesmo um imprestável, que não servia pra nada. Na verdade, era ele quem não queria mais eu trabalhando lá. Acreditei que ele me deixaria ficar em casa... Mas que nada! Me fez trabalhar numa pequena loja de produtos alimentícios, mas bem pequena mesmo, como entregador! Meu serviço era entregar compras nas casas dos clientes, de bicicleta. Além disso, atendia o balcão e arrumava o estoque, que ficava nos fundos da lojinha, numa casa de madeira, bem velha. Pior de tudo é que eu não recebia nada pelo trabalho! Era um acerto do proprietário com meu pai...
Depois de muito tempo que eu já estava trabalhando na lojinha, meu pai abriu uma farmácia na cidade. Ele trouxe um farmacêutico de outra cidade, e com ele veio sua mulher e os dois filhos. Eu ainda não tinha conhecido a família, mas um dia a esposa do farmacêutico passou na lojinha e pediu que alguém levasse umas coisinhas até sua casa, dizendo que um de seus filhos estaria lá para receber.
O dono da lojinha me mandou fazer o serviço.






CAPÍTULO 4







         Quando cheguei lá, bati na porta e o filho dela gritou que eu entrasse, pois ele estava no banheiro. Entrei e deixei a compra sobre a mesa. Logo o rapaz apareceu para falar comigo, apenas enrolado em uma toalha. Começamos a conversar e ele me perguntou se eu tinha namorada. Eu disse que não. Ele era seis anos mais velho do que eu e já tinha o corpo formado. Senti uma coisa engraçada, algo esquentando dentro de mim e quando percebi, estava excitado. Ele percebeu o volume crescendo dentro da minha bermuda. Fiquei sem graça e tentei disfarçar a minha excitação. Falei que precisava ir embora, mas ele disse que eu não precisava ficar nervoso não, pois ele também estava sentindo a mesma coisa. Tirou a toalha e percebi que realmente ele estava totalmente excitado! Não conseguia tirar os olhos do seu órgão genital. Ele me perguntou se eu não queria dar um abraço nele. Ele foi muito educado e carinhoso, totalmente diferente daquele homem nojento. Fui chegando bem perto e ele me deu um beijo na boca, que retribuí prontamente. Não queria que ele percebesse que eu era inexperiente. Mas ele percebeu e com muito carinho foi me envolvendo. Quando percebi, já estávamos os dois deitados no tapete da sala. Nem eu e nem ele nos preocupamos se alguém poderia chegar, deixando a magia daquele momento tomar conta de nós.
Não chegamos a fazer sexo com penetração, apenas ficamos nos esfregando e tocando nossas mãos no órgão genital do outro. Ambos fizemos sexo oral e pela primeira vez eu cheguei ao orgasmo estando com outra pessoa. E que graça de pessoa! Foi tudo muito bom e gostoso.
Falei a ele que precisava ir embora porque estava trabalhando e não podia demorar. Ele me disse para voltar naquele mesmo horário no dia seguinte para que pudéssemos dar continuidade. Apenas respondi que ia ver se conseguia. Voltei ao trabalho e é claro que durante todo o trajeto para a lojinha fui tentando encontrar uma maneira para encontrá-lo no outro dia.
Chegando à loja, eu disse ao dono que tive que parar debaixo de uma árvore, pois não agüentava de tanta dor de dente. Imediatamente ele falou para que eu procurasse o dentista no outro dia. Segurei-me para não rir. Tudo estava saindo exatamente como eu queria, e novamente poderíamos nos encontrar.
No outro dia, acordei, coloquei qualquer roupa e disse para minha mãe que iria ao dentista. Ela ficou brava e me fez trocar de roupa, dizendo:
Como você vai ao dentista vestido com bermuda e camiseta? Pode trocar já de roupa!
E me fez até passar perfume...
Minha mãe acreditava que toda vez que nós saímos de casa, temos que estar bem vestidos, principalmente as roupas íntimas... Vai que acontecesse alguma coisa? Temos que estar bem limpinhos e com uma boa roupa...
Lá fui eu então para a casa de meu mais novo amigo, todo arrumadinho e perfumado. Chegando lá, bati na porta e ele gritou lá de dentro:
         Entra que eu estou aqui no quarto...
         Fui entrando e quando cheguei ao quarto, ele estava totalmente nu, deitado na cama. Quando me viu todo arrumadinho, foi logo perguntando:
         Tudo isso só para mim?
         E eu respondi que sim.
Ele pediu que eu também tirasse a roupa e deitasse com ele na cama. Mais que depressa, fui tirando tudo, ficando apenas de cueca. Deitei-me ao lado dele, que veio logo me beijando, descendo pelo meu corpo com seus lábios macios e passando a mão por todo meu corpo. Minha respiração foi ficando cada vez mais forte. Quando chegou próximo a virilha, arrancou minha cueca com a boca, me deixando ainda com mais excitação. Que delícia tudo aquilo! 
Carinhosamente ele ia repetindo que a minha primeira vez teria que ser muito especial, que eu iria adorar tudo aquilo, sem me arrepender de nada...
Realmente, foi muito marcante aquele momento, pois ele fez com que sentisse que era muito especial. Ele estava sendo perfeito!
Aos poucos fui me soltando e deixando as coisas acontecerem normalmente. Pela primeira vez estava fazendo sexo em toda a sua totalidade. Que manhã deliciosa! Estava tudo perfeito, pois ele já era experiente, sabendo como fazer o seu parceiro se sentir bem. Fiquei imaginando com quantos outros garotos ele deveria ter transado antes de mim.
Mais tarde, ficamos conversando e ele me disse que estava ali apenas de férias, para conhecer a cidade nova onde os pais dele vieram morar. Mas ele estava retornando para dar continuidade aos seus estudos em outra cidade, que não era tão perto dali, onde morava com uma tia. Lamentou-se por ter que ir embora, ainda mais que havia me conhecido... Quando ele falou isso, me senti importante. Mas tempos depois, percebi que ele tinha apenas feito sexo por sexo comigo. O fato de eu nunca ter transado com ninguém, fez com que ele sentisse uma excitação incontrolável. Mas não fiquei chateado não, pois foi tão bom que nem me importei com sua mentira. Na verdade foram apenas uma excitação de ambas as partes. Não passou disso...  
Encontramos-nos novamente anos mais tarde, e é claro que acabamos repetindo a dose. Mas foram apenas umas três vezes, pois não havia mais aquela sensação gostosa que ocorreu na primeira vez. A inocência e o encantamento de minha parte já não existiam mais, e, além disso, eu não tinha pensado naquela relação amorosa por tanto tempo que as lembranças acabaram se apagando. Eu já tinha saído com outros garotos e garotas nesse intervalo de tempo em que ficamos separados. Não era mais um garoto virgem e muito menos inocente.
Mas retornando àquele dia, voltei para casa troquei de roupa e voltei para a lojinha. As pessoas ao meu redor percebiam que eu estava diferente e mais feliz. Realmente eu estava diferente, e isso me fez perceber que eu poderia ser outra pessoa, ter minhas coisas, sair com meus amigos, mudar!
Aos poucos, fui percebendo que não era legal trabalhar sem receber nada. Resolvi sair da lojinha e procurar outra coisa para fazer, onde eu recebesse pelos meus trabalhos. 
Fui até uma grande loja da cidade, e pedi um emprego. Consegui! A partir daí, eu ganhava meu próprio dinheirinho. Porém, para chegar ao meu local de trabalho, tinha que passar em frente ao escritório do meu pai. E sempre no meu horário de ir ao trabalho, lá estava aquele homem nojento, esperando eu passar e me encarando com aquele olhar assustador.








CAPÍTULO 5







        Meu pai sempre chamava seus amigos para jogar baralho em casa e aquele homem nojento sempre ia junto. Numa dessas noites, ele entrou em meu quarto e sentou-se em minha cama. Começou a passar a mão em mim, quando acordei assustado e me encolhi perto da cabeceira da cama. Ele parou, pois no quarto também dormia meu irmão, e ficou com medo acordar. Como ele iria explicar o que fazia ali? Para meu alívio ele levantou-se da cama e foi para a sala, para continuar jogando baralho.
Por muitos anos aquele homem ficou me cercando, sequer imaginando que eu não era mais aquele garoto inocente. Mesmo assim, sua figura me causava uma mistura de sentimentos: medo, nojo e desejo de vingança...
Em minha casa, uma menina trabalhava para ajudar minha mãe. Ela era sobrinha daquele homem. Um dia, ela me forçou a contar sobre o que tinha acontecido para que eu ficasse sempre assustado e desconfortável toda vez que seu tio vinha em nossa casa. Acabei contando, e em nenhum momento ela duvidou de mim. Não sei o que ela fez depois de minha revelação, mas nunca mais “o seu tio” veio me perturbar.
Mas como eu ainda desejava me vingar dele! Acabei descobrindo que seu filho mais velho, aliás, apenas um pouco mais velho que eu, se drogava e bebia demais. Pelos comentários das pessoas, ele também era chegado em transar com homens. Será que também foi abusado? Pelo próprio pai? Fiquei com mais nojo ainda daquele homem...
Certo dia, encontrei o rapaz, totalmente bêbado e sozinho na rua. Eu estava sozinho em casa, pois meus pais tinham viajado. Aproveitei a ocasião e o convidei para ir até minha casa. Ele topou na hora. Chegando lá, ele estava tão bêbado que era fácil fazer com ele tudo aquilo que o seu pai tinha feito comigo. Tirei a sua roupa e o coloquei na cama. Lá estava ele, prontinho para a minha vingança! Quando também tirei minha roupa e ia iniciar minha vingança, parei. Eu não tive coragem de dar continuidade àquilo tudo... Eu estaria sendo igual ao pai dele: uma pessoa imprestável, horrenda, “do mal”. Deixei-o ali deitado e fui para outro quarto. No dia seguinte, a prima dele chegou e levou um baita susto quando lhe falei que o seu primo estava dormindo no outro quarto. Ela rapidamente perguntou se a gente tinha transado e eu contei a história toda. Ela ficou só me olhando e disse que ia chamar o tio para buscá-lo. Imediatamente ele chegou e viu seu filho nu na cama. Ele achou que nós tínhamos transado... Olhava-me firmemente e eu pela primeira vez o encarei, sem desviar meus olhos dos seus.
Acordou seu filho e pediu que ele se vestisse. O coitado do rapaz não se lembrava de nada. Ficou sem saber e eu também não contei nada. Deixei que tirasse suas próprias conclusões. Os dois foram embora e jamais tocamos nesse assunto.
Anos depois, aquele homem veio a falecer. Senti um alívio enorme e mesmo diante do ocorrido, não senti nenhuma piedade. Ele havia me feito sofrer e me fez muito mal. Durante anos a cena do estupro (pois é isso que ele fez comigo) não saia de minha cabeça. Tive muitos pesadelos com ele. De certa forma, ele destruiu uma parte doce da minha infância.
Mas depois da sua morte, os pesadelos e as lembranças ruins partiram junto com ele. 








CAPÍTULO 6






            

            Minha primeira paixão foi algo encantador. Sabe aquelas paixões platônicas? Então, também passei por isso...
O alvo de minha paixão nem sabia e acredito que nunca ficou sabendo sobre esse sentimento. Lembro-me dessa paixão com muito carinho e saudade. Na minha adolescência os sentimentos eram puros e sem nenhuma malícia. Hoje, os adolescentes já maliciam e tem maldade em tudo, bem diferente daquela época. Nós estudávamos no mesmo Colégio: ele fazia o terceiro ano e eu o segundo. Não tínhamos amizade ou nos encontrávamos pelos corredores do Colégio. Mas um dia, eu estava deprimido, sem nenhuma vontade de assistir aula e resolvi conhecer melhor as dependências do Colégio. Acabei ouvindo ao longe alguém cantando. Levado pela música fui caminhando por aquele corredor estreito e pouco iluminado. Lembrava o corredor de um Colégio Católico interno. Eu me sentia caminhando sobre as nuvens, pois a música me acalmava e ao mesmo tempo afagava minha alma. Naquele período de minha vida, sentia que algo faltava dentro de mim. Não sabia dizer o que era e nem imagina o que seria. Juntando com a falta do amor paterno, tudo parecia perdido, achava que não havia espaço para mim nesse mundo.
Acabei esquecendo os problemas que tinha e fui caminhando até a porta que estava entreaberta. Na sala só estava “ele”, sentado em cima de uma carteira, com uma perna esticada no chão e a outra sobre a cadeira que apoiava o violão. Fiquei por algum tempo olhando a luz que vinha da grande janela e refletia em parte de seu rosto e de seu corpo. Fui descendo o olhar acompanhando o brilho da luz e acabei parando em suas mãos dedilhando o violão. Nem prestei muita atenção em seu rosto, pois as suas mãos chamaram mais a minha atenção! Parecia algo mágico, surreal. Senti-me como uma serpente sendo encantada pelo cara que toca uma flauta. O tempo parecia ter congelado. Somente ele se movia, dedilhando seus dedos nas cordas do violão. Fiquei só ouvindo aquela maravilhosa melodia, quando de repente ele parou de tocar e disse:
 -Entra aí e fique a vontade. Pelo jeito você curte uma boa música, não é?
 Eu não sabia o que fazer, pois éramos desconhecidos. Minha vontade era sair correndo, mas não podia fazer isso, aliás, nem queria mesmo. Algo me prendia lá, como se eu estivesse enfeitiçado por ele. Nada me faria ir embora. Como ele era bonito! Tinha um charme, uma voz doce, um olhar penetrante que me fez sentir o calor da paixão pela primeira vez.
Fiquei parado, na verdade imóvel, e ele falou novamente:
-Venha até aqui, sente-se. Que música você quer ouvir?
-Respondi que ele poderia cantar qualquer música, pois eu tinha certeza que iria adorar do mesmo jeito.
E ficamos ali: ele cantando e eu olhando com muita admiração. Nossa! Cantava com a alma. Não conseguia desviar os olhos de sua boca. Era algo que me fazia delirar de emoção. Uma emoção que me fazia viajar nas loucuras dos meus pensamentos.
Ele passou a cantar uma música atrás da outra e acabamos perdendo a hora, pois naquela sala não haveria aula naquele dia. Não me lembro direito, mas acho que aquela ala do Colégio não era utilizada naquele período.
Fomos embora, e saí correndo para pegar o meu material na sala de aula e depois para pegar o ônibus para ir para casa. Dentro do ônibus percebi que nem perguntei o nome dele. Encostei-me na poltrona, abracei meu material escolar e fui durante todo o trajeto lembrando aquele momento especial que marcaria minha vida. Fiquei revendo em minha mente todos os detalhes, sentido aquelas músicas evaporando pelos meus poros. Sentia a minha alma mais leve e livre, solta e ao mesmo tempo presa naquele espaço de tempo. O motorista do ônibus é quem me despertou para voltar à realidade. Que vida a minha! Cheia de amargura e dor...
Já estávamos chegando ao final do ano, faltavam uns dois meses para acabarem as aulas. Durante esse período eu ficava observando ele de longe. Nunca me aproximei, pois tinha receio das pessoas começarem a comentar. Na verdade eu não iria conseguir disfarçar a felicidade de estar perto dele, e com certeza todos perceberiam. Se nem eu me aceitava, como pedir que as pessoas me aceitassem? Ser gay, naquela época, seria a mesma coisa que assinar o seu atestado de incompetência como homem. Então, pessoas como eu, guardavam suas vontades e sentimentos... Era o que eu deveria fazer também: guardar somente para mim a lembrança daquele momento mágico.
Os dias foram se passando e chegaram às férias. Pensei:
Nunca mais eu vou ver esse cara novamente...
Eu sabia que ele estava no terceiro ano, mas sequer conhecia o seu nome. Até pensei em ir à formatura, mas decidi que não iria adiantar nada, pois apenas para vê-lo, de nada adiantaria... Isso eu já fazia todos os dias mesmo. O negócio era esquecer aquele rapaz. Eu tentava me confortar dizendo a mim mesmo que ele nunca seria passivo, pois ele não tinha essa característica. Eu não tinha e nem tenho até hoje, prazer em ser passivo. O jeito era mesmo esquecê-lo. Como? Eu não sabia, mas naquele momento era necessário encontrar uma maneira. Não fui à formatura e tentava sempre esquecer tudo aquilo...
Finalmente chegaram as férias, e fui com a minha família passar alguns dias no litoral. Aliás, meu pai sempre mandava a gente e aparecia nos finais de semana. Durante a semana ficávamos com a minha mãe e uma empregada. Passei as férias pensando nele, ainda mais que nossa empregada adorava ouvir músicas do Fábio Jr, que me faziam recordar daquele momento mágico que passei naquela sala vazia com ele. Que vontade de passar por aquele momento novamente! Mas, eu acreditava que nunca mais iria ver aquele rapaz de voz linda, que cantava feito um passarinho querendo encantar a sua parceira. Ou como um passarinho preso numa gaiola, solitário, cantando para afogar a tristeza de ser privado de sua liberdade.
Numa noite linda, fui até a areia e sentei-me a beira-mar para ouvir o barulho das ondas. Fiquei por horas ali, sem fazer nada, Lembrando das coisas que haviam me acontecido, e principalmente daquele jovem rapaz encantador. Nem percebi que um rapaz, com aproximadamente dezoito anos, havia chegado próximo a mim. Ele começou a conversar comigo e, de repente, me deu um beijo na boca. De início permiti, e começou então a passar a mão pelas minhas pernas e tocou o meu órgão genital. Recuei e retirei sua mão rapidamente. Não quis mais saber dele me tocando, pois além de ser um desconhecido, sabia que se aquilo continuasse, levaria somente a uma relação amorosa. Não queria isso, pois não queria transar com um estranho. Minhas relações amorosas teriam que ser sempre com uma pessoa especial. Sonho de adolescente gay...
Sai correndo sem olhar para trás. O rapaz ainda gritou para que eu voltasse, mas não dei atenção ao seu chamado e continuei correndo até chegar em casa. De vez em quando eu olhava para trás, para me certificar de que ele não estava me seguindo.
Cheguei esbaforido e fui direto para dentro de casa. Para minha sorte, minha mãe já estava dormindo, pois não saberia o que dizer a ela o motivo de eu ter corrido tanto.
No outro dia fomos à praia e depois de algum tempo, percebi que o rapaz estava sentado próximo ao nosso grupo. Ele não tirava os olhos de mim, e aquilo foi me incomodando. Resolvi entrar um pouco na água e, de repente, lá estava o rapaz perto de mim. Ele perguntou meu nome, e eu, na hora, acabei falando um nome qualquer. Eu estava com medo... Na verdade ele me dava muito medo! Imagina se a minha mãe percebe alguma coisa? Como eu poderia explicar o que nem eu mesmo conseguia compreender? Pedi a ele para parar com aquilo tudo. Então ele me disse que só faria isso se eu o deixasseele enfiar sua mão dentro do meu short. Fiquei assustado, mas acabei cedendo. Ele mergulhou e abaixou meu short um pouco. Achei que ele iria apenas passar a mão, e imagine minha cara quando percebi que ele estava colocando a boca no meu pênis! Assustado, empurrei-o com os meus pés, puxei meu short e voltei para perto da minha mãe. Permaneci ao lado dela até dar a hora de volta para casa.
Chegando lá, meu pai estava nos esperando para retornarmos para nossa cidade. Almoçamos e seguimos viagem. Fiquei feliz e aliviado com essa decisão, pois não queria mais ficar ali. Eu não sabia como lidar com aquela situação de assédio sexual. Hoje em dia, tiro de letra, mas aos dezesseis anos era muito difícil...
 A viagem era longa, durando aproximadamente oito horas. Durante toda ela, meu pai me excluía das conversas, como se eu nem estivesse ali. Falava com minha mãe, meu irmão, com a empregada e com minha irmãzinha que já estava com seis anos. Ele a considerava uma princesinha, e realmente, ela era uma coisinha linda, e já estava ficando gordinha e muito saudável.  Para mim nem uma perguntinha sequer. Apesar de ficar chateado, eu já estava acostumando com toda essa maneira dele me tratar.
As férias enfim acabaram, e voltei ao Colégio. A lembrança do “rapaz do violão” voltou a me perturbar. Tudo ali me fez voltar ao passado, que na verdade nem estava tão longe assim. Sentia um enorme vazio, como se faltasse alguma coisa. Faltava mesmo! Eu sentia falta da música, do sorriso, do olhar perdido daquele rapaz, que não precisava dizer nada para chamar a minha atenção. Mas eu precisava seguir com minha vida. Já era consciente de que ainda viveria muitas paixões, mas era triste estar apaixonado por uma pessoa estranha, uma fisionomia que não saía de minha cabeça, mas que sequer sabia o nome.









CAPÍTULO 7


        





                        Recomeçaram as aulas, e no primeiro dia foram poucos alunos. Eu era um aluno bagunceiro, por ser agitado e brincalhão, mas não deixava de ser estudioso, precisava sempre ser o primeiro aluno da sala, isso para provar ao meu pai que eu era capaz de ser alguém, mas alguém que ele poderia gostar e admirar. Sendo assim, lá estava eu, sentado na primeira carteira. Como de costume, tivemos apenas a apresentação dos professores e uma fala sobre o que aplicariam durante o primeiro semestre. Estava me sentindo um peixe fora d’água, pois não conhecia ninguém.
         No término da aula, caminhei para o pátio, pois nossa turma foi liberada um pouco antes. Fiquei ali no jardim do Colégio, sentado em um dos bancos, sozinho. Eu achava aquela parte do Colégio a mais bonita! Havia muitas árvores, repletas de flores coloridas. A iluminação era suave e tudo sempre estava bem limpinho e organizado. O jardim fazia me lembrar de minha própria casa. Naquela noite em especial, dava para sentir o perfume das flores, pois o vento espalhava o perfume das flores por todo o jardim. O céu estava nublado, mas mesmo assim, nada tirava o encanto do lugar. Fiquei olhando para o céu, pensando na vida... Vida? Que vida eu tinha? Precisava acordar cedo, trabalhar e tentar ajudar meu pai em algumas coisas, e mesmo assim era desprezado por ele o tempo todo. Nada do que eu fazia lhe agradava... Eu acreditava até que, se ele pudesse me mandaria embora! É duro para um adolescente ter a certeza de que é rejeitado, ainda mais pelo próprio pai! Mas essa era a minha vida.
         Os pensamentos de amarguras e tristezas foram se transformando em lembranças gostosas dos momentos que havia passado ali naquele Colégio, com o “rapaz do violão”. E toda vez que eu ficava triste, pensava naquele momento que vivi numa mão única, mas que era somente meu, e que ninguém poderia jamais tirar de mim. Fiquei ali parado, imóvel, apenas respirando e sonhando acordado. Ouvia a música cantada por ele em minha mente quando uma garota veio ao meu encontro, dizendo:
            -Posso entrar em seus pensamentos?
   -Fiquei quieto olhando para ela.
   Ela disse que me observava de longe, e reparou que meu semblante era quase de um anjo. Achei estranho ela mencionar aquilo. Nem a conhecia. Imediatamente ela sentou-se ao meu lado e apresentou-se: era uma colega de sala. Anos mais tarde, ela veio a se tornar uma verdadeira amiga. Seu nome era Iara. Mal ela me disse seu nome, já fiz uma brincadeira, dizendo:
           -“A rainha das águas”! Caímos na risada. Ela adorou a brincadeira e já emendou dizendo:
  -“Um anjo dourado e uma rainha”!
Realmente eu aparentava ser um anjinho, pele clara, cabelos loiros na altura do queixo, magro de olhos castanhos claros puxando para o tom de mel e muito bronzeado.
         Desde aquele dia, sempre a chamava de “minha rainha e ela de meu anjo dourado”.  Acabamos nos tornamos grandes amigos, e a ela que contei tudo sobre a minha vida, meus desejos, minhas angústias e minhas vontades. Foi difícil assumir o que eu era para outra pessoa, mas acabei falando. Claro que esse assunto só veio à tona muito tempo depois. Ficamos ali conversando até o sinal soar, e cada um seguiu seu destino.
         No dia seguinte, cheguei um pouco atrasado, e acabei sentando no fundo da sala. Eu estava prestando atenção na explicação da professora, enquanto a Iara, sentada do outro lado da sala, gesticulava algo que eu não conseguia entender. Posicionei-me para levantar e ir até a sua carteira, quando ouvi alguém bater à porta, pedindo licença para entrar. Quando olhei para porta, era o “rapaz do violão” entrando na minha sala de aula! Olhei assustado enquanto ele vinha em minha direção. Eu não sabia o que fazer. Pensei:
         Será que ele lembra- se de mim? Será que ele vai me olhar?
         Quantas perguntas eu me fiz em tão poucos segundos... Continuou caminhando em minha direção, enquanto eu ficava repetindo em meus pensamentos;
         Vem, vem para cá. Tem uma carteira ao meu lado. Senta nesta aqui, vai vem até aqui. E parece até que ele ouvia meus pensamentos! Ele continuava se aproximando, talvez atraído pela força dos meus pensamentos. Chegou, sentou-se ao meu lado! Veio bem perto de mim e puxou conversa. No desespero de não saber o que dizer e com medo de que ele percebesse o meu sentimento que aflorava e inalava por todos os poros do meu corpo, apenas disse que depois a gente se falava. Foi uma situação muito interessante: ele sentou-se bem ao meu lado, justamente na carteira que eu queria. Resolvi ficar bem quietinho para não chamar a atenção da professora.
No intervalo, novamente ele dirigiu a palavra para mim, com um sorriso largo:
         -E aí, tudo bem?
Como eu já estava mais a vontade, disse:
         -Sim, tudo bem...
         -Você não vai sair para lanchar?
-Perguntou ele.
         -Não estou com fome.
-Respondi.
         -Também estou sem fome... Posso ficar aqui com você, conversando?
-Perguntou novamente.
         -Sim, é claro!
-Respondi.
Então, para minha surpresa, ele perguntou:
         -Você não é o cara do ano passado, que ficou me ouvindo tocar violão?
Respondi que sim e aproveitei para falar que ele tocava e cantava muito bem.
         -Mas você não tinha se formado no ano passado?
-Perguntei.
         -Bombei... Agora estou aqui de novo.
-Respondeu ele.
         Dei uma gargalhada enorme! Ele não entendeu o motivo, é claro, e eu fiquei constrangido. Como explicar que eu estava feliz por ele ter reprovado de ano, pois assim nós poderíamos passar quase todas as noites juntos. Falei que havia achado graça na palavra bombei, pois eu nunca tinha ouvido, e me desculpei.
         -Tudo bem.
-Disse ele
         Foi então que ele se apresentou e finalmente fiquei sabendo o seu nome: Eduardo. Também me apresentei. Ficamos amigos, mas com o passar dos dias convivendo com o Eduardo, mais eu tinha consciência de que nunca poderíamos ser amantes. Ele me apresentava suas namoradas, que acabaram se tornando suas esposas e eu, algumas vezes, acabei sendo confidente delas. Que ironia do destino!
         Mas meu sentimento por ele continuava crescendo... Uma paixão louca, platônica na verdade, mas não doentia. Conforme o ano passava, ficávamos cada vez mais próximos, não íntimos como eu queria. A cada dia a nossa amizade crescia mais e foi assim durante muitos anos. Quando ele me apresentava um amigo, eu morria de ciúmes! Não queria que ele tivesse nenhuma amizade que não fosse a minha. Hoje sei que era puro egoísmo, mas coisa de adolescente.         Todas as noites antes de sair de casa, eu me perguntava:
         -Será que hoje ele vai para o Colégio? 
         Diariamente eu criava uma expectativa em vê-lo, e quando ele não aparecia, eu praticamente ficava fora da sala. Não sentia vontade de estudar se ele não estivesse ali, do meu lado. A sua presença me motivava ao estudo. Passamos o ano inteiro assim, apenas como bons amigos, mas para mim já era o suficiente. Durante o período que eu passava no Colégio, eu não pensava em meu pai, era algo mágico, que fazia me esquecer das coisas ruins que me fazia sofrer, estava em outro mundo, um mundo só meu, onde eu podia viajar em meus pensamentos e ninguém poderia cobrar nada de mim. Saudades daquele tempo, quantas saudades!
O ano letivo estava chegando ao fim, com a formatura da turma sendo preparada. Minha tristeza já começava a dar sinal, pois mesmo sendo amigos, precisava fazer algo para que ele permanecesse perto de mim. Durante dias fiquei imaginando o que faria. Então, tive uma ótima idéia! Consegui convencer meu pai, que era o Prefeito de nossa cidade na época, a dar-lhe um emprego na prefeitura.
Ele começou a trabalhar na área de esportes. Foi muito bacana, mas ele nunca ficou sabendo que fui eu quem havia pedido esse favor ao meu pai. Até hoje também não sei por que meu pai me cedeu esse favor, pois ele nunca fazia nada que eu lhe pedisse. Mas enfim, ele começou a trabalhar com o esporte, o que o levou a fazer uma faculdade de Educação Física.
Chegou o dia da formatura e fui para a Igreja onde seria a colação de grau. Passei toda a cerimônia pensando que eu não teria outra oportunidade para dizer sobre o meu sentimento por ele. Mas como dizer isso? Qual seria a sua reação? Ai meu Deus, o que fazer? Minha amiga Iara vivia falando para eu confessar o que sentia por ele. Tomei coragem e decidi me declarar assim que acabasse a cerimônia. Afinal, eu não tinha nada para perder. Já que nunca havíamos tido nada mesmo, então não perderia nada. Eu não estava interessado apenas em sua amizade...
Como o tempo demorava a passar! Contava os minutos e não tirava os olhos do relógio. Os ponteiros pareciam andar para trás. Que angústia! Quando enfim a cerimônia acabou, fomos todos para fora. Respirei fundo e fui em direção a ele para contar tudo. Chamei seu nome e ele se virou num sorriso lindo. Fui ao seu encontro, chegando bem próximo, e disse que tinha uma coisa importante para falar com ele.
-Antes quero te apresentar uma pessoa, a minha namorada.
-Ele me disse.
Na hora, fiquei tão chocado que não sabia o que dizer. Ele até brincou comigo dizendo:
-Parece que viu um fantasma?
Fiquei sem graça, pois a namorada dele era uma de nossas amigas.
-Minha nossa, o que vou fazer agora?
-Pensei.
E sem dizer uma palavra fui me afastando lentamente. Naquele momento percebi que aquela paixão desenfreada que eu sentia por ele, era algo que eu nunca poderia ter realmente. Não participei da festa e fui embora. Ninguém entendeu o meu sumiço. Apenas a Iara sabia o que tinha acontecido, e para me ajudar acabou dizendo a todos que eu não estava passando bem e tinha ido para casa.
Parei num barzinho e tomei o meu primeiro porre! Nem lembro quem era a pessoa que estava comigo, só sei que chorei muito. Essa foi à primeira vez que chorei por causa de uma paixão. Claro que a pessoa que estava comigo no bar achava que estava chorando por causa de uma menina. Fiquei andando pela rua até que a bebedeira passasse. Não podia chegar bêbado em casa, pois certamente iria apanhar. Nesse período da minha vida, já não sentia mais a surra como “um carinho” do meu pai. Cada vez que ele encostava a mão em mim para me agredir, acabava odiando-o mais do que eu já odiava.
Passei a evitar o Eduardo e falávamos somente o necessário. A culpa não era do Eduardo, mas eu estava o odiando, pois me sentia traído, desprezado e humilhado. Minha cabeça parecia que iria estourar de tantos pensamentos, de tanta coisa que imaginava sobre nós.
Acabamos nos afastamos um pouco. Eu queria ficar distante, não por causa dele, mas por mim mesmo, que não queria a sua amizade, e por não poder tê-lo de outra forma, preferia manter distância.
Alguns meses depois o Eduardo se casou. Não tive coragem, na verdade pelo nosso distanciamento ele não me convidou para seu casamento, pior que fiquei todo o tempo esperando receber o convite, por tudo que a gente tinha passado, achava que tinha o direito de receber o convite, mas mesmo assim, fui até a Igreja onde seria a cerimônia. Não consegui vê-lo, então decidi entrar pelo fundo da Igreja. Atrás do altar existe um corredor estreito e escuro, e foi dali que passei a observá-lo. Ele vestia um traje belíssimo, um terno branco, que combinava com a decoração da Igreja. O caminho entre os bancos estava todo decorado com fitas e laços dourados e muitas flores brancas, que contrastavam com o enorme tapete vermelho que ia do altar até a porta de entrada. Achei meio cafona e muito simples, mas na verdade, eu estava com ciúmes e muita inveja. Sabia que ele estava no altar esperando a mulher que amava para concretizar o seu casamento. Olhava atentamente a luz do sol entrando pelas janelas da Igreja e iluminar aquele belo exemplar de espécie humana. Aquela visão fazia com que eu admirasse ainda mais aquele homem! Parecia que ele era a única pessoa existente naquele recinto. Comecei a viajar no tempo e lembrei-me dele tocando violão na sala de aula, no dia em que o conheci. De repente, as portas da Igreja se abriram ao som da marcha nupcial, e iniciou a entrada da mulher escolhida por ele, àquela que tiraria de mim uma das pessoas mais importantes de minha vida. Em silêncio, fui me retirando da Igreja, ao tempo em que a noiva entrava. Ela entrando no ritmo da marcha nupcial, e eu, em minha mente, ouvia a marcha fúnebre, pois naquele momento estava dando fim a minha paixão por Eduardo. Ela entrando na vida dele e eu saindo, ou melhor, tirando-o da minha vida.
Fui para casa, e ao chegar, recebi a notícia de que eu teria que cumprir com a obrigação militar naquele ano, pois estava quase completando dezoito anos. Mas ainda teria alguns meses para aproveitar antes de ir me apresentar no exército. Nem dei tanta importância, pois para mim tanto fazia para onde eu iria e muito menos o que iria fazer. Queria apenas tirar essa enorme dor do peito, que me fazia perder o ar, me sufocava. Precisava fazer algo urgentemente, pois eu não queria continuar sentindo aquela dor.
Passado alguns dias, comecei a namorar uma garota, considerada a mais bonita e a mais cobiçada pelos garotos da minha cidade.  Na verdade, não sentia nenhuma atração por ela. Apenas queria mostrar ao meu pai e toda a sociedade hipócrita de nossa cidade que eu era “um homem”.
Foi fácil namorar a garota, pois eu era um jogador de voleibol no time da cidade, e além de ser ótimo nesse esporte, era muito querido. Minha altura e meu desempenho faziam com que eu me destacasse entre os outros atletas, não somente os de minha cidade, mas os das outras também. Eu sempre era convidado para jogar e representar outros municípios em jogos da região e também fora do estado do Paraná.
Não durou muito o nosso relacionamento. Comecei a “pegar” todas as garotas, digo pegar, pois a definição é essa mesmo. Eu não namorava ninguém, apenas saia conquistando todas as garotas que eu podia.  E não somente as da minha cidade, mas também as garotas de outras cidades. Não era difícil, pois como atleta tinha essa facilidade. Eu adorava sair para os jogos, mesmo contra a vontade de meu pai. Ele sabia que aquilo me fazia feliz, e sempre encontrava alguma desculpa para eu não ir.  Mas minha mãe sempre dava um jeito de convencê-lo a me deixar participar.
Participei em muitos jogos, e a cada viagem para esses eventos esportivos eu voltava com uma garota diferente. Claro que sempre avisava a elas que não era namoro, mas algo sem compromisso. Talvez pela minha popularidade, elas acabavam aceitando. Pensava que assim, meu pai não me mandaria para o exército.
Mas pelo contrário, meu pai deu continuidade ao processo. Parecia que ele tinha prazer em me ver sofrer!
O que tinha tudo para ser apenas sofrimento servindo o exército, também teria grandes momentos de felicidade por vim.
Mas, como eu poderia saber o que o futuro me reservava.
Sentimentos de perda, de raiva, de dor, de insegurança e também de amor, tomava conta dos meus pensamentos. Era tudo ao mesmo tempo.
Lá fui eu, para viver mais uma parte da minha vida...


CAPÍTULO 8




        Meu pai tinha tanto ódio de mim que num grupo de mais de cinqüenta rapazes, ele só permitiu que eu e o Pedro, filho do seu maior inimigo fossemos selecionados para servir o exército. Mais uma vez ele me humilhando e não me poupando do sofrimento.
             Ele era uma pessoa muito querida pelas pessoas de minha cidade. Por ser uma figura pública, chegava a ser venerado por alguns. Porém, eu não entendia porque ele era tão bom e prestativo com as outras pessoas e agia com frieza e desprezo comigo, que era seu sangue.
             Fui servir no Batalhão do Exército de Apucarana, uma cidade vizinha da minha. A amizade de meu pai com o Coronel acabou fazendo com que eu e meu amigo fôssemos alvo de todos os comandantes. Acredito que ele deve ter pedido para que eles não tivessem dó e nem piedade de nós dois, pois fomos submetidos a muito sofrimento... Parecia que todos nos odiavam. Naquele momento percebi que minha vida iria ficar mais dura e penosa de se viver a cada dia.
Meu amigo acabou se distanciando de mim, pois acreditava que, se não fosse meu amigo, tudo aquilo passaria. Mal sabia ele que o ódio era motivado por política. Tudo era por causa do seu pai e não pela nossa amizade. Perdi um amigo e fiquei lá, sozinho... Mas fazer o que não é?
Sempre a pergunta, se não seria melhor para meu pai me mandar para bem longe dele ou até mesmo sumir comigo de vez? Mas como poderia fazer isso, se a mulher que ele mais amava nesta vida também amava intensamente o filho que ele desprezava com a mesma intensidade do amor que ele tinha por ela? Sumir comigo era deixar minha mãe infeliz, e tenho certeza que se acontecesse o pior para mim, ela morreria junto. Não sei o que eu faria se não tivesse essa mulher ao meu lado e me dando força para seguir em frente. Que mãe era essa, uma leoa, uma mãe fantástica.
No começo eu odiava o quartel! Ficava imaginando como faria para fugir aquele lugar. Ligava para minha mãe chorando e pedindo que ela me tirasse de lá. Coitada, o que ela poderia fazer? Nada, ela não tinha influência alguma... Era apenas a esposa do ditador, do terrorista. Nos primeiros quarenta dias, que eles chamavam de quarentena, foram dias difíceis e intermináveis, com muitas provas humilhantes. Acredito que estas práticas foram proibidas nos dias de hoje. Mas aos poucos fui vencendo todos os obstáculos, dia após dia. Uma verdadeira batalha! Não permiti que me derrotassem.
Nós éramos testados o tempo todo. Faziam-nos passar por muitas humilhações e chegávamos ao extremo do cansaço físico. Submetiam-nos a práticas de exercícios físicos durante o dia todo, e muitos não suportavam, desmaiando de exaustão! Eu levei muita sorte, pois por ser atleta, tinha uma resistência física muito boa.
Já no primeiro dia no quartel, logo que chegamos levaram-nos a um cercado, onde havia várias cabeças de gado. Fiquei imaginando o que eles fariam conosco, Pensei que eles soltariam todas as cabeças de gado e fariam a gente reunir todas novamente. Mas que nada! Mandaram que todos entrassem em um cercado e nos fizeram deitar em meio ao estrume. Depois nos fizeram rolar de um lado para outro. Como eu não tinha nojo, girava a vontade sobre o estrume, numa boa. Mas um dos recrutas novatos, estava demonstrando ter muito nojo. O mais engraçado é que ele era o mais encorpado, parecendo um desses caras malhados de academia. Como ele se esquivava das fezes, no final do exercício todos estavam sujos e ele apenas empoeirado. Pensei: Que cara de sorte! Soube escapar...
Que nada, os comandantes retiraram todos do cercado e deixaram somente ele ali. Coitado! Deram um banho de estrume nele, fazendo até que ele até engolisse um pouco. Nunca tinha presenciado tamanha humilhação com uma pessoa...
A quarentena havia acabado e teríamos o final de semana de folga. Assim fomos para casa, ver a família. Liguei para minha mãe dizendo que chegaria para o jantar. Quem mais ficou feliz foi minha irmãzinha, agora com oito anos. Ainda uma criança, mas que adorava o irmão mais velho que fazia de tudo para ela.
Porém o comandante resolveu nos dispensar somente pela manhã do dia seguinte e não permitiu que ligássemos para casa avisando que não iríamos mais naquela noite.
Coitada da minha irmã! Mesmo sendo uma criança, ficou muito frustrada por eu não ter chegado. Ela havia preparado o jantar, com a ajuda da minha mãe e da empregada.
Fiquei sabendo, no outro dia, quando cheguei em casa, pela minha mãe, que ela não deixou ninguém tocar na comida ou desarrumar a mesa que ela havia preparado. Ela ia até a varanda da casa e olhando para o céu dizia:
“Meu Deus, porque o Senhor não deixou meu irmão vir para casa? Traga ele de volta, por favor... “       
Após chorar muito, ela adormeceu na poltrona que ficava perto da porta, esperando eu chegar.
Mas eu só cheguei pela manhã, e fiquei assustado quando a vi dormindo na poltrona e minha mãe no sofá. 
Quando ela me viu, começou a gritar e pular, como se eu tivesse ficado muitos anos fora de casa! Pedindo-me para comer o jantar que havia preparado e ficava o tempo todo me servindo. Era uma cena muito engraçada: seis horas da manhã eu fazendo uma refeição pesada daquelas! Mas mesmo sendo muito engraçada, eu comia com as lágrimas escorrendo pelo meu rosto, lágrimas de felicidade por saber que mais uma pessoa nessa vida me amava tanto assim e de tristeza por saber que as duas passaram a noite toda ali na sala me esperando.
Esse foi um dia muito especial e marcante em minha vida. Passei um final de semana bem gostoso, ainda mais que meu pai estava viajando. Graças a Deus que poderia abusar dos carinhos da minha irmã e de minha mãe, elas eram somente minhas.
Mas, com o final da tarde do domingo também chegou um sentimento de tristeza, pois a semana iria começar e eu teria que voltar ao inferno.
A vida no quartel não era fácil! Qualquer coisa que você fizesse de errado, passaria por muitas humilhações. Durante todo o tempo que estive lá, somente uma vez fui “punido”, apesar de que foi uma medida até certo ponto branda. Um dia, tirando guarda na porta do alojamento dos soldados, conseguia escutar os outros soldados roncando lá dentro. Fui ficando com sono e acabei dormindo em pé, encostado num canto perto da porta. A guarnição chegou, e o sargento responsável, ao perceber que eu estava “dormindo em serviço”, fez o maior escarcéu. Acordei assustado, achando que estivesse havendo uma invasão por bandidos. Que susto enorme levei! Quando percebi a real gravidade da situação, imaginei que estaria ferrado na mão do sargento, ainda mais que ele adorava mostrar serviço.
-E agora soldado, o que faço com você? Como pôde dormir em serviço?
-Me perguntou com aquele ar autoritário.         
-É só eu lavar o meu rosto e tudo ficará bem.
-Respondi sem pensar direito.
Foi este o meu erro...
-Lavar o rosto? Então vamos lavar seu rosto...
-Ele me disse com um ar de deboche.
Acordou um dos soldados para ficar no me lugar. O soldado era um cara que vivia me olhando de maneira estranha, mas nunca a gente tinha conversado. Mais tarde a gente ia se tornar mais que um amigo.
 O Sargento me levou até uma lagoa, nos fundos do quartel. Era uma noite muito fria, pois já estávamos em pleno inverno. Ele não quis nem saber se estava frio! Mandou-me tirar toda a roupa, toda mesmo! Fiquei como vim ao mundo. De repente, ele me empurrou para dentro da lagoa. Nossa! Como a água estava fria, gelada mesmo! Senti-me um pingüim mergulhando nas águas do pólo sul. Achei que era para ficar na margem, mas ele me disse para nadar até o meio da lagoa. Lá havia uma pequena ilha onde os patos ficavam a noite. Ordenou que trouxesse todos os patos até a margem e depois os levasse de volta novamente. Quando acabei, já estava amanhecendo e o sol despontava no horizonte.
Como resultado, acabei ficando doente, mas não podia reclamar. O castigo para quem dormia em serviço, na verdade, seria prisão e o preso não conseguiria sair na primeira baixa. Fui obrigado a fazer todas as minhas tarefas doente mesmo. Mas também, foi à única vez que recebi uma punição. Claro, sempre tratado com muita hostilidade, mas pagar por um erro, nunca mais!   O Sargento de certa forma não concordava com aquilo que eles faziam comigo, não sei se por não fazer parte da índole dele não querer prejudicar ninguém ou por pena de mim, só sei, que depois desse dia, o Sargento começou a me tratar melhor. Até permitiu que outro soldado me ajudasse a cumprir com a minhas obrigações. O soldado era o mesmo que ficou no meu lugar enquanto eu pagava a punição em tomar banho na lagoa. E ai começamos a ficar amigos.
Muitas vezes ele me chamava para conversar. Ele quando não estava de farda, era uma pessoa doce e amável. Muitos anos depois de eu tinha saído do Exército, fiquei sabendo que ele na época já era casado com outro homem, claro que acredito que ninguém lá sabia. Mas dentro da farda ele era firme, enérgico e autoritário. Uma pessoa que eu gostaria de rever...
No Exército sempre tinha comemorações e festividades, somente minha mãe aparecia.  Meu pai (que pai?) nunca foi até lá para me ver, afinal ele nunca tinha tempo pra mim. O pior, é que a coitada da minha mãe tinha que pedir para que uma amiga a levasse ou então, ia de táxi. Mesmo tendo carros de sobra em casa, meu pai não disponibilizava nenhum para levá-la.  Ele era mesmo malvado e porque não dizer cruel, claro que somente comigo.








CAPÍTULO 9





         Apesar de tantas humilhações que os comandantes nos submetiam foi lá que conheci o Luís Antônio, o soldado que sempre me ajudava nas minhas tarefas, nossa aproximação foi nos deixando cada vez mais íntimos. E acabei também me descobrindo e me aceitando como eu era verdadeiramente.
 Foi também nessa época que resolvi me aceitar e tentar ser feliz em ser uma pessoa diferente das demais. Achava que era errado o que sentia. Mas entre os meus conflitos, me dei à chance de ser feliz, mesmo havendo tanta hostilidade naquele ambiente. Se Deus me fez assim, sim Deus me fez assim ou pelo menos permitiu que eu fosse desse jeito.
Esse sentimento que eu carregava e também a vontade de estar junto com uma pessoa do mesmo sexo me acompanhava desde pequeno. Não poderia ser safadeza ou até mesmo doença como ouvia sempre as pessoas mais velhas falarem. Como que uma criança pura e sem maldade sente isso por ser uma pessoa safada? Imagina, isso é algo que já nascemos assim, uns demoram um tempo mais para se descobrir, outros já sentem desde pequeno.
Lembro-me muito bem da situação que levou eu e o Luís a nos conhecemos melhor e nos tornamos amantes. Foi numa das saídas em que nós tínhamos folga. Em vez de ir para casa, fiquei para sair com os meninos do quartel. Foi um convite do Luís, e eu aceitei.
Fomos a um bordel. Não estava à vontade naquele lugar, e o Luís, percebendo que eu não queria ficar com nenhuma mulher, chegou perto de mim e sussurrou:
-Você quer ir para outro lugar?
 Somente olhei e acenei com a cabeça, sinalizando que sim. Rapidamente ele me puxou em direção a porta e saímos dali. Nem nos preocupamos em avisar os colegas que nos acompanharam até lá.
Saímos do bordel e seguimos até um lago que ficava próximo ao centro da cidade. Era um local muito lindo! Naquele horário qualquer barzinho estaria fechado, e acabamos ficando dentro do carro, às margens do lago. Conversamos muito e quando nos demos por conta, o dia já estava amanhecendo.
Falei que precisávamos ir embora.  Então ele me perguntou:
-Posso te pedir uma coisa antes?
-Eu disse que sim.
Então ele me pediu um abraço. Quando fui abraçá-lo, sem intenção nenhuma, acabamos encostando nossos lábios um no outro. Fiquei sem ação alguma, e ele começou a me beijar. Por alguns instantes permaneci imóvel, mas o beijo do Luís era uma delícia e acabei retribuindo. Beijamo-nos muito e acabamos transando ali mesmo, dentro do carro. Foi tudo muito bom, ainda mais com os primeiros raios de sol entrando pelas janelas do carro. Não foi como eu imaginava ser a nossa primeira relação amorosa, mas mesmo sendo dentro de um carro apertado, houve muito carinho. Era delicioso sentir as mãos do Luís percorrendo o meu corpo, me sentindo desejado por aquele homem perfeito.  Quando acabamos, ficamos ali parados, abraçados, enquanto ele fazia carinho em meus cabelos e eu acariciava seus braços. Voltamos a nos beijar novamente, mas agora sem medo, sem preconceito e sem pressa de ser feliz!
Vestimos-nos e fomos caminhar a beira do lago. Estava um dia lindo, os raios do sol refletiam no lago, fazendo com que a água ficasse num tom dourado. A manhã parecia ter um cheiro especial. Paramos para tomar café num barzinho que já havia aberto as portas. Não era nada romântico, mas estávamos tão envolvidos com o acontecido, que tudo parecia lindo e maravilhoso.
Sentamos e começamos a falar sobre o que tinha acabado de acontecer.
Ele me disse que percebeu que sentia algo por mim, quando o Sargento acordou-o para ficar no meu lugar e vendo toda aquela cena, ficou com dó no primeiro instante, mas depois a cena de me ver nu não saia da sua cabeça. E quando o Sargento perguntou quem poderia me ajudar por eu estar doente, sem pensar muito, se candidatou e ai a gente sempre juntos, vou se apaixonando.
Eu confessei também que fiquei interessado nele quando ele começou a me tratar com muito carinho e cuidando de mim a noite. Me dava os remédios na hora certa. E realmente ele cuidava de mim com muito carinho.
Olhei para ele e fiz um carinho em seu rosto e ele foi levando sua cabeça até meu peito. Achei aquilo tão carinhoso que fiquei em silêncio, somente fazendo muitos carinhos. Ficamos ali por mais um bom tempo, assim, sem falar nada, apenas ficamos abraçados.
Depois de um bom tempo, voltamos a conversar sobre o que iríamos fazer.
Resolvemos tomar muito cuidado, para que ninguém no quartel percebesse. Já pensou o escândalo se descobrissem um casal gay dentro do Exército? Seria algo extremamente constrangedor, sem contar que poderíamos ser presos e expulsos. Combinamos então de mantermos nosso relacionamento o mais discreto possível.
Mesmo saindo com ele com freqüência, eu ainda pensava no Eduardo às vezes, apesar de nunca termos tido nada além de uma forte e grande amizade. O Luís era uma pessoa carinhosa, amável, um pouco arrogante, é verdade, mas nada que tirasse sua beleza. Ele era um homem lindo, mais baixo do que eu, com um físico que chamava a atenção de todos. Suas pernas eram grossas e torneadas, eu adorava homens de pernas grossas! Mas nossa relação era algo passageiro. Sabíamos que duraria apenas o tempo em que estivéssemos no Exército, não ultrapassando os muros de lá. Mas mesmo assim, tínhamos um carinho e um respeito enorme um pelo outro.
A cada vez que nos encontrávamos, era em um lugar diferente, para não despertar suspeitas. Quando nós partíamos para um acampamento, sempre dávamos um jeito de ficar na mesma barraca. O difícil era fazermos sexo em silêncio, e muitas vezes um tapava a boca do outro para abafar o riso ou os gritos de prazer. Era algo gostoso e divertido. Na verdade, nós brincávamos e ironizávamos a situação, é claro, sem que os comandantes soubessem. O que aconteceria se eles descobrissem que em vez de reclamarmos dos maus tratos nesses acampamentos, eu e Luís nos divertíamos intensamente? Para nós dois, era como se fosse uma viagem a dois, um programa de casal apaixonado. Sabíamos que o risco que corríamos era muito grande, se alguma coisa desse errado e descobrissem o nosso relacionamento.  Fomos levando essa situação durante muitos meses.
Em um feriado desses prolongados, o Quartel dispensou a maioria dos soldados, eu e o Luís acabamos sendo liberados. Aproveitamos e viajamos para a Ilha do Mel.
Levamos barraca e ficamos acampados na Ilha por quatro dias. Foi uma delicia, acordar bem cedo e tomar banho de mar juntos. Ir até um boteco bem simples e tomar café com os nativos, tudo foi muito perfeito e é claro fizemos muito amor por toda aquela Ilha maravilhosa. A impressão que dava, que era uma Lua de Mel.
Foram dias encantadores, mergulhar naquela mar limpo e transparente, onde você consegue ver os peixes nadando, mergulhar e beijar escondido embaixo da água, que delicia
As noites na Ilha era perfeitas, caminhar naquela areia que parecia que você está num filme em uma ilha deserta. Pois não tinha nenhuma iluminação, era tudo muito primitivo. Durante horas você caminhava e não via sequer uma lâmpada a não ser de um barracão bem distante onde os nativos tocavam músicas e dançavam. Claro que fomos, aliás fomos todas as noites no baile deles e dançamos muito. Luís era meio desajeitado para dançar, então ele ficava olhando enquanto em me matava de tanto dançar com as nativas e turistas que ali também estavam aproveitando o feriado.
Foram dias perfeitos, muito sol, muita música e muita relação sexual, (risos). Mas os dias passaram voando e novamente tivemos que voltar ao quartel. Ambos voltamos bem bronzeados, ficamos ainda mais bonitos do que já éramos. Realmente formávamos um casal bem bonito.
Voltamos a vida rotineira do quartel, mais passaria a surgir mais um problema.
Um dia, o Tenente Milton me convidou para ir até a casa dele em Ponta Grossa, pois teria uma festa e ele gostaria muito que eu fosse.
-Posso convidar o soldado Luís?
-Perguntei
         -Não! Respondeu ele bruscamente, dizendo que o carro já estava lotado. E por que queria levá-lo. Fiquei sem jeito e inventei uma desculpa rápida porque queria levá-lo.
         Acabei viajando com ele, sem ter idéia alguma de suas intenções... Aceitei seu convite, imaginando que eu poderia tirar algum proveito da situação. Mesmo vivendo bons momentos ao lado do Luís, ainda sofria com as hostilidades dos meus superiores. Acreditei que o Tenente poderia me ajudar... Como me enganei!
         Durante toda a viagem, o Tenente quase não falou.  Algumas vezes iniciava algum assunto para tentar quebrar o gelo, mas ele apenas respondia sim ou não. Resolvi ficar calado. A viagem parecia interminável, o que tornava o clima ainda mais tenso. Depois de algumas horas, por fim chegamos.
         Descobri então que não existia festa alguma e que também não tinha ninguém na casa dele! Estavam todos viajando... Comecei a desconfiar, achei estranho. Cheguei a pensar que talvez a festa acontecesse na casa de um amigo, ou algo assim. Ele me mostrou o caminho do quarto onde eu ficaria no alto da escada.
         A casa era um triplex, e o meu quarto seria no ático, ou solário, como é conhecido por algumas pessoas. Tomar banho e comecei a me arrumar, quando ele entrou no quarto e ao me encontrar somente de cueca, disse maliciosamente:
         -Gostaria que ficasse assim...
         Fiquei surpreso e assustado. O tenente era gay! Para mim, era praticamente impossível algum comandante do exército ser gay. Fui ficando ainda mais assustado quando ele se aproximou de mim.
         -Nossa! Durante todo esse tempo no quartel, estive esperando uma oportunidade de ficar sozinho com você.
- Falou ele, devorando-me com os olhos.
         Cada vez mais assustado, disse a ele que não estava entendendo nada daquilo. Então, ele colocou a mão em minha boca, como se quisesse me impedir de respirar. Foi nesse momento que tive a maior surpresa, ouvindo o que ele me declarou:
         -Uma vez, fiquei observando você e o Luís transando no acampamento. Desde aquele dia, o meu maior desejo é estar com você, sozinho...
         Fiquei calado, na verdade, paralisado, sem qualquer reação. A única coisa que me veio à mente foi à lembrança daquele homem nojento que me violentou quando eu era ainda um menino. O tenente estava me colocando novamente na mesma posição: alguém com mais força aproveitando-se para me subjugar e fazer com que eu fizesse a sua vontade. Sua atitude era exatamente igual à daquele homem do meu passado. Senti que estava sendo usado, e ter que passar novamente por tudo aquilo gerou em mim uma sensação horrível!
         Lentamente ele foi tirando sua mão de minha boca, encostando seus lábios aos meus. De certa forma, estava sendo forçado a transar com ele, e como não queria ser prejudicado e que muito menos ele prejudicasse o Luís, acabei me rendendo. Transei com ele somente com o meu corpo, pois meus olhos ficaram fixos a uma cortina que caia por detrás da cabeceira da cama, que era encostada na janela. Ela era branca, com enormes flores coloridas. Enquanto olhava aquela cortina, ficava me imaginando com o Luís, fazendo sexo. Contei cada pétala daquelas flores, que eram muitas, pois a cortina cobria toda a parede. Enquanto passava as mãos pelas costas do tenente, subindo até seus cabelos, ficava me imaginando deitado sobre o corpo do Luís. Não era uma sensação muito boa, mas viajando nessa loucura, consegui sentir o perfume do Luís, e até ouvia ele me chamando, como se estivéssemos fazendo sexo no meio da mata, no quartel. Consegui sentir o cheiro de mato verde. Quando anunciei que iria gozar, ele disse que era para eu esperar, pois ele ainda não estava satisfeito. Olhei para o ventilador do teto que estava ligado, girando em velocidade máxima, e de repente senti uma ânsia tão forte, que acabei vomitando ao lado da cama. Senti-me uma pessoa desprezível! Mal sabia que passaria por situações ainda piores, alguns meses depois.
         Tão logo tudo acabou, ele mandou que eu me vestisse, iria me levar até a rodoviária, onde pegaria o ônibus para minha cidade ainda naquela noite. Isso me deixou muito chateado e revoltado, mas eu não poderia fazer nada. Acabei me vestindo sem tomar banho mesmo, e seguimos em direção a rodoviária. Não trocamos uma palavra durante o trajeto. Virei à cabeça e encostei-me no vidro da porta, olhando para fora e contando os postes de luzes pelo caminho. Para cada poste, sentia a luz invadir o carro e queria que fosse um raio de sol que me purificando, limpando toda aquela sujeira. O pior era que por causa do medo de descobrirem sobre eu e o Luís, cedi à chantagem. Sentia-me cada vez mais usado e ao mesmo tempo fraco, só pensando em querer me livrar de tudo aquilo. Ao chegarmos à rodoviária, ele me ameaçou:
         -Se você contar alguma coisa sobre o que aconteceu entre nós dois para alguém, eu acabo com você e com aquele seu amiguinho.
         Não consegui responder nada, pois minha garganta parecia ter se fechado, fazendo com que minha voz sumisse. Como me senti impotente, logo eu que nunca deixava passar nada em branco!
Desci do carro sem olhar para trás, e fui até o guichê comprar a passagem. Tão logo a peguei em minhas mãos, procurei um banheiro. Estava me sentindo tão nojento como o banheiro em que entrei. Arranquei minhas roupas, ficando só de cueca. Tirei uma camiseta da mochila, molhei, e com ela fui esfregando o meu corpo todo, tentando arrancar toda a sujeira que estava impregnada. Coloquei roupas limpas e deixei as que eu estava usando jogadas, lá mesmo no chão do banheiro. Quando chegou à hora do ônibus partir, entrei me acomodei na poltrona marcada no bilhete da passagem comecei a chorar. Sentia-me sujo, ordinário, devasso... Na verdade, queria sumir, desaparecer da face da Terra. Durante muitos quilômetros fiquei chorando baixinho, até que adormeci.
Nunca comentei isso com ninguém, nem mesmo com o Luís. Desde então, não tivemos mais nada, pois sentia como se o tivesse traído. Além disso, não queria que o Tenente Milton o prejudicasse como tinha feito comigo. Comecei a comer como um louco, devorando toda comida que encontrava pela frente. Ninguém entendia o que estava acontecendo comigo, e na verdade, nem eu. Como resultado, engordei 30 quilos!  Fiquei depressivo, muito triste, não conversava com ninguém, minha alegria tinha sumido.
Um dia, o Luís começou a me questionar sobre o motivo de eu estar triste daquele jeito e também de ficar evitando ficar sozinho com ele, como amantes.
-Não quer conversar comigo sobre este assunto? É porque você engordou? Se for isso, não tem problema, pois gosto de você de qualquer jeito.
Eu apenas respondi que não. Como eu poderia lhe contar a verdade, sabendo que ele conseguia ser mais estourado do que eu?
 Como eu não estava mais me relacionando com ninguém, estava completamente arredio a todos, um sargento novato, que tinha acabado de chegar, e sei lá porque não foi com a minha cara, estupidamente me disse:
-Está se achando melhor do que os outros?
-Falou mais um monte de besteiras e me deu um jogo de corpo, me lançando ao chão.
 O Luís, ficando fora de si, vendo a situação, virou-se para o sargento, fazendo a mesma coisa com ele. Na hora não sabia se eu ficava feliz por ter sido defendido ou triste pelo que aconteceria ao Luís. A pena para aquela desobediência seria a cadeia, e foi o que aconteceu com ele. Foi à primeira vez em todos aqueles meses que ficamos a semana inteira sem nos ver. No quartel, quando um soldado vai preso, não pode receber visitas. Fiquei muito chateado, pois era por minha causa que ele estava preso. Mas quando queremos, sempre damos um jeitinho de driblar as regras. Ele ficou numa cela em que a janela dava acesso ao campo de futebol. Esperava todos dormirem e saía escondido do alojamento para conversar com ele. Era difícil, mas todas as noites eu fazia isso. Atravessava o pátio enorme, rodeado por oito alojamentos, me esquivando entre as plantas, passando pelas partes escuras, e ainda correndo o risco de ser detido pelos soldados que tiravam guarda. Mas eu tinha que ir até lá, conversar com o Luís. Não poderia deixá-lo jogado dentro de uma cela, abandonado. Ele tinha me defendido, mostrado que gostava de mim. Acredito que tirando minha mãe, ele foi a primeira pessoa que fez isso!
Mentira, uma vez meu irmão abaixo de mim, me defendeu quando um menino na saída da escola veio por trás de mim e me empurrou e fui parar no chão e ralei as mãos e joelhos. O meu irmão deu uma surra no menino, depois me ajudou a me levantar e disse que nunca mais iria me ajudar, eu tinha que saber me defender sozinho.
Também foi a única vez que meu irmão me defendeu. Nem poderia, ele era o filho favorito de nosso pai, me defendendo poderia perder o trono de príncipe.
Numa das noites em que o visitei, acabamos conversando até amanhecer. A lua estava linda, bem cheia, iluminando nossa conversa. Apesar de não conseguirmos nos ver, ficávamos ali sentados, ele no interior da cela e eu embaixo da janela, no lado de fora. Pode até parecer estranho e desconfortável, mas aquela situação não me incomodava. Pelo contrário, era prazeroso estar ali com ele conversando. Nessa noite tive vontade de reatarmos nossa relação (de amantes), mas tinha medo de prejudicá-lo. Lembrava das ameaças do Tenente Miltom. Ele era cruel e realmente poderia nos prejudicar.
O Luís não aceitava a situação de ficarmos sem nos encontrar como amantes. Tentava explicar arranjando alguma desculpa, mas é claro que nunca poderia contar o motivo real. Se ele estava preso apenas por ter dado uma rasteira no sargento ao me defender, imagina o que poderia fazer ao Tenente? Não poderia arriscar, pois ele era muito esquentado.
No dia que o Luís saiu da cadeia, fiquei na janela do alojamento esperando ele passar pela porta do prédio de detenção. Era um domingo e eu não quis ir para casa. Não seria justo deixá-lo sozinho depois de uma semana preso. Quando o vi saindo da prisão, fiquei com uma vontade enorme de sair correndo e encontrá-lo no meio do caminho. Mas lembrei onde estava, e nem em sonho poderia fazer algo assim. Estava chovendo, e fiquei olhando ele atravessar o enorme pátio. Ele levantou a gola da farda, cobrindo a cabeça, deixando a mostra sua “barriguinha sarada”. A cada passo dele, meu coração pulava mais forte dentro do peito. Quando chegou ao alojamento, entrou com um enorme sorriso, o que até me deixou intrigado. Estávamos sozinhos naquele enorme alojamento... Os outros tinham ido para casa. Só nós dois...
Perguntei imediatamente o motivo do sorriso, e ele, calmamente me respondeu:
-Era pra você, só pra você... 
Novamente me surpreendi com ele. Conversamos mais um pouco e o convidei para tomar um chope em algum barzinho na cidade. Ele aceitou e fomos tomar banho. Já no banheiro, ele me pediu para lavar suas costas. Comecei a lavar, falando para que ele não ficasse me olhando. Não queria que ele me visse gordo daquele jeito.
-Que tolice se preocupar com isso. O importante é que você me deixaeu ver o seu coração.
-Disse o Luís rindo.
Fiquei corado.
Devido à chuva, estava meio frio. O banheiro era enorme, grande o suficiente para pelo menos uns trinta soldados tomarem banho juntos. Como a água nunca esquentava direito, aproveitamos para ficar bem juntinhos tomando banho. Estava distraído quando ele se virou rapidamente e me deu um beijo na boca. Ficamos nos beijando embaixo do chuveiro, esquecendo totalmente que poderia chegar alguém. Ainda bem que isso não aconteceu!
Acabamos fazendo amor ali mesmo, no alojamento. Mesmo com medo de o Tenente desconfiar que eu estivesse me encontrando com o Luís, me entreguei sem pensar nas conseqüências que poderiam vir.
Ele sabia como deixar um homem apaixonado, era uma mistura perfeita de arrogância com delicadeza. E me fazia suspirar de tanto prazer!
Voltamos a tomar banho, e o Luis fez questão de me enxugar, sempre dizendo que naquele momento ele era o meu escravo. Achei engraçado e deixei a fantasia continuar, agindo como se fosse o seu dono. Trocamos-nos e fomos para a cidade, curtir a noite de folga. Não tinha muito que fazer, mas encontramos um barzinho ainda aberto. Sabe como é não é mesmo? Cidade pequena, aos domingos, todo o comércio fecha para que as pessoas fiquem com a família. Tomamos alguns chopes, e entre um chope e outro, acabei falando que não poderíamos mais ser amantes. O Luís me perguntou o motivo. Disse que não era nada com ele, mas que eu não queria passar a minha vida com outro homem. Queria voltar para minha cidade, encontrar uma mulher, casar e ter filhos. Continuamos a tomar chope e acabamos ficando um pouco bêbados. Entramos no carro do Luís para voltar ao quartel, mas no meio do caminho ele parou o carro.
 -Se não vamos mais ser amantes, podemos terminar de maneira prazerosa. Que tal irmos a um motel?
-Perguntou.
Acabou então me convencendo, aliás, eu queria mesmo, estava morrendo de saudades de sentir aquele corpo encostado ao meu. Seguimos até um motel próximo. Passamos a noite toda lá, e posso dizer que foi uma despedida maravilhosa!
 Quando amanheceu, e o vi ali, dormindo ao meu lado, quase voltei atrás na decisão que havia tomado. Mas me veio à mente aquela conversa com o Tenente, e a ameaça que nos fez. Ele realmente havia conseguido me aterrorizar. Quando o Luís acordou, voltamos para a vida militar e nunca mais tivemos um contato amoroso. Aquela foi mesmo a nossa despedida. Não daria certo mesmo, morávamos em cidades distantes uma da outra e nenhum dos dois tinha emprego. Como iríamos explicar para as pessoas que dois homens dividiam as responsabilidades de uma casa? Seria muito difícil manter esse relacionamento, ainda mais numa época em que me importava com o que a “sociedade” poderia comentar.
O restante do tempo que faltava para terminar o período militar ficamos longe um do outro, pelo menos como amantes. Mas acabamos nos tornando grandes amigos e continuamos a fazer nossos passeios rotineiros. Não vou negar que ambos faziam um sacrifício enorme para conter o impulso de se jogar um nos braços do outro. Quando saíamos, nem eu e nem ele ingeria bebida alcoólica, pois poderíamos cair em tentação.
Quando saímos do quartel e cada um foi para sua cidade, passei por uma depressão profunda: não queria comer, beber e nem mesmo tomar banho. Estava morrendo aos poucos, emagreci tanto que até dava medo de me ver. Fiz um tratamento inadequado, pois naquele tempo, depressão não era considerada doença. Mas minha depressão não foi por causa do Luís, pois ele foi algo bom que aconteceu em minha vida. O motivo de eu ter ficado daquele jeito foi sentir a falta de ser amado e cuidado por outra pessoa. Ao voltar para a casa dos meus pais, novamente o desprezo de meu pai voltou a reinar. Ele não escondia o seu sentimento por mim, aliás, nunca escondeu e não fazia questão nenhuma de esconder.
Depois de algum tempo, reencontrei o Luís. Com a família. Ele havia casado e já tinha um filho. Não vou negar, fiquei com inveja. O meu maior sonho sempre foi ser pai. Como quero adotar uma criança, conversamos um pouco, mas não mencionamos o relacionamento que tivemos no passado. Nem poderíamos, pois a esposa dele sempre estava por perto, e num determinado momento, me disse que ouvia muito o Luís falar de mim. Por isso, tinha curiosidade em me conhecer. Imaginava que eu deveria ser uma pessoa muito boa, pois seu marido dizia sempre que se não fosse por mim, ele jamais teria conseguido concluir o seu tempo no quartel. Fiquei sem graça, pois enquanto ela falava, percebia que o Luís ficava envergonhado e com os olhos cheios de lágrimas. Naquele momento percebi que tinha sido realmente amado por aquele homem. Sua esposa continuava a falar e eu já não ouvia nenhuma palavra. Minha atenção estava focada apenas no Luís. Olhava para ele e ao mesmo tempo me perguntava: Por que não permiti que nossa história continuasse? Por que não me dei a chance de ser amado e, quem sabe, amar também?
           Acredito que sua esposa deve ter percebido algo, pois fiquei parado apenas olhando para o Luís, calado.
           -Está tudo bem com você?
-Perguntou ela enquanto tocava em meus braços, me despertando daquele transe em que me encontrava.
             Fiquei muito constrangido, pedi desculpas e disse que tinha voltado ao passado e que aquele encontro havia me feito recordar de muitas coisas boas que aconteceram comigo no Exército. Ela disse rapidamente, que imaginava, pois seu esposo não parava de contar como nós éramos amigos e como nos dávamos bem.
           -O Luís sempre me diz que vocês eram como irmãos de sangue.
 -Concluiu ela.
           -Sim, isso é verdade!
 -Confirmei sorrindo para o Luís, que também abriu um belo sorriso. E que sorriso era aquele, tive que me controlar para não sair correndo e lhe dar um belo beijo. E tinha a certeza que ele iria retribuir com toda a sua força e vontade.
Eu o conhecia muito bem, cada fisionomia que ele fazia, cada sorriso, cada olhar, eu o conhecia intimamente e profundamente.
Me controlei e ele também...  
Conversamos mais um pouco e nos despedimos. Foi à última vez que nos vimos. Senti isso quando ele abraçou sua esposa, que segurava o filho deles nos braços. Enquanto eles se afastavam, fiquei ali parado sem saber o que fazer. De vez em quando, Luís olhava disfarçadamente para trás. Era como se estivesse me dando adeus com aqueles olhos serenos.
Olhar de quem dizia que tinha me amado muito.












CAPÍTULO 10



        Novamente o Eduardo, o “rapaz do violão”, entrou em minha vida. Foi através dele que resolvi dar a volta por cima, pois ele me dava forças para lutar conta a depressão e me tratava com muito carinho. Isso fazia com que me sentisse importante em sua vida. Porém sentia que ainda faltava algo para me completar. Voltei a jogar voleibol pela minha cidade, e o esporte sempre colabora neste caso. Aos poucos, fui vencendo a tristeza e abrindo espaço para voltar a ser feliz.
Comecei a trabalhar no Departamento de Cultura, órgão ligado a Prefeitura do Município de Cambira. Eu organizava todos os eventos culturais e as festividades do município.
O Eduardo, que já era casado, trabalhava na Secretaria de Esportes, também na Prefeitura. Fizemos uma parceria entre a cultura e o esporte, realizando vários eventos juntos. Eu comandava e criava tudo, claro que com a ajuda e o apoio dele, que também colocava a mão na massa.
Nesse período de minha vida, eu continuava a sair com todas as mulheres que eu conseguisse conquistar. Geralmente acabava namorando as garotas que ganhavam o concurso de Miss em minha cidade ou nas cidades vizinhas. Chegava a sair com mais de uma garota ao mesmo tempo. Fazia o estilo “homem galinha”, e as pessoas começaram a comentar que eu era o pegador! Mal sabiam elas que por detrás de tudo aquilo e daquelas atitudes, havia outro homem, que tentava esconder sua verdadeira orientação sexual. Estava enganando a sociedade, mas ainda não tinha a consciência de que eu era o maior prejudicado. 
Eu e Eduardo passamos há conviver muito tempo juntos, e essa proximidade acabou despertando um sentimento adormecido em mim. Mas eu não queria e nem podia mais me permitir reviver tudo isso, pois ele já estava casado e havia se tornando um grande amigo, na verdade, o meu melhor amigo. Geralmente, quando saíamos juntos, ele estava acompanhado por sua esposa e eu, cada vez com uma garota diferente.
Me recordo de um episódio que não posso deixar de contar, nunca ri tanto na minha vida, como poderia um homem daqueles ter medo de gente morta. Enfim, Nós tínhamos organizado um gincana, dessas que as equipes se escrevem e disputam várias provas. Então, organizamos essa gincana. Na primeira noite de provas, as equipes teriam que comparecer a um baile no clube da cidade, onde soltaríamos as provas surpresas e uma das provas era a primeira parte do caça ao tesouro.
Até que o pessoal dançavam e se divertiam, eu e o Eduardo saímos para esconder as provas do caça ao tesouro. Nessa primeira parte, as provas eram escondidas no cemitério que ficava do outro lado da cidade.
Lá fomos nós ao cemitério. Chegando lá tivemos que pular o muro para esconder as provas. Começamos a esconder as provas nos túmulos de amigos, jovens que eram amados pela população, que infelizmente se foram.
Eduardo sempre com o olhar de medo e eu nunca liguei, nunca tive medo dos mortos. Eu me divertia com o medo dele.
A última pista tinha que ser escondida no cruzeiro (cruz enorme que geralmente fica no meio das sepulturas), lá fomos nós. Eduardo ficou embaixo e me ajudando a subir. Subi e fiquei apoiado com os pés apoiados em seus ombros. Quando estava quase terminando de esconder a pista, um gato assustado com a nossa presença, saiu correndo perto de Eduardo, ele me deixou lá pendurado e saiu correndo em direção ao portão do cemitério e eu fiquei ali pendurado no cruzeiro.
Eu gritava pedindo que ele voltasse, não adiantava gritar o Eduardo simplesmente nem olhava para trás. Eu ralei todos os meus braços, pois o cruzeiro era feito de concreto. Desci sozinho e fui ao encontro dele.
Quando o encontrei do lado de fora, já dentro do carro e todo assustado, com a cara branca de medo. Não me contive e cai na gargalhada. Ele ficou inventando desculpas, fingi que acreditei, mas sabia que era puro medo dos mortos mesmo. Claro que não poderia deixar de comentar com os amigos. Ficamos por um bom tempo chamando ele cruzeirinho.
Durante toda a gincana, trabalhando juntos, acabamos ficando ainda mais íntimos.   
Deveria estar feliz por estar sempre junto a ele, mas ocorreu justamente o contrário: acabei ficando confuso e me sentindo muito mal com essa amizade. Eu não conseguia separar as coisas, e novamente, a tristeza começou a tomar conta de mim. Ficava pelos cantos, amuado, e não queria fazer mais nada.
Para piorar a situação, uma das garotas com quem saía, acabou ficando completamente apaixonada, fazendo de tudo para me conquistar. Minha família queria que eu ficasse noivo dela, e em seguida marcasse o casamento. Isso contribuiu ainda mais para a confusão em minha cabeça.
Não achava justo ter que iludir e mentir para alguém que gostava tanto de mim. Se eu tomasse uma decisão precipitada dessas, faria com que ela sofresse a vida inteira, ou pelo menos até eu decidir que não mais a queria. 
Nesse meio tempo, o Eduardo separou-se da mulher, e acabamos nos aproximando ainda mais. Certa vez, fomos passar uma semana em uma fazenda bem bonita, com um grande lago e piscina, onde nos reunimos com alguns amigos. Foram dias deliciosos! Eu achava que desta forma poderíamos nos aproximar mais, e quem sabe, não rolaria algo? Mas logo na chegada, os quartos foram divididos, e acabamos ficando em quartos diferentes. Fiquei frustrado, é verdade, mas mantive a calma e não demonstrei que não havia gostado. A casa da sede da fazenda era de madeira, somente o banheiro era de alvenaria. Meu quarto era ao lado do banheiro, e sem querer, acabei descobrindo um furo na parede, que me permitia ver quem estava tomando banho. Imagina o que eu fiz? Todas as noites, quando o Eduardo ia tomar banho, eu ia para o quarto e ficava espiando. Isso se repetiu durante toda a semana. Minha imaginação transcendia qualquer coisa normal que um ser humano poderia imaginar. Aquelas cenas do Eduardo tomando banho me deixavam muito excitado, e cada vez mais, sentia vontade de transar com ele. Como era difícil manter a calma e disfarçar a vontade de tê-lo! Mas essa vontade acabou de vez na última noite que passamos na fazenda. Resolvi dar uma volta, e acabei me deitando numa espreguiçadeira que estava num canto da piscina, quando ouvi uns gemidos que vinham do vestuário. Fui me aproximando bem devagar, numa mistura de curiosidade e medo, pois poderia encontrar algum animal. Abri a porta bem devagar, e vi o Eduardo transando com uma das garotas. Fiquei ali parado por alguns segundos, acho que nem respirava para não ser descoberto. Sai silenciosamente, como havia entrado, para não chamar a atenção deles. Nesse momento, tive a certeza definitiva que jamais teria aquele homem para mim.
Voltamos para casa no outro dia, e evitei conversar com o Eduardo por um bom tempo. Alguns meses depois, ele se casou com a garota do vestuário. Era o seu segundo casamento, e minha segunda decepção com ele!
Comecei a pirar, e minha mãe, percebendo isso, acabou convencendo meu pai que o melhor para mim, era estudar em Curitiba. E foi isso que aconteceu. Fomos eu e o Reginaldo, o colega do exército cujo pai era amigo pessoal do meu pai. Como nós dois éramos considerados as ovelhas negras, nossos pais nos enviaram para o mais longe de suas vistas. Tanto eu como Reginaldo, nessa época, achávamos que aquele teria sido um gesto de amor e carinho, mas logo percebemos que era uma maneira de se livrarem de nós. Quando entendemos o verdadeiro motivo, ficamos vários dias deprimidos, sem chão, achando que realmente não prestávamos. Mas com o apoio que um dava ao outro, conseguimos iniciar uma vida nova, em uma cidade diferente. Mesmo sabendo qual era o verdadeiro sentimento que meu pai nutria por mim, ficava sempre imaginando e querendo muito que ele conseguisse perceber o grande amor que eu sentia por ele. Quem sabe ele não se comovesse e também percebesse que também me amava? Como é triste saber que uma pessoa que tanto amamos não nos dá abertura para ser conquistado e desfrutar de nosso carinho!
Mas enfim, era mais uma decepção, mais uma tristeza, mais uma frustração, mais uma marca em meu coração.
CAPÍTULO 11




      Um dia, eu e Reginaldo estávamos andando por uma praça famosa de Curitiba e encontramos uma senhora, que do nada ela nos parou, e foi dizendo:
 -Vocês estão com um olhar muito triste! Só depende de vocês mesmos dar um empurrãozinho no destino. Lembre-se que ninguém tem o direito de conduzir suas vidas a não serem vocês mesmos.
         Aquela senhora era uma cigana, que acabou comovendo o Reginaldo, mas eu, muito cético, fiquei mais assustado do que acreditei nas suas palavras. Mas, fiquei na minha. Não acredito, mas também não desdenho. 
Voltamos para casa e tomamos um porre danado! Em meio à bebedeira, um olhou para o outro. Começamos a rir e achar engraçada aquela situação de sentir pena de nós mesmos.
Ali, naquele momento, começamos a dar sentido a nossas vidas, sem mesmo saber qual era ele. Mas o mais importante, era a decisão de que não ficaríamos ali chorando e muito menos tentando imaginar o verdadeiro motivo de nossos pais preferirem que ficássemos longe da vida deles. E começamos a aproveitar nossa vida em Curitiba.
O Reginaldo era todo metido a ser descolado, achando que nada daria errado com ele. Realmente, ele era esperto mesmo! Foi com ele que aprendi muitas malandragens, como beber, fumar e até experimentar maconha pela primeira vez. Não sei dizer como, mas ele sempre dava um jeito pra tudo. Nessa época eu era muito imaturo ainda e às vezes até infantil. Eu vinha de uma cidade pequena, onde todos se conhecem e até então não se ouvia falar de drogas, roubo e muito menos de pessoas capazes de fazer qualquer tipo de malvadeza com as outras. Não poderia ser diferente: a inocência ainda era uma característica presente em minha personalidade.
Continuamos nossos estudos e a nossa vida.
Tempo depois, meu pai não mandou mais dinheiro, alegando que eu já era bem crescidinho e poderia me virar sozinho.
Nova decepção! Tentava fazer tudo certinho, para não magoá-lo. Estudava e treinava para ser o melhor, para que ele pudesse sentir orgulho de mim. Mas não adiantava.
Senti-me sozinho e abandonado, e não tinha mais dinheiro nem para as coisas básicas. Havia conseguido uma bolsa no colégio particular onde eu estudava o mais famoso do Paraná, pois pertencia ao time de voleibol. Mas não era suficiente. Precisava de mais dinheiro, pois tinha que comer pagar o aluguel, luz, água, enfim, todas as despesas de uma casa.
Não queria ligar para a minha mãe. A coitada não ganhava tão bem assim e também tinha seus gastos. Também não queria deixá-la preocupada, até porque, nesse momento não queria voltar para aquela cidade. 
Sem saber o que fazer, lá fui eu dar ouvido ao Reginaldo! Ele me falou de um jeito fácil de ganhar dinheiro, que era jogo rápido: acabava de fazer o trabalho e já recebia. Me fez acreditar que era algo legal e que eu não prejudicaria ninguém. Na verdade, o prejudicado seria eu mesmo...
Embarcando na idéia maluca do Reinaldo, começamos a ser o que hoje se chama “garoto de programa”. Ele só sabia falar que os gays velhos pagavam muito bem para saírem com garotões novos e bonitos, e nós, sem falsa modéstia, éramos muito bonitos. Eu possuía um corpo atlético, músculos perfeitamente distribuídos por um metro e oitenta e oito de altura. O Reginaldo, mais baixo, deveria ter um metro e setenta e oito de altura, mas não era de se jogar fora. Ambos loiros chamavam a atenção por onde passávamos. O que cada um de nós ganhava em apenas uma noite, dava para pagar o aluguel e o restante das contas, ou seja, vivíamos muito bem!    Numa de nossas saídas para “trabalhar”, não sei como, ele arrumou dois “senhores gays”, riquíssimos. Não entrei em detalhes, pois quanto menos soubesse, seria melhor. Fomos ao apartamento de um deles e transamos os quatro juntos, no mesmo ambiente, mas cada um com o seu parceiro.
Realmente, o dinheiro que ganhávamos pelo “trabalho” que tínhamos nos disposto a fazer era muito se fosse levado em conta o tempo que nos dedicávamos a ele.
No começo era divertido, mas depois de certo tempo, comecei a sentir nojo do que fazia. Chegava em casa e rapidamente entrava no chuveiro, me esfregando muito. Muitas vezes chegava a sangrar, de tanto que me esfregava. Tudo aquilo me fazia sentir sujo, me lembrando dos momentos em que passei com aquele homem nojento de minha infância e também das humilhações que vivi com o Tenente. Decidi que não queria mais aquilo para mim!
Um dia, o Reginaldo chegou em casa dizendo que tinha um programa para fazer, mas que preferia que eu fosse no lugar dele.
-Mas eu já te falei que não quero mais.
-Disse a ele.
-Mas você vai adorar! Se você não quiser transar com o cara tudo bem, mas você não vai se arrepender de ter ido.
-Disse ele.
-Mas por quê?
-Perguntei já com certa curiosidade.
-Você nem imagina! É o Tenente Milton...
-Respondeu.
 Uma vez deixei escapar o meu ódio por aquele homem, mas não mencionei sobre o que realmente havia acontecido no tempo do quartel. O Reginaldo, aproveitando-se da coincidência de tê-lo encontrado sem que ele o tivesse reconhecido, acabou marcando o programa para aquela noite, no apartamento dele.
-Jura?!
-Perguntei – já vislumbrando uma possível vingança contra aquele verme. 
Adorei a idéia de extravasar todas as mágoas que eu sentia por aquele homem desprezível. Agora, ele não poderia fazer nada contra mim e muito menos contra o Luís Antônio. Iria me vingar dele!
No horário combinado pelo Reginaldo, fui até o apartamento do Tenente. Quando ele abriu a porta, ficou assustado em me ver.
-O Reginaldo não pôde vir e me pediu para substituí-lo. Nós trabalhamos na mesma profissão... Disse eu com a cara mais cínica que poderia fazer no momento.
 Logo ele entendeu e ficou todo animado, abrindo um sorriso enorme naquela boca nojenta.
-Que surpresa agradável! Entre.
-Disse ele.
-Só que trabalho com recebimento antecipado.
-Eu disse a ele.
-Sem problema nenhum, meu querido.
-Ele respondeu.
Então, assim que peguei o dinheiro em minhas mãos, dei-lhe as costas, caminhando em direção ao elevador.
-Onde você está indo?
-Ele me perguntou.
-Embora, é claro!
-Respondi.
-Esse dinheiro é para pagar aquela noite horrorosa que passei na casa de seus pais. Jamais vou transar com você novamente. E é bom você ficar quietinho e não fazer nada, senão começo a gritar para todos os seus vizinhos saberem que você não passa de um gay podre, safado, que não tem nenhum escrúpulo e que para ter sexo, tem que pagar. E outra, minha vontade é de socar a mão na sua cara, até ver você todo machucado, aí no chão, para compensar todo o mal que me fez! Mas não vale a pena me sujar por um verme como você.
Ele quis resmungar alguma coisa, mas logo fui dizendo em tom de ameaça:
-Fica quieto ou posso mudar de idéia e quebrar você inteiro e também o seu apartamento.
Nada pagava o preço do prazer que tive ao ver aquele rosto assustado e ao mesmo tempo envergonhado por ter sido humilhado por um garoto do interior. Cheguei em casa e dei todo o dinheiro para o Reginaldo, pois preferia morrer de fome a ter que aceitar o dinheiro daquele homem, se é ele poderia ser chamado assim. Dias depois, acabei cruzando com o Tenente pelas ruas da cidade, mas fingimos que não nos conhecíamos. Algum tempo depois, ficamos sabendo que ele havia ido morar na Espanha. Fiquei imensamente feliz, pois jamais iria vê-lo novamente.