sábado, 14 de janeiro de 2012

CAPÍTULO 19




         Voltei para casa dos meus pais em Cambira e não contei nada para a minha família sobre a tragédia que envolvia meu relacionamento com o André. Aliás, não contei para ninguém, pois não queria que ficassem com pena de mim. E também, como tratar de um assunto que na época era considerado algo desprezível pela sociedade. Sofri muito, tinha perdido a vontade de viver e até cheguei a cometer uma tentativa de suicídio... Mas fracassei. Fiquei desorientado, sem perspectiva nenhuma para minha vida.  Minha família não entendia o motivo de eu estar daquele jeito. Eu ficava o dia todo apenas deitado na rede, olhando para o teto da varanda. Às vezes ainda conseguia caminhar entre as plantações que ficavam no fundo da nossa casa. Caminhava procurando algo que se sabe lá o que era...
Passadas algumas semanas, novamente sonhei com o André. Ele me dizia que era para eu viver, pois por meio de mim, ele também estaria vivendo. Acordei e tomei uma decisão importante: viver ou morrer! Num piscar de olhos minha vida transformou-se. Comecei a comer naturalmente, sem forçar como antes, e aos poucos a tristeza foi transformando-se em vontade de viver. Sentia prazer nas pequenas coisas e gestos e voltei a valorizar cada coisa que passava pela minha vida. Foi assim que novamente o André trouxe sentido para a minha vida.
Mas mesmo assim, ainda sentia muito sua falta. Depois de tê-lo ao meu lado por tanto tempo, como poderia alguém substituí-lo em minha vida. Ninguém poderia suprir aquele amor, e até hoje ninguém conseguiu ainda. Pelo menos por enquanto.
Aos poucos, a dor de ter perdido o André foi amenizando e se transformando em saudades, em recordações lindas que ficaram lá no passado.
Nesse período de recuperação, Deus me mandou um presente maravilhoso, que me ajudaria a suportar tudo aquilo. Realmente, Ele faz as coisas certas! Na hora em que mais precisamos sempre Ele estará lá para nos ajudar. 
Veio para nossa casa o meu irmão caçula, que na verdade gostaria que tivesse sido meu filho. Digo isso porque ele também é fruto gerado do coração. Aquele menino veio para nos dar muita alegria e felicidade. Nunca nos deu sequer um minúsculo problema. Era o nosso presente divino.
Quando o vi pela primeira vez, não acreditava que uma “mãe” pudesse rejeitar o seu próprio filho. Ele era uma criança bonita e saudável. Era perfeito, calmo e abençoado. Nunca tinha visto uma criança tão linda!
         Durante toda a sua trajetória em nossa família, ele sempre foi motivo de muito orgulho. Cada vez mais, o amor que sentíamos por ele aumentava.
         Tanto eu como minha mãe esquecemos que ele e minha irmã são adotivos. O amor que sentimos é o mesmo que temos pelo meu irmão legítimo. Nunca existiu nenhum tipo de discriminação, a não ser pelo meu único irmão de sangue. Ele sempre teve ciúmes dos dois que eram adotivos e quando podia sempre fazia algum comentário para lembrá-los que são adotivos. Às vezes, ainda hoje em dia, ele faz isso.
         Mas o menino tornou-se um homem lindo, responsável, digno e de um caráter exemplar. Merecedor de ser aplaudido em pé. Sempre digo que ele e minha sobrinha mais velha, são as grandes paixões da minha vida. Ele foi sempre orgulho de todos nós e já terminou sua Faculdade com louvor. Mais uma meta que foi cumprida.
Lembrei-me de um episódio engraçado. Meu pai ainda me hostilizava, e eu quis aprontar uma com ele. Como ele tinha pânico de sapo, eu e um amigo fomos até uma lagoa perto da cidade e capturamos o maior sapo que encontramos. Colocamo-lo dentro de um saco e voltamos para a cidade. Eu ria muito durante todo o trajeto imaginando como seria quando meu pai visse o tal sapo. Realmente era um sapo de dar medo... Enorme!       Cheguei em casa, coloquei o sapo dentro do carro do meu pai e fui dormir. No outro dia saímos todos para trabalhar, e como meu pai era o primeiro a chegar ao trabalho, saiu na nossa frente. Minha mãe quase entrou no carro, mas insisti que ela me ajudasse numa coisa qualquer que inventei. Ela achou estranha a insistência e acabei contando o meu plano. Percebi que no canto da sua boca saiu um leve sorriso. Não demorou muito e ficamos sabendo que o meu pai tinha batido o carro em um poste de luz, pois “um enorme sapo” havia pulado nas pernas dele.
Aquele incidente acabou sendo vergonhoso para ele. Um homem “todo poderoso” com medo de um sapo? Sei que foi errado o que fiz, mas ele bem que mereceu. Passei anos sendo hostilizado por ele, mendigando o seu carinho e amor.
Mas tive que me conter e não expressar minha alegria por meu plano ter dado certo. Ainda mais que com ele não havia acontecido nada, mas o carro que ele tanto gostava, teve perca total. Foi muito engraçado.
         Outro episódio engraçado que ocorreu envolvendo eu e meu pai, foi durante uma discussão que tivemos. Ele colocou as mãos para trás do seu corpo, como se estivessem amarradas. Olhou bem nos meus olhos e disse com muito ódio que se eu fosse homem de verdade daria um soco no rosto dele. Não me fiz de rogado, e fui logo lhe dando um belo soco. Coloquei toda a raiva que sentia por todos os anos de desprezo e destrato naquele soco. Depois me arrependi e me senti muito mal com aquela situação, pois no fundo ainda tinha a esperança de conquistar aquele amor que nunca tive. Sei que não se bate num pai, mas ele quem pediu aquilo!
         Após esse episódio, nunca mais ele fez esse tipo de comentário comigo, na verdade, nem me lembro dele ter dirigido a palavra alguma outra vez para mim. Ele sempre fazia o tipo machão com meu irmão mais novo, que era o seu preferido. Meu irmão apenas tremia e chorava, mas não tinha coragem de fazer nada.
Ele me mandou embora da Prefeitura. Sempre misturava assuntos de família com assuntos profissionais. Ele era o “Prefeito perfeito”, pelo menos era a opinião que tinha de si mesmo.
Passei a me dedicar somente a minha profissão de modelo. Fui viajar para muitas cidades do Paraná e de outros estados. Não tinha muito tempo, e também nem queria pensar em ter algum relacionamento sério. Tive alguns “rolinhos”, mas nada importante. Foram apenas pessoas que passaram pela minha vida, sem deixar nenhuma marca.
Voltei a organizar vários eventos de concursos de beleza na cidade, que sempre eram um sucesso. Geralmente eu flertava e até mesmo namorava as vencedoras, para manter as aparências e mesmo porque queria brincar com a sociedade. Mas percebi que estava brincando muito mais com as meninas do que a própria sociedade. Isso chegava a ser cruel, então parei com a brincadeira e resolvi começar a me aceitar como Deus havia me concebido: um homossexual! Por que eu deveria ter vergonha de minha orientação sexual?  Sou uma pessoa normal, apenas com desejo de manter um relacionamento sexual e amoroso com outro homem.          Poderia ser estranho para algumas pessoas mal informadas, mas para mim, que tinha a convicção que a homossexualidade não era uma doença e muito menos falta de vergonha, resolvi assumir. De início, apenas para os amigos mais chegados. Alguns levaram um susto muito grande, enquanto outros aceitaram de cara. Antes de contar, iniciava um discurso, que eu achava necessário, mostrando que o mais importante em uma pessoa é o seu caráter, sua dignidade e honestidade. Essas características da personalidade são muito mais importantes que sua orientação sexual.
Continuei levando minha vida e fazendo acontecer na pequena cidade que morava. As pessoas me respeitavam por aquilo que eu fazia e não pelo que eu era. Claro que nunca fui o tipo de gay que faz questão que as outras pessoas percebam que são gays. Eu apenas agia como uma pessoa normal. Mas o que eu estou falando? Os gays são pessoas normais!
Em Cambira viviam dois primos que eu adorava de paixão. Além de muito bonitos, respeitavam-me como sou. Hélio, mais velho do que eu, era um cara todo descolado, malandro mesmo, no bom sentido. Eu tinha uma excitação enorme por ele, incontrolável, mas nunca falei sobre isso para ele. O outro era o João, um rapaz cativante, mas muito mais novo do que eu e o Hélio.
Eu tinha uma ótima relação com os dois. O Hélio acabou sendo contaminado pelo vírus do HIV numa transfusão de sangue. Foi muito triste saber disso. Comecei a visitá-lo com mais freqüência, e acabamos nos tornando ainda mais amigos. Sempre que ia visitá-lo, levava o João comigo. Formávamos o trio perfeito.
A saúde do Hélio foi piorando, e cada vez mais a doença o debilitava. Era difícil ver um cara com toda aquela empolgação de viver, estar ali daquele jeito, enfraquecido pela doença sem sequer poder se levantar da cama.
Quanto ao João, eu o percebia estranho, e tinha quase certeza de que ele estava passando por um problema. Mas ele não se abria comigo e nem com ninguém.
Uma noite ele me ligou dizendo que precisava falar comigo sobre o tal problema. Marcamos de nos encontrar num barzinho em Cambira mesmo. 
Na hora marcada, ele estava lá, todo nervoso e ansioso. Começamos a conversar, e eu sentia que ele estava enrolando muito para falar sobre o problema. De repente, ele percebeu que a jaqueta de couro que vestia e havia deixado sobre o encosto de uma cadeira, havia sumido. Saímos procurando sua jaqueta e depois de um tempo conseguimos encontrá-la: estava com um rapaz que disse que queria sacanear com o João. Ele ficou muito feliz e aliviado, pois a jaqueta era do seu irmão policial, que não era nada amigável. Falando a verdade, era mesmo um arrogante e antipático, achando que tudo tinha que girar em torno dele.
O João acabou não tocando mais no assunto, e eu preferi não tocar também. Fomos embora, pois já estava amanhecendo. Deixei-o em sua casa, dizendo que mais tarde eu iria a sua casa novamente para conversarmos. Fui embora dormir um pouco.
Não fazia muito tempo que eu havia me deitado, tocou o telefone e minha mãe veio ao meu quarto, transtornada, me dizendo que o João havia cometido suicídio. Não acreditei no que estava ouvindo, pois não fazia nem meia hora que eu o tinha deixado em casa.
Levantei correndo e fui me informar sobre tudo aquilo. Contaram-me que assim que chegou em casa, tirou a maldita jaqueta de couro, pegou o revólver do seu irmão e saiu. Ele foi até a frente da casa da sua ex-namorada e deu um tiro na cabeça.
Fiquei angustiado, me culpando o tempo todo, pois se tivesse forçado um pouco a barra, ele teria me contado o que estava lhe perturbando. Teria evitado aquela tragédia. Passei o velório inteiro me culpando, inconsolável.
De repente, minha tia, a mãe do Hélio, chegou ao meu lado, dizendo:
-O Hélio quer te ver, pois não está passando muito bem. 
-Assim que sepultarmos o João vai lá visitá-lo.
-Disse a ela.
Lembro de ter ouvido durante o velório a nossa avó dizendo que o João iria para o inferno, pois quem comete suicídio não tinha outro lugar para ir. Isso foi me deixando cada vez mais nervoso, pois eu não tinha evitado aquilo, e agora ele sofreria muito por ter ido para um lugar tão ruim.
Fui para casa tomar um banho, pois estava quase na hora do sepultamento. Estava tão cansado que acabei tirando um cochilo no sofá. E acabei sonhando. No meu sonho, o João estava deitado do meu lado esquerdo, sorrindo para mim.  E do meu lado direito estava deitado o Hélio, que me disse:
-Não se preocupe. A vovó não sabe o que está falando. O João está aqui comigo neste lugar bem tranqüilo e calmo. Mas ele terá que se arrepender do que fez. Eu garanto a você que o João de forma alguma está num lugar feio e frio como a vovó falou.
Acordei assustado, olhei para o lado e vi que era um sonho. Tomei banho e voltei para o sepultamento do João, mas aquele sonho não saia da minha cabeça. Quando chegamos à entrada do cemitério chegou um rapaz que trabalhava num mercado próximo de minha casa.
-Sua tia, a mãe do Hélio, pediu para que eu viesse te avisar que ele faleceu durante a madrugada.
-Disse ele.
Fiquei parado na entrada do cemitério, apenas olhando as pessoas que caminhavam pela rua principal, rumo ao Cruzeiro, perto de onde estava o jazigo da família.
Fiquei pensando como poderia dar uma notícia tão triste naquele momento. Será que a família agüentaria mais esse baque? Então me lembrei do sonho que tivera de manhãzinha. O Hélio e o João estavam mortos! Meu Deus! Era um aviso que eu recebi e não apenas um sonho.
Acabamos de sepultar o João e fomos para o velório do Hélio, que morava em outra cidade.
Acabei ficando três dias e três noites sem dormir. E pior de tudo, arrasado por ter perdido duas pessoas que eu amava.
Algum tempo depois, descobri que meu pai tinha arranjado uma amante... Odiei essa idéia, primeiro por causa da minha mãe, e segundo por saber quem ela era. A mulher com quem ele se envolveu era a irmã do cara que tinha escondido a jaqueta de couro do João. No dia que tudo aconteceu, ele nos disse que era para sacanear, mas tenho ainda dúvidas se não era mesmo para roubar. Bom, vindo daquela família poderia se esperar qualquer coisa.
















CAPÍTULO 20





         Meu pai sempre teve amante e minha mãe sempre dava um jeito de separá-lo delas.  Mas dessa vez ela resolveu dar um basta, pois não suportava mais a humilhação. A cidade toda sabia das traições de meu pai. Na verdade me sinto totalmente culpado pela separação deles. Minha mãe o amava, e sei que ainda o ama muito, mesmo depois de tantos anos. Ele pediu para que ela fizesse uma escolha: ou ficava com ele ou comigo. Em questão de segundos a resposta dela saiu com firmeza:
-Pois se é assim, eu escolho o meu filho!
Senti-me muito importante, pois ela nem gaguejou para responder. Ele voltou atrás na proposta feita, mas ela resolveu mandá-lo embora de casa.  Ela saiu dali e foi até a casa da amante do meu pai e quebrou tudo.  Fiquei surpreso com aquela atitude, pois minha mãe era uma mulher que não gostava de violência. Percebi que o amor é algo lindo, mas que também faz com que as pessoas se tornem agressivas quando tiradas do seu sério.
Meu pai fez de tudo para acabar com minha mãe e conosco também. Era impressionante como as pessoas tinham medo dele e se afastavam de nós, como se fôssemos leprosos. Meu pai era muito poderoso na cidade, mandava e desmandava em tudo.
Fomos sobrevivendo com muita força e dignidade. Mas eu precisava dar um jeito na minha vida. Não agüentava mais aquele tormento, achando que tudo aquilo que estava acontecendo conosco era por minha culpa. Se eu fosse embora, talvez ele parasse de perturbar a todos.
         Resolvi ir para Maringá, para gerenciar uma loja que vendia somente grifes famosas. No começo, eu trabalhava de dia nessa loja e a noite ajudava um amigo que tinha um bar. Era o primeiro bar gay da região, e no início poucos freqüentavam, ainda com receio de se expor, mesmo sendo uma cidade grande.
         Mas aos poucos, as pessoas foram perdendo o medo e o barzinho começou a lotar. Nesse bar acabei conhecendo o Toninho, um professor de matemática. Ele possuía uma beleza exótica, diferente. Era uma pessoa muito boa, inteligente, divertida, enfim, um excelente companheiro.
         Acabei me apaixonando, mas como sempre, não me entregava inteiramente. Depois de dois meses de namoro, resolvemos morar juntos e nossa relação durou uns três anos. Nossa relação era muito boa, tínhamos plena confiança um no outro. A nossa casa era muito visitada pelos amigos dele. Eu não tinha amigos naquela cidade, e por isso, fazia dos amigos dele os meus.
         Parei com minha vida para viver a dele. Nem desfilava mais. Mesmo gostando muito dele, eu não me sentia feliz. Foi o primeiro relacionamento que terminei sem nenhum problema. Ele percebeu que eu estava infeliz, mas tinha a certeza que eu gostava muito dele. Mas não era o suficiente para ficarmos juntos no sentido amplo da palavra. Depois de algum tempo voltamos a nos encontrar, e até hoje somos amigos.
Acabei decidindo voltar para Cambira por três motivos: aceitei uma proposta do prefeito (que já não era mais meu pai) para assumir a Secretaria Municipal da Cultura, porque também meu pai continuou a perseguir a minha mãe e também porque havia nascido a minha primeira sobrinha. Minha irmã acabou sendo mãe solteira, e minha mãe precisava de mim para ajudar a criar essa criança. Era uma bebezinha linda, cheia de vontade de viver, e acabei de certa forma, fazendo o papel de pai.        
Com o nascimento da minha sobrinha, minha mãe deu um suspiro e retomou sua vida.  Depois da separação, ela de certa forma havia morrido, pois não tinha mais nem vontade de se arrumar. Havia se tornado uma mulher meio chata e impertinente.
Já fazia algum tempo que estava em Cambira e até tive mais uns dois rolinhos, mas nada que me fizesse sentir o calor da paixão. Eram mais um passatempo do que qualquer outra coisa.
Em 1993, meu pai veio a falecer.
Eu estava em Curitiba a trabalho e não queria voltar para o velório. Mas as pessoas não paravam de me ligar, que ele não seria sepultado até que eu chegasse. Resolvi voltar, pois minha mãe me disse que as pessoas já estavam falando mal de mim.
Mesmo depois de morto, ele estava me prejudicando.
Quando fui chegando no velório, as pessoas ficaram num silêncio, todos queriam ver a minha reação. Não queria sentir nada por aquele homem que tanto tinha me feito sofrer. Fui caminhando até o seu corpo, a história de minha vida, foram passando como se fosse um filme, pior que eu não lembrava das coisas ruins que ele tinha me feito, apenas os poucos momentos bons que tinha passado junto com ele.
Ao chegar perto do seu corpo, acredito quem mais chorou pela morte dele fui eu. Não pela morte dele em si, mas porque naquele momento eu havia percebido que jamais conseguiria conquistar seu amor. Eu tinha perdido aquela guerra. Meu pai se foi, sem ao menos ter conseguido olhar em meus olhos e dito que se arrependera da maneira diferenciada que me tratava em comparação aos meus irmãos. Mas acabou, estava terminado! Eu jamais saberia o que era ter um amor de pai.
Depois do sepultamento, nossas vidas tomaram um rumo totalmente diferente. A amante do meu pai se aliou a outras pessoas que eram da convivência dele e que até haviam freqüentado nossa casa quando ainda era casado com minha mãe. Juntos, não sei de que maneira, conseguiram passar todos os bens de meu pai para o nome de sua amante. Mais tarde ficamos sabendo que as pessoas que a ajudaram também levaram algum lucro nessa trapaça. Enfim, ficamos somente com uma casa, que era a que morávamos.
Chegamos a passar necessidade, mas não nos abalamos. Minha mãe foi uma guerreira, conseguindo manter a família unida. Aos poucos, fomos nos recuperando. Demorou ainda uns dois anos, mas conseguimos novamente conquistar a dignidade.
Fico pensando como seria se pelo uma vez meu pai teria me apoiado em alguma coisa. Tivesse ido me ver jogar, desfilar, participar dos concursos ou até mesmo parar a correria que ele vivia para me dar um simples abraço.

CAPÍTULO 20




             Muitas vezes, além de organizar os eventos de concurso de beleza, eu também acabava me inscrevendo para participar de outros, de beleza masculina. Foram vários, mas destaco aqui aqueles nos quais fui vencedor: Melhor Modelo do Paraná em 1985, em Curitiba; Rei da Passarela do Paraná em 1986 - a fase regional foi em Apucarana e a final em Curitiba; Garoto Praiano 1988 em Caiobá,
André sempre me acompanhava nesses eventos e me dava muita força em participar. Maria vivia perguntando se ele não tinha ciúmes de eu sempre estar participando desses eventos, ele sempre respondia que adorava ver as outras pessoas me desejando, mas era ele quem me tinha de corpo e alma.
Realmente André era perfeito, sei que muitos não acreditam em perfeição, mas ele era perfeito. Que saudades me deu agora dele. Pra falar a verdade, senti a sua presença aqui comigo. Ele foi a única pessoa que acreditava em mim, ele sempre dizia que eu tinha algo que prendia a atenção das outras pessoas.
E em 1995, dois anos após a morte de meu pai e doze anos da morte de André, acabei sendo escolhido para ser o primeiro homem a representar o Brasil num concurso de beleza internacional: fui eleito Mister Brasil 1995.
Já havia participado de vários concursos, mas esse foi diferente. Eu achava que não tinha nada a ver comigo, pois apesar de ter sido modelo, eu não era tão bonito assim. Mas uma amiga acabou me inscrevendo para a fase regional, onde participaram candidatos de outros vinte e cinco municípios. Classificar-se-iam apenas três para a fase Estadual.
 Acabei participando para não desapontar minha amiga, mesmo achando que não tinha chance alguma.
Eu olhava para os candidatos e todos tinham uma mania para se concentrar, já eu ficava pensando no André o tempo todo, sabia que ele estaria ali me vendo e torcendo por mim. Essa era a minha concentração, pensar nele.
Fiquei surpreso ao saber que havia ficado entre os três finalistas.
Para a fase Estadual, acabei me preparando melhor. Comprei roupas novas e fui para Curitiba, onde seria a segunda fase. Na fase Regional eu havia ficado em terceiro lugar, mas não existiu o quesito entrevista. Já no Estadual descobrimos que esse quesito era o mais importante. Preparei-me bem e lá fui eu, levando tudo na esportiva.
Por ser muito mais velho do que os demais candidatos, achei que isso me prejudicaria. Mas não, a experiência acabou me ajudando. Acabei vencendo essa fase e os dois que haviam tirado nota mais alta que eu na fase Regional, nem se classificaram entre os cinco finalistas. Isso causou um alvoroço na minha região, pois muitos comentaram que eu só havia vencido, porque além de ter sido modelo também era filho de um político que foi muito importante da região.
Depois de um mês da fase estadual, seria a final em São Paulo. Os coordenadores do Paraná começaram a me preparar melhor para o evento. Passamos uma semana participando de vários eventos onde os jurados estavam sempre presentes. Eles nos questionavam e sem que nós percebêssemos, faziam suas anotações.
Na final, em São Paulo, estávamos sendo expostos e julgados por inúmeras pessoas que assistiam o evento. Eu, como sempre, tinha poucas pessoas torcendo por mim, apenas os quatro organizadores, uma amiga minha e o namorado dela.
Durante todo o período de preparação para o evento acabei fazendo uma amizade muito grande com o candidato da Bahia, acabamos ficando entre os cinco finalistas. Chegou à prova da entrevista, que contava muitos pontos e era somada com as notas atribuídas durante toda a semana que lá passamos.
Quando anunciaram que eu havia vencido o concurso, não conseguia acreditar! Foi uma noite bem especial para mim. Depois de uma semana estaria embarcando para Cingapura.
Novamente entra em minha vida a empresa Titu´s Jeans, que através da Paulinha, me patrocinou com as suas roupas. Viajei praticamente vestindo as roupas desta marca, as roupas fizeram muito sucesso com os outros candidatos. Os outros candidatos não conheciam a grife, mas adoraram os modelos.
Viajei sozinho, sem saber falar língua inglesa direito, o que dificultou um pouco as coisas. Mas como eu já era experiente, acabei me virando muito bem.
Cingapura é um país limpo, com uma infraestrutura e uma cultura fora do comum. Lembrava o Brasil, na versão mais moderna e sofisticada.
Tudo era muito glamoroso. Foi uma experiência única em minha vida. A chegada no aeroporto foi bem interessante. Os organizadores, ambos de estatura pequena, se assustaram quando entrei no saguão e me encaminhei em direção a eles com a placa escrita Brasil. Eles esperavam encontrar um negro ou um índio para representar o Brasil, e quando me viram fizeram uma expressão facial muito engraçada.
Durante todo o trajeto eles questionavam se eu realmente era do Brasil ou estava apenas representando o país. Tive que explicar como era o nosso país, pois na cabeça deles o povo brasileiro (índios) andavam pelados e a raça negra era predominante no país. Eu achava aquilo muito divertido, e não conseguia parar de rir.
Os organizadores do evento me acharam extremamente extrovertido e por causa disso acabei sendo o favorito deles. Mais tarde acabei até dando uma entrevista para os jornais e a TV local.
O evento durou cerca de vinte e cinco dias, acabei fazendo amizade com o candidato da Bolívia: o Jadir. Como ele tinha uma irmã que morava no Brasil há muitos anos, ficou mais fácil a nossa conversação. Eu também falava bem o espanhol. Tornamo-nos grandes amigos e começamos a aprontar muito. Fazíamos piadas e acabávamos tirando sarro das pessoas, pois somente nós dois sabíamos falar a língua portuguesa.
Ele estava hospedado no andar acima do meu. Até tentamos ficar juntos no mesmo quarto, mas os organizadores falavam que tínhamos que aprender novas línguas e novos costumes. Para mim foi bom e até tirei proveito dessa situação.
Numa manhã, bateram na porta do meu quarto e como eu estava saindo do banho, atendi a porta enrolado em uma toalha. Abri, recebi um bilhete que estava escrito em inglês e entrei. Só depois de alguns segundos me dei conta de que não sabia o que estava escrito. Então corri para a porta e sai correndo até o corredor para falar com o funcionário do hotel. O problema foi que me esqueci de pegar o cartão do quarto e a porta bateu com a corrente de ar. Que situação! Fiquei no corredor somente envolto com a toalha. Fiquei assustado. Como iria fazer para entrar no quarto? Eu não sabia falar inglês, e como iria explicar que fiquei para fora do quarto?
Meu companheiro de quarto já havia descido para tomar café e eu não poderia descer na recepção do jeito que estava. Comecei a gritar. Sabia que “help” era ajuda em inglês. Minha sorte foi que o Jadir ouviu e veio ao meu encontro. Ele se matava de rir e ficou ali parado. Eu já estava nervoso e envergonhado por estar praticamente nu no corredor. E se um dos organizadores do concurso me visse daquela maneira? Eu seria desclassificado!
-Calma! Eu vou descer até a recepção e trago alguém para abrir a porta.
-Disse o Jadir.
 Eu fiquei escondido atrás de um grande vaso de folhagem enquanto isso. Que vergonha. Mas enfim, ele retornou com o cartão reserva e acabamos entrando no quarto. Ele esperou eu me arrumar e descemos juntos para o café da manhã.
Chegando ao ensaio, descobri que quem coordenaria a coreografia e as marcações seria eu e o Jadir ficaria traduzindo o que o coreográfico queria que eu fizesse. Para nós dois era tudo muito engraçado, mas no fundo era preocupante ter que conduzir todos os candidatos sem saber nos comunicar com todos.
         Os candidatos subiam para seus quartos para descansar e eu ficava ensinando os coreógrafos a sambar. Para os organizadores, eu me classificava sem dúvida alguma. Eles me achavam muito carismático e adoravam me ouvir falar, mesmo não entendendo nenhuma palavra, Jadir sempre junto para traduzir tudo.
          Muito cansativo, pois acabava fazendo tudo o que eles me pediam, enquanto os outros candidatos subiam para seus quartos para descansarem, eu sempre ficava pelo menos mais uma hora com eles, claro que fazia Jadir ficar comigo também. Acabaram ficando meus fãs.
         Na noite final todos os candidatos apresentavam seus trajes típicos, o traje de gala e também o desfile em traje de banho, onde é escolhido o número um. Lembrava muito o concurso de Miss Universo. O cenário era algo de outro mundo, uma mistura de futurismo com cenários de indústria metalúrgica. O traje de apresentação de todos os candidatos era uma calça jeans com uma camiseta branca e um capacete, destes que os operários usam para proteger a cabeça. E durante a apresentação, todos os candidatos rasgavam as camisetas. Segurando com as duas mãos na gola da camiseta e puxando de uma só vez, tirando de nossos corpos a camisetas e jogando a platéia, que por sinal foram ao delírio.
Meu traje típico extraviou, até hoje não sei aonde foi parar. Era um traje do carnaval, cedido pela Escola de Samba Salgueiro, onde eu já havia desfilado e que no ano seguinte voltaria a desfilar. Minha intérprete do concurso ficou apavorada. Como eu ia desfilar na prova em que julgariam o traje típico se eu não o tinha? Foi uma correria danada.
Eu estava tranqüilo, e pedi que me levassem em qualquer loja para improvisar o traje. Encontrei uma roupa que mais parecia uma fantasia de pirata gay e não uma fantasia que representava o carnaval. Realmente não tinha nada a ver com o carnaval do Brasil, mas fui assim mesmo, foi à única coisa que se aproximava mais perto de um traje típico, que vergonha eu passei, todos com as fantasias lindíssimas e eu com aquilo. Com os outros trajes não tive nenhum problema, a não ser um pequeno detalhe como traje de banho.
Todos os candidatos entraram numa sunga vermelha estilo asa delta, o que era algo estranho e constrangedor. Diversas vezes eu abaixava a lateral do traje de banho e os organizadores puxavam para cima novamente. Num determinado momento cansei e me rendi, pois era uma coisa muito insignificante para ficar me irritando. Entrávamos em um auditório e éramos julgados por personalidades importantes lá de Cingapura, um corpo de jurados formado somente por mulheres. Elas faziam três perguntas para cada candidato e quando chegou minha vez, a primeira pergunta era sobre o que eu fazia no Brasil.
Nessa época eu era voluntário para trabalhar com crianças de rua. A prova das perguntas era a mais importante do concurso, a que eles chamavam de Prova de Personalidade.  Eu disse então que, além de ser professor, fazia um trabalho voluntário com crianças de rua.
         Parecia que eu estava falando algo fora da realidade, o que não deixava de ser verdade para aquelas mulheres que estavam nos julgando. Elas eram jovens, e nunca haviam ouvido falar sobre crianças que ficavam abandonadas nas ruas. Acabaram fazendo tantas perguntas sobre o assunto que esqueceram a quantidade de perguntas que deveriam me fazer. Até onde lembro, foram umas dezesseis perguntas.
Em Cingapura não existem crianças na rua, e fui saber disso somente depois que saí do auditório. Saí-me muito bem nesta etapa, e como já havia participado de outros concursos, fiquei tranqüilo.
É um país muito organizado e com uma lei severa. Talvez por isso pudéssemos andar por aquelas ruas como se andássemos pelo quintal de nossa casa, sem preocupação de ser assaltado ou coisa parecida. As pessoas são bem hospitaleiras e prestativas.
Cada candidato teria que levar alguma coisa de seu país para trocar com os outros candidatos. Acabei levando as lembrancinhas que ganhei do Governo da Bahia, representando todo o povo brasileiro. Eu fui o único que além de levar para os candidatos levei também para toda a equipe organizadora. Eles sentiram-se muito importantes. Eram objetos simples feitos por artesões baianos com pequenas conchas, um trabalho bem criativo. Elas fizeram o maior sucesso entre as pessoas.
Aquela foi uma experiência que jamais vou esquecer. Muitas vezes me perguntava o que eu estava fazendo naquele lugar, pois os candidatos estavam bem preparados. Além do que eu e mais um candidato estávamos com a idade limite, que era de trinta e dois anos. Os demais tinham em média vinte anos. Mas o fator idade nos deixava em vantagem devido à experiência, que acabou nos ajudando, tanto que dentro os cinco finalistas estavam nós dois.
Eu acabei me prejudicando por não falar e nem entender direito o inglês. Também achei que era opcional ter pelos no corpo e não me depilei. Mas era o contrário, e só fui descobrir isso depois do resultado. Mesmo assim, consegui derrotar muitos candidatos que eram lindíssimos.
Eu sou um homem de poucas qualidades, mas me aproveito ao máximo delas para suprir a falta de beleza, pois acredito que sou uma pessoa muito comum. Até fiquei surpreso ao ser escolhido como representante do Brasil naquela época. Mas já que haviam me escolhido, fiz o máximo para representar bem meu país.
Para mim foi uma experiência gratificante, pois estar num país de primeiro mundo é algo que não tem como se esquecer. Apreciar uma cultura diferente, os pratos típicos e os costumes de um povo tão diferente do nosso, faz com que cresçamos muito como pessoas. Voltei trazendo na bagagem muito conhecimento e acreditando que é possível sim acabar com a pobreza de espírito das pessoas. Mudei muito os meus conceitos.
Foram dias maravilhosos que passei em Cingapura. Até tive um pequeno envolvimento com o candidato do Chipre. Ele se chamava Menellaus. E era um deus grego de verdade! Tinha uns vinte e cinco anos, era loiro e seus cabelos eram cacheados que iam até os ombros e pele bronzeada. Seu sorriso era lindo e seus olhos claros e extremamente cativantes. Percebi que ele tinha me dado mole, pois estávamos no mesmo quarto.
          Na terceira noite que estávamos lá no hotel, eu perdi o sono e acabei olhando aquele homem ao meu lado, lindo e dormia como um anjo. Lembrou-me o André. Realmente parecia o André dormindo e sem perceber eu estava ajoelhado ao lado da cama de Menellaus bem perto de seu rosto, fiquei por um bom tempo ali parado olhando-o sem fazer nada. De repente Menellaus acorda e fala alguma coisa que não entendi, fiquei confuso e disse Yes, achei que ele tinha perguntado se tinha perdido o sono, mas não era isso não, pois ele foi se levantando calmamente e passou a mão pelos meus cabelos e foi encostando seus lábios aos meus. Num impulso retribui o beijo e ai começamos um pequeno caso amoroso.
          Mesmo um não entendendo o que o outro falava, conseguíamos nos entender muito bem no sexo. 
Fazíamos sexo quase todas as noites. Ele era totalmente carinhoso e me ajudava em quase tudo que eu precisava. O nosso quarto tornou-se um ninho de amor durante aquele mês. Mas eu sempre procurava mentalizar que seria apenas um lance passageiro, mas deixava as minhas fantasias tomarem conta de mim e viajar em meus pensamentos de dez anos atrás. Para mim estava novamente com o André.
Depois de algum tempo percebi que estava usando-o para matar as saudades de André. E continuei, pois sabia que estávamos ali e em poucos dias tudo aquilo iria acabar. Mas depois do concurso, acabei indo para a casa dele no Chipre. Fiquei lá por alguns dias. Ele queria me mostrar à ilha onde morava que era bem diferente dos lugares que eu já havia conhecido. Foi uma viagem gostosa e divertida.      Se eu não tivesse me preparado para ser apenas uma aventura amorosa, teria facilmente me apaixonado pelo Menellaus. Mas enfim, tudo acabou assim como começou, num passe de mágica.
Conversamos ainda algumas vezes pelo telefone, mas depois fomos nos distanciando até que perdemos contato.
Visitei alguns países antes de voltar ao Brasil.
A viagem de volta parecia não ter fim. Além do mais eu odeio altura e ficar viajando de avião de um lado para o outro me deixava mais cansado ainda. Não via a hora de rever meus familiares e os amigos para contar as novidades. Ainda mais que aquela havia sido a minha primeira viagem internacional.
Ficou somente a saudade de um período muito interessante e gostoso que passei lá em Cingapura. Saudades das amizades que eu fiz. Nunca mais tive contato com nenhum dos participantes.


















CAPÍTULO 21







         Chegando a Cambira, senti que não queria mais ficar lá. Mas não sabia o que fazer e nem para onde ir.
Não me envolvia seriamente com ninguém, desde que havia voltado de Londrina. Acabava sempre lembrando do passado, da minha vida com o André. Levei muito tempo para aceitar que eu merecia viver e ser feliz, já que o destino não me deixou morrer junto daquele que eu mais amei.
Algum tempo depois, acabei sentindo uma enorme atração por outro rapaz da cidade. Ele se chamava Arthur, e era irmão de uma amiga minha. Era um moreno alto, corpo perfeito, atleta e bem mais jovem do que eu.
Um amigo em comum, sempre comentava que o Carlos vivia perguntando por mim. Claro que esse amigo desconfiava do relacionamento que tivemos, mas era muito discreto e nunca perguntou nada. Ele continuava a jogar pela equipe de futebol da cidade e eu voltei para a equipe de voleibol, e foi lá que conheci o Arthur. No início, ficava com o Arthur para fazer ciúmes para o Carlos, pois tinha certeza que ele ainda me amava depois de tantos anos. Era a chance de mostrar a ele que realmente não poderia haver mais nada entre nós. 
Meu relacionamento com o Arthur começou porque ele via em mim uma pessoa diferente. Uma vez ele me falou que eu tinha bom gosto para me vestir. Começou a dar muita bandeira: cortava o cabelo igual ao meu, começou a fazer as unhas, tirar o excesso das sobrancelhas e comprava roupas parecidas com as minhas.   
          Fiquei contente em saber que alguém apreciava minha maneira de ser e que também estava se sentindo bem. Com isso, o Arthur me conquistou e comecei a me interessar.
A repercussão de eu ter sido vencedor no concurso de Mister Brasil foi muito positiva. Eu comecei a ser convidado para integrar o corpo de jurados de concursos de beleza por todo o Vale do Ivaí e outras cidades paranaenses. O Arthur sempre ia comigo, e assim passávamos mais tempo juntos. Às vezes os desfiles eram em cidades distantes de Cambira e não dava para retornar no mesmo dia. Então, dormíamos num hotel e aproveitávamos para ficarmos namorando.
Passamos por muitas dificuldades para esconder o nosso relacionamento, mas sempre dávamos um jeito para nos encontrar. Cada um conhecia a rotina da família do outro, e assim, quando todos saíam nos encontrávamos. Revezávamos o local do encontro: uma vez na casa dele e outra na minha. Era o nosso momento, onde nos entregávamos um ao outro sem pudor algum, vivendo a magia da paixão. O medo de sermos descobertos misturava-se ao prazer. Era algo mágico, fantástico, regado a pura adrenalina.
Uma vez, o pessoal do voleibol, resolveu passar um final de semana numa fazenda. Não era permitido levar ninguém: nada de namorada ou esposas, somente o pessoal do time. Foi bem legal e eu e o Arthur sempre encontrávamos um jeito para ficarmos sozinhos.  Resolvemos cavalgar sozinhos, apenas eu e ele. Montamos nos cavalos e fomos dar uma volta pelo pasto, até chegarmos ao topo de um morro, de onde víamos toda a fazenda. Descemos dos cavalos e nos beijamos. Sentamos debaixo de uma mangueira bem frondosa e ficamos olhando o horizonte. O Arthur acabou deitando-se no chão e colocou sua cabeça em meu colo.
-Como é bom estar aqui com você! Eu queria morar bem longe daqui com você, onde nós poderíamos levar uma vida juntos. - disse ele olhando para o horizonte.
Lembrei-me do André, pois visitamos um lugar bem parecido quando fomos juntos visitar a fazenda dos pais dele, em Minas. Uma tristeza enorme me invadiu juntamente com um sentimento de traição. Parecia que eu estava traindo o André por estar ali com o Arthur e ao mesmo tempo traía o Arthur por lembrar do André.
Imediatamente pedi ao Arthur para voltarmos à casa principal da fazenda e nos reunirmos ao grupo. Ele, sem entender nada, acatou minha sugestão.
Quando voltamos para a cidade, nosso relacionamento não durou muito tempo. O Arthur não suportou minha maneira de ser. Eu me mantinha distante dele, fazia de tudo para não encontrá-lo e muitas vezes não atendia os telefonemas dele.
Comecei a me afastar dele, mesmo tendo uma atração forte por ele, não queria mais aquele relacionamento, não estava me fazendo bem e também não poderia ficar enganando uma pessoa tão boa e amável. Precisava contar-lhe a verdade, que não queria ficar com ele porque ainda amava o André, mesmo depois de tanto tempo do falecimento de André. Não era justo com ninguém e ele poderia encontrar uma pessoa generosa que o amasse como merecia.
Ele não conseguia entender como uma pessoa como eu, vivida e ainda ficava preso num passado, ou melhor, em uma pessoa que já havia falecido há tanto tempo. Fiquei irritado com o seu comentário e disse que não tinha o direito de julgar ninguém. Quando ele chegasse a amar alguém de verdade, veria que é sentimento muito forte e que não conseguimos apagar assim com facilidade de nossas vidas. Ele olha nos meus olhos e diz que acredita que estava vivendo esse sentimento, mas que não poderia amar quem ama um passado. Percebi que seus olhos ficaram cheios de lágrimas. Enxugou as lágrimas e foi saindo e desde desse dia, nunca mais voltamos a nos falar. Encontrávamos-nos muito raramente pelas ruas, mas ele não me olhava e muito menos falava comigo, tentei várias vezes falar com ele, mas ele se recusava a falar comigo. Isso me fazia mal, me sentia culpado em ter deixado uma pessoa tão boa sofrer tanto assim, era notório o sofrimento dele, parou de jogar, quase não sai de casa, ficava sempre sozinho.
Tentei de todas as maneiras voltar com ele, o jogo tinha virado, era eu quem estava atrás dele. Uma dessas investidas consegui falar com ele, mas Arthur não quis saber de falar em voltar, ele realmente estava muito machucado. O que eu tinha feito com aquele garoto, tinha magoado tanto ele que havia mudado seu jeito de ser e de pensar, ele não acreditava mais nas pessoas e muito menos no sentimento chamado amor.
Acredito que ele ainda esteja tão lindo como antes. Ele era um pouco infantil, mas lindo...
Algum tempo depois, fiquei sabendo que ele havia se casado. Não sei se era verdade, mas também não procurei saber.
Continuei a levar minha vida, parei também de jogar e evitei o contato com os amigos que tinha em comum com o Arthur. Desse jeito, era mais cômodo para mim. Continuei a participar dos eventos relacionados a concursos de beleza. No começo, os organizadores queriam que o Arthur também fosse comigo, mas eu sempre dizia que ele havia se casado e que não queria mais ser modelo. Além disso, havia perdido o contato, pois ele tinha se mudado para outra cidade, bem longe da minha.
Uma agência de modelo me contratou para dar cursos de modelo, e passei a viajar muito. Quase não parava mais em Cambira. Muitas cidades eram bem longe, algumas até em outros estados e houve eventos até na Argentina e Paraguai.
Estava me tornando uma pessoa ainda mais conhecida e de prestígio. De certa forma, isso acabou me afastando das outras pessoas. Eu não queria nenhum envolvimento, mas como não conseguimos dominar os sentimentos, tempos depois acabei me envolvendo novamente.



















CAPÍTULO 22





         Fui convidado para participar de alguns eventos em Curitiba como modelo. Depois que acabaram os meus compromissos resolvi ficar mais alguns dias na Capital para aproveitar e me divertir um pouco. Hospedei-me na casa de um amigo, o Júlio.
Fomos ao centro ver a gravação de uma minissérie, que seria veiculada em uma emissora famosa. Percebendo a movimentação de pessoas nas proximidades da gravação, meu amigo, que era muito atirado, me agarrou pelo braço e me puxou em direção a aglomeração. Todos estavam querendo pegar autógrafo e tirar fotos com um dos atores, que era um gato.
Muitos gays procuravam chamar sua atenção, já que tinha vazado na mídia alguns comentários de que ele seria homossexual. Além dos gays, também estavam ali muitas mulheres, todos querendo ficar com ele.
O Júlio foi se enfiando no meio daquele tumulto, até que conseguiu um lugar onde podia vê-lo direito. É claro que me arrastou junto com ele, pois não me deixava de jeito algum para trás.
-Ai, você bem que faz o tipo dele. Se ele te ver, com certeza vai querer conversar com você.
-Disse o Júlio para mim.
Dei uma risada tão alta que chamou a atenção de todos ali, inclusive do ator. Fiquei sem graça.
-Cruzes! Você está tão vermelho que parece até que todo o sangue do teu corpo veio parar no rosto e vai sair pelos poros.
-Disse ele rindo de mim.
As gravações daquele dia acabaram e meu amigo pediu para que eu ficasse esperando ele ali mesmo que já voltava. Demorou em voltar, mas veio todo sorridente c abanando um pedaço de papel nas mãos.
-Adivinha o que consegui? O telefone do ator!
-Disse ele com um sorriso que não cabia no rosto.
-Não vou compactuar com esta sacanagem. Eu detesto traição.
-Disse eu irritado.
Falei isto porque ele namorava há muitos anos.          Agora foi a vez de ele soltar uma bela gargalhada e dizer:
-Seu bobão! Não vê que foi pra você que ele deu o telefone? Aliás, não só o telefone como também o número do quarto no hotel.
-Como assim? Ele nem me conhece, nem me viu... O que você fez? O que você falou pra ele conseguir isso? - disse eu ao Júlio sem dar um fôlego sequer, de tão nervoso que fiquei.
-Conheço um cara que trabalha no hotel onde ele está hospedado, que me deixou subir para falar com ele. Foi difícil, mas consegui!
-Respondeu-me vibrando de alegria.
-Mas e o que você falou para o Francisco?
-Perguntei já agitado pela curiosidade.
Vou chamá-lo de Francisco, pois não posso usar o seu nome verdadeiro.
-Falei a ele que eu tinha um amigo bastante interessante, que é modelo e Mister Brasil. Ele até tentou disfarçar, mas percebi o interesse dele por você, ainda mais quando comentei que você era o cara que tinha dado a enorme gargalhada lá na gravação.
-Disse-me o Júlio.
Sem saber o que falar, permaneci apenas olhando o papel, onde estava anotado o telefone do hotel e o número do quarto. Por alguns minutos fiquei sem entender nada, mas ao mesmo tempo, gostando da idéia. Aquele homem realmente era muito atraente, com uma voz grave e ao mesmo tempo sedutora.
Fomos pra casa, aliás, para a casa do Júlio. Quando chegamos, o Júlio não parava de dizer que eu deveria ligar para ele, mas eu relutava, com receio de ligar. Poderia ter dado o telefonema só para me livrar do Júlio. Mas se eu não tentasse, estaria jogando fora a chance de ficar com um alguém que além de famoso era também muito bonito. A maioria dos gays de Curitiba cortaria os pulsos para ficar com ele.
         Resolvi ligar, e quando ouvi o “alô” do outro lado da linha, minhas pernas ficaram bambas. Não sabia o que dizer. Eu também disse alô, e ele me perguntou:
         -Com quem você quer falar?
-Me perguntou.
         -Com o Francisco.
-Eu disse.
         -Sou eu mesmo.
-Falou a voz do outro lado da linha.
         -Você disse para o meu amigo que eu podia te ligar, então estou ligando.
-Foi à única coisa consegui dizer naquele momento.
         Quanta bobeira! Na verdade não sabia o que dizer, de tão nervoso e ansioso que eu estava. Não é todo dia que falamos com um artista famoso, não é mesmo?
         E então, com muita gentileza me fez um convite:
         -Você não quer acompanhar-me no jantar? Só que estou muito cansado, jantaríamos no meu quarto mesmo.
         -Mas não vou atrapalhar?
-Perguntei.
         -Claro que não! Será um prazer ter a sua companhia.
-Ele me respondeu.
         -A que horas?
-Perguntei.
         -Pode ser às 21h. O que acha?
-Disse ele.
         -Combinado. Estarei aí. Até logo.
-Disse me despedindo, mas com uma alegria incontida, por saber que em breve estaria jantando ao lado dele.
         Fiquei maluco! Já passava das 19h30minh, e eu não tinha a mínima idéia do que vestir ou como deveria me comportar. Tudo estava confuso na minha cabeça. Parecia até que eu tinha me esquecido tudo sobre etiqueta e boas maneiras. Troquei de roupa umas três vezes, indeciso sobre qual delas deveria colocar. Percebendo meu nervosismo, o Júlio começou a me provocar:
         -Acho que você tem é que se preocupar com a cueca. O resto ele nem vai perceber.
         Fiquei ainda mais nervoso com essa brincadeira. Em vez de o Júlio me ajudar, ficava o tempo todo rindo do meu jeito e fazendo brincadeiras eróticas a respeito do encontro.
Acabei vestindo uma camiseta verde do Júlio, que ele nem tinha usado ainda, e um jeans surrado. Era a primeira vez que eu usava uma camiseta desta cor, pois sempre achei que não combinava comigo. Mas como o Júlio insistiu, não quis magoá-lo, pois ele estava se sentindo “o cupido”. Para compor o visual, usei um perfume importado do meu amigo, muito gostoso e que adoro até hoje.
Chamei um táxi, pois o hotel ficava um pouco longe do apartamento. Durante todo o percurso até chegar ao hotel, fiquei imaginando o que iria dizer e como me comportaria. E se ele me achasse muito feio? Ou quem sabe, muito caipira? Chato? Sei lá. Na verdade eu era um caipira vindo de uma pequena cidade do interior.
Quando me dei conta, o táxi já estava em frente ao hotel. Cheguei a pensar em recuar, ir embora dali. Mas resolvi enfrentar. Se não fosse pra ser, não seria.
Já na recepção, fiquei constrangido de falar o nome dele. Disse apenas que era convidado do hóspede que estava no apartamento 964.
-O Senhor pode pegar o elevador que fica logo à direita. Ele já está a sua espera. - disse o recepcionista.  Peguei o elevador sozinho, aproveitando o espelho do elevador para conferir se não estava nada fora do lugar.
-Se esse cara me der um bolo, eu mato o Júlio quando chegar a casa.
-Pensei comigo.
A porta do elevador abriu e na minha frente surgiu um enorme corredor. Havia um tapete persa estampado e um aparador com um enorme arranjo de flores naturais. As paredes eram decoradas com grandes quadros. Estava me sentindo num sonho.
Caminhei em direção a porta do apartamento, e de tão nervoso que estava, acabei batendo na porta do apartamento 946 ao invés dos 964. Quando abriram a porta, percebi meu erro pedi desculpas. Então saí em direção ao apartamento correto.
A porta se abriu e surgiu o Francisco, vestindo somente um roupão. Safado! Não sabia que atitude tomar, mas enfim...
-Sente-se.
-Disse ele apontando para uma poltrona.
Começamos a bater um gostoso e agradável papo, com o Francisco relatando sua trajetória até se tornar um galã. De início, eu estava muito interessado, mas acabei apenas observando seus lábios se moverem, hipnotizados por aquela boca deliciosa. Não conseguia mais prestar atenção no que ele falava, e naquele momento, senti que me apaixonaria outra vez.
Convidou-me para sentarmos à mesa e eu aceitei. Tudo estava perfeito! Era uma mesa redonda coberta com uma toalha de linho branca, toda bordada. Sobre ela, duas taças de cristal, um pequeno arranjo de flores do campo e um castiçal. Achei um charme jantarmos a luz de velas! Estava tudo muito romântico para um primeiro encontro. Não questionei nada, pois estava adorando tudo aquilo. Fiz de conta que ele era o meu namorado.
Bebemos duas garrafas de vinho e conseqüentemente, ambos ficamos um pouco fora da realidade.
-O papo está muito agradável, mas preciso ir embora, senão vai ficar muito tarde. 
-Disse a ele.
Curitiba já estava ficando perigosa para se andar a noite, ainda mais um pouco embriagado. Mas, na verdade, eu estava mesmo com vontade de pedir a ele para ficar ali, e dormirmos agarradinhos. Mas precisava me conter. Era nosso primeiro encontro, e não queria parecer vulgar... teria que me valorizar. 
-Você pode voltar amanhã à noite?
-Ele me pediu – Me sinto muito sozinho aqui.
-Sim, é claro! Adoro fazer novos amigos.
-Respondi.
Fui embora e retornei na noite seguinte, na hora marcada. Uma coisa de que me orgulho é a pontualidade em meus compromissos.
Desta vez ele abriu a porta bem despojado, à vontade: de chinelos, vestido com um minúsculo shorts azul claro e uma regata branca. O tom do short contrastava com o tom da pele de suas pernas, enquanto a camiseta marcava os músculos de seu peito. Achei que ele estava muito mais sexy vestido assim, do que na noite anterior com um roupão. Os cabelos, aliás, como na noite anterior, estavam molhados.
Não perdi a oportunidade e disparei:
-Por que você não me esperou para tomarmos um banho juntos?
-O banho fica para depois que nos conhecermos melhor.
-O retrucou logo em seguida.
-Quer beber alguma coisa?
-Me perguntou.
-Não, prefiro ficar bem sóbrio esta noite.
-Respondi maliciosamente.
-Quer comer alguma coisa?
-Ele perguntou.
 Até hoje não sei por que, mas resolvi pedir sorvete de morango e um pacote de batatas fritas. Ele ligou para a recepção fazendo o pedido. Ele olhou-me achando estranho aquele pedido, mas quando chegou e começamos a comer, acabou adorando a combinação.
-Me dá um beijo?
-Pediu ele de repente.
-Beijo não se pede, se rouba.
-Disse com um sorriso maroto.
-Huuum...
-Foi o som que ouvi de sua boca, e já aproximou seus lábios dos meus iniciando um delicioso beijo.
Ficamos nos beijando por muito tempo, e quando percebemos já estávamos os dois nus, deitados no chão da sala de estar do apartamento. Tudo aconteceu com muita calma e romantismo. Amamos-nos por horas e depois fomos tomar banho juntos.
-Hoje você irá dormir aqui comigo.
-Disse o Francisco depois que saímos do banho.
-Você me convenceu.
-Disse rindo.
Dormimos abraçadinhos. Que sensação maravilhosa, poder sentir o corpo de outra pessoa encostado ao meu novamente. Dormi sentindo o cheiro de seu cabelo, com meus braços sobre os dele e meu peito encostado em suas costas.  Tornamo-nos uma só pessoa neste momento. Que delícia! Ele acabou dormindo antes, e eu fiquei ali, observando como ele era lindo dormindo. Não queria dormir, com medo que aquilo tudo fosse apenas um sonho lindo e que acabaria quando eu acordasse. Demorou, mas acabei dormindo também.
Acordamos e novamente tomamos banhos juntos. Namoramos mais um pouco e descemos para tomar café no refeitório do hotel. Pediu-me para acompanhá-lo nas gravações e passamos o dia todo juntos. Foi tudo muito lindo, mas cansativo. Estava exausto, só de ver toda aquela agitação. No final da tarde, voltamos para o hotel.
-Preciso ir até o apartamento do meu amigo.
-Eu disse assim que chegamos.
-Por quê?
-Perguntou intrigado.
-É óbvio que tenho que ir. Preciso trocar de roupa e dizer a ele que está tudo bem comigo. Ele deve estar preocupado.
-Já liguei para o Júlio. E quanto ao problema da roupa, vamos descer e comprar algumas roupas aqui embaixo mesmo. Vi uma loja aqui bem perto do hotel. 
-Disse ele.
         -Mas não posso me dar a esse luxo, pois viajei com pouco dinheiro.
-Argumentei.
         -Não se preocupe com isso. Será um presente meu para você.
-Me disse querendo encerrar o assunto.
         Fiquei na dúvida em aceitar, mas acabei concordando. Não havia pedido nada e se ele queria minha presença ao seu lado, é porque eu tinha mexido com ele. Então, por que não aceitar o presente?
         Continuei com o faz-de-conta de que ele era meu namorado. Pelo menos estava sendo naqueles dias em que estávamos juntos em Curitiba. Nunca perguntei se havia alguém no Rio de Janeiro esperando por ele. Fingia que ele era só meu. Afinal seria um relacionamento breve, sem futuro algum. Queria aproveitar cada segundo dessa aventura.
         Fomos assistir a um espetáculo no Teatro. Sempre que isso acontecia, eu me afastava, pois sabia que ele tinha que aparentar ser heterossexual perante o público. E eu não me importava nenhum pouco com aquilo.
Durante quase uma semana ficamos juntos. Eu ia com ele a todos os lugares durante o dia e algumas noites também. Mas havia noites que eu voltava para o apartamento do Júlio.
Chegou o dia em que teríamos que nos despedir um do outro. Quando ele começou a arrumar suas roupas na mala, senti um vazio enorme, uma angústia profunda. Parecia que eu estava ficando sem chão, mas me contive e fiquei calado, sem demonstrar nada. Eu não tinha o direito de cobrar nada.
Quando ele acabou de arrumar suas coisas, veio ao meu encontro e me deu um beijo deliciosamente demorado. Senti que ele também não queria estar se despedindo.
-Quero ir embora com o cheiro do seu corpo impregnado ao meu. 
-Disse ele e voltou a me beijar.
Fizemos amor novamente. Foi rápido, pois ele teria que ir para o aeroporto. Ao mesmo tempo em que foi ótimo, foi muito triste porque tinha sabor de despedida. Não quis acompanhá-lo até ao aeroporto, pois detesto despedidas. Também porque apesar do pouco tempo em que estivemos juntos, havia me apegado muito a ele. Um sentimento muito forte havia brotado em meu peito.
Fiquei em Curitiba mais do que havia previsto. Nesses últimos dias quase não tinha visto o Júlio. O pior foi ter que contar todos os detalhes quando nos vimos de novo. Passamos o dia todo falando sobre isso, e quando nos demos conta, já era madrugada. O dia já estava quase amanhecendo. Fomos dormir e na noite seguinte embarquei para Cambira.
Passados alguns dias, recebi um telefonema, onde uma senhora com a voz forte, dizia que eu deveria ir até um hotel em Londrina. Precisava buscar uma encomenda que foi entregue lá por engano, mas tinha que ser ainda naquela noite, pois pela manhã iriam devolver ao destinatário. Achei estranho e iniciei um interrogatório total.
-Quem enviou esta encomenda? Como conseguiram meu telefone?
-Só sei lhe dizer que foi enviado por uma pessoa do Rio de Janeiro, e que por engano, acabou sendo entregue aqui no hotel.  Como no endereço constava seu telefone, resolvemos ligar.
-Respondeu-me a senhora educadamente.
Como não estava fazendo nada, fui até Londrina para buscar a tal encomenda. No caminho, fiquei imaginando o que poderia ser, mas não pensava em nada caro. Tinha certeza de quem era o destinatário. Não importava o que era o pacote, estava mesmo feliz porque o Francisco tinha se lembrado de mim. Se ele lembrou, depois de terem passado todos estes dias, é porque eu também tinha sido importante para ele.
O transito não fluía, e minha ansiedade aumentava. Que demora! Comecei a perder a paciência no trânsito e gritava para as pessoas andarem mais rápido.
Peguei a rua errada e me perdi dentro de Londrina, demorando ainda mais para chegar ao hotel. Mas finalmente cheguei ao destino. Fui até a recepção para pegar a encomenda, e o recepcionista me disse.
-Não se encontra mais aqui, Senhor.  Como o destinatário é uma pessoa famosa, ficamos com medo de alguém pegar. Levamos sua encomenda até o apartamento do gerente, e o Senhor terá que ir buscá-lo lá.
Tomei o elevador e fui até o apartamento do gerente. Bati na porta e ela se abriu, mas para minha surpresa, não existia nenhuma encomenda, nem tampouco era o gerente que estava lá! Era o Francisco, vestido somente com uma pequena cueca branca e com um laço vermelho no pescoço. Ele era a encomenda, o presente.
Nossa! Adorei o presente, e aproveitei cada pedacinho dele. Puxei-o, trazendo seu corpo para mim e aos poucos fui tirando o laço do seu pescoço. Não acreditava que ele tinha feito essa viagem somente para me ver. Descia minha mão por suas costas chegando até sua cueca. Senti algo estranho dentro da cueca... Ele foi se virando aos poucos até que eu percebesse que dentro da cueca tinha uma pequena caixa preta.
- O que é isto? - perguntei olhando para a caixinha.
-Abra e veja o que tem dentro.
         -Disse ele.
Abri e encontrei um par de alianças.
-Para oficializar o nosso namoro.
-Disse o Francisco com um lindo sorriso em seu rosto.
Aquela era a segunda vez que alguém me sugeria usar alianças. No começo achei estranho. Mas coloquei e me senti amado novamente. Parei de sonhar que ele era meu namorado, pois o sonho havia se tornado realidade.   Fizemos amor durante a tarde toda e depois saímos para jantar. Fazia questão de que as pessoas percebessem que eu era comprometido com aquela delicia.  Jantamos num barzinho, e é claro que as pessoas passavam pela nossa mesa chamando sua atenção. Mas em momento algum ele me deixou de lado, pelo contrário, me fazia sentir muito importante.
Saímos pela cidade, e fui mostrando a ele, como se fosse seu guia turístico particular.
Que ironia do destino! Lá estava eu me apaixonando por outro homem, na mesma cidade que havia perdido meu grande amor. O que fazer? Fiquei confuso, e sem querer fazia uma relação entre o meu passado ali e o presente que me prometia muitas alegrias. Rezei e pedi forças a Deus, suplicando para que ele deixasse em minha mente e no coração somente as lembranças boas que vivi naquela cidade, com uma pessoa que jamais sairia do meu coração. Era difícil esquecer-se de André, ainda mais na cidade onde moramos por tantos anos e fomos tão felizes.
Resolvi me entregar de corpo e alma nesse relacionamento. E foi o que fiz. Passei a noite no hotel, com ele e no outro dia, passeamos pela cidade novamente. Mas eu sempre evitava ir a lugares onde havia estado com o André. Estava entre um amor que não conseguia arrancar do meu peito e uma nova paixão.
O dia foi muito bom e acabamos nos divertindo muito. Pena que ele tinha que sempre estar disfarçado, para não ser reconhecido pelos fãs. Mas aquilo acabava sendo engraçado.
Estávamos parados perto de um lago que fica próximo ao centro da cidade, quando ele me fez uma proposta:
-Venha morar comigo no Rio de Janeiro.
 Fiquei sem saber o que dizer, pois achava que era somente eu quem estava apaixonado. Percebi que o destino tinha colocado em minha vida um sopro de esperança, uma chance de voltar a ser feliz.
-Vou pensar na sua proposta com carinho.
-Respondi, apesar de que minha decisão já havia sido tomada. Mas precisava valorizar a situação, senão seria apenas mais um na sua vida. Não queria isso, queria que eu fosse uma pessoa marcante na vida dele.
O Francisco foi embora e eu voltei para Cambira. Durante muito tempo fiquei pensando, pois teria que largar tudo e recomeçar numa cidade diferente, com pessoas diferentes.
Nós nos falávamos por telefone, sempre no mesmo horário, como havíamos combinado.
Durante dois meses ficamos assim e então, resolvi ir para o Rio, morar com ele. Conheci muita gente famosa, lugares elegantes e pessoas interessantes. Voltei a viver a vida novamente, ou melhor, acreditar que todos têm o direito de ser feliz.
Vivi momentos mágicos, mas também outros de solidão. Acabava me sentindo solitário naquela imensa cidade que é o Rio de Janeiro. Quando o Francisco estava gravando ou em cartaz com suas peças, ficava sem senti-lo ao meu lado por dias... Eu o respeitava e sabia que o trabalho sugava dele muita energia. Não cobrava nada mais do que ele podia me dar naquele momento.
Quando estava de férias ou até mesmo de folga, nós aproveitávamos para ficar bem juntinhos. Subíamos para Petrópolis, onde curtíamos o clima para ficarmos agarradinhos em frente à lareira, enrolados em um cobertor e tomando um delicioso vinho. Muitas vezes fazíamos amor sentindo o calor do fogo. Apenas as chamas na lareira eram testemunhas do nosso amor.
Ficávamos no chalé de um amigo dele, que na verdade nunca o usava. Sentíamos-nos donos do chalé, pois somente nós dois desfrutávamos de seu conforto. Possuíamos cópias da chave, e sempre que possível íamos desfrutar daquele belíssimo e maravilhoso lugar. 
Quem criou a frase que o Rio de Janeiro é à cidade maravilhosa, certamente nunca esteve em Petrópolis. Uma cidade de arquitetura antiga, com um museu que conta a história do nosso país, rodeada de montanhas e matas e lindos rios. Nela vivem pessoas simples, educadas, prestativas e hospitaleiras. Tenho saudades daquela cidade, e ainda pretendo voltar, para respirar o ar saudável das montanhas.
Enquanto ele trabalhava como ator, eu era relações públicas de uma grande empresa, onde os maiores clientes eram pessoas envolvidas com a mídia. Também fazia alguns trabalhos como modelo, ainda como resultado do concurso de Mister Brasil.
Um dia, enquanto íamos para o trabalho de ônibus, eu e um colega, houve um incidente um pouco constrangedor, mas muito engraçado. Entramos no ônibus em Copacabana com destino a Barra da Tijuca, e como ele estava lotado, ficamos em pé. Fomos mais ou menos para o meio, e nisso um cara se se encostou a mim. No início não dei muita importância para isso, pois era normal as pessoas ficarem encostadas umas nas outras por falta de espaço. Mas de repente, senti que ele se esfregava em mim de propósito, e senti que ele estava excitado.
-Dá um jeitinho de ir mais para frente, por favor.
-Cochichei no ouvido do meu colega.
-Por quê?
-Ele perguntou.
Contei a ele que começou a rir, mas fez o que pedi. Eu nem olhava para trás, pois senão o idiota acharia que eu estava gostando. Eu odeio que me toquem ou se esfreguem em mim, sem que eu permita.  Detesto este tipo de situação.
O problema foi que o cara veio junto e continuou a se esfregar.
-Não vou agüentar isso não...
-Falei para o meu colega já demonstrando minha irritação.
Meu colega se virou para olhar como era o cara, e cochichou no meu ouvido:
-Branquinho, deixa ele se esfregar, pois o cara é um negão enorme, do tipo armário dois por dois, e pior, mal-encarado de dar medo.
         -Você está louco que vou deixar o cara esfregando em mim e vou ficar calado, o meu colega sabendo como eu era já foi logo dizendo:
-Faz isso não.
         Virei-me e comecei a fazer um pequeno barraco dentro do ônibus, falando alto para o cara:
         - Olha aqui ô cara, eu não gosto do que você está fazendo não.
         Ele se virou, fazendo de conta que não era com ele, mas eu bati a mão no ombro dele e gritei:
         -Você está pensando que é assim, vai se encostando e tudo bem? Não é assim não.
         Falei isso esticando meu braço esquerdo, com a palma da mão virada para cima e com a outra mão eu batia quase gritando:
         -Vamos, coloque grana aqui na minha mão que aí você pode se esfregar a vontade.
         Ele não sabia onde enfiar a cara, pois todos no ônibus começaram a nos olhar. Então foi se esquivando das pessoas para tentar fugir, e quanto mais ele se afastava, mais eu gritava. Então o ônibus parou num ponto bem na entrada da favela da Rocinha, e o cara desceu. Meu colega só olhou para mim e disse:
         -Vamos nos divertir um monte hoje, pois amanhã estaremos mortos. Você reparou onde o cara mora?
         Tive um ataque de riso, e não conseguia mais parar. Mas foi muito engraçado mesmo, aquele baita homem saindo do ônibus tremendo e sem cor, de tão assustado. Achei que ele teria um infarto fulminante ali mesmo, de tanta vergonha que ficou. Acredito que nunca mais fez isso com outra pessoa.
Claro que nunca mais fomos de ônibus. Começamos a ir de carro. Como diz o ditado popular, "quem tem cu, tem medo".
Minha vida com o Francisco era perfeita. Claro que como em qualquer relacionamento, existiam algumas brigas, mas nada sério. Mas com o tempo, ele começou a se desgastar. Como o Francisco era uma pessoa pública e de aparência encantadora, era muito assediado. Ficava difícil controlar o ciúme às vezes... Muitas vezes acabei me sentindo em segundo plano na sua vida. Sabia e entendia que o trabalho dele era primordial em sua vida, mas ficava muito difícil. Comecei a me sentir infeliz e já não ficava na expectativa, esperando ele chegar a casa.
Comecei a caminhar na beira da praia nos horários da chegada do Francisco, e como ele chegava em casa e eu não estava, suspeitava que eu o estivesse traindo.  Mas não era isso, andar descalço na areia sentindo o cheiro do mar, me faziam bem, me acalmando e até me confortando. Talvez fosse mesmo um tipo de traição: eu o traia comigo mesmo. Aqueles eram momentos que eu tirava para ficar somente comigo. Não olhava pra nada e nem para ninguém. Apenas andava pela praia e sentava na Pedra do Arpoador, onde ficava olhando o vai e vem das ondas do mar. Em cada onda que voltava, colocava meus pensamentos infelizes nela, esperando que fossem levados embora. Triste pensamento. Assim eu voltava para casa mais tranqüilo, menos ansioso, mas ainda com os mesmos problemas.
Naquela semana era o início do carnaval. Eu e o Francisco iríamos desfilar pela Escola de Samba do Salgueiro. Eu estava muito ansioso, pois era a primeira vez que sairia por uma Escola de Samba no Rio de Janeiro. Ainda mais que eu iria sair num carro onde estavam os atores, atletas e cantores mais bonitos do mundo da televisão. Eu representava o título de Mister Brasil. Todos nós estávamos vestidos de gregos, com apenas uma micros saia branca e uma sandália trançadas nas pernas, mais nada. O carro chamava muita atenção, não só por ser luxuoso, mas também por ter tantos homens lindos sobre ele. Eu não sabia se prestava atenção no desfile ou naquelas belezas masculinas ao meu lado.
Foi uma emoção inexplicável atravessar a Avenida do Samba. É algo que parece fazer a alma sair do corpo, uma mistura de diversos sentimentos, que só quem passa por isso, consegue entender.
Como a Salgueiro foi uma das campeãs, eu desfilei novamente no desfile das Campeãs. A emoção é a mesma, mas como ninguém será avaliado, os integrantes se soltam mais e o desfile fica mais bonito. Sai à preocupação de vencer e entra a diversão.
         Ainda no feriado, resolvi andar de bondinho e passei a maior vergonha, na verdade quem mais passou vergonha foi um amigo.
Eu tenho o muito medo de altura, mas a vontade de ver um dos pontos turísticos mais bonitos do Rio de Janeiro era irresistível. Como não queria ir sozinho, convidei um amigo para me acompanhar. Ao chegar lá, quis recuar, mas meu amigo disse:
-Você tem que ir, tem que acabar com esse medo todo! E outra larguei meus compromissos para te acompanhar, a vai sim, nem que for arrastado, amarrado, mas você vai. Minha barriga parecia à escola de samba da concentração. Subia e descia um frio que chegava a me deixar todo arrepiado. Era muito medo. Porque fui inventar isso?
E lá fomos nós... Entramos no bondinho juntamente com um grupo de americanos. Quando o bondinho começou a subir, comecei a ficar apavorado. No meio do caminho, tive uma crise nervosa devido ao pânico, e comecei a gritar. Meu coração parecia querer sair pela boca. Agachei-me num dos cantos do bondinho, e comecei a falar;
-Ai meu Deus! Isso aqui vai cair. Minha Nossa Senhora, tem piedade de mim!
Cheguei a chorar de tanto medo.
-Que vergonha! Dizia meu amigo Hugo. Todo mundo está olhando pra gente. Nunca mais vou com você a lugar algum.
Eu não queria nem saber, e continuei a gritar, não abrindo os olhos de jeito nenhum. Quando chegamos ao alto do Pão de Açúcar e descemos do bondinho, minhas pernas pareciam gelatina. Tremiam tanto que eu tive que sentar. Ajoelhei-me e agradeci a Deus por estar vivo.
De repente, os americanos começaram a aplaudir e dar muitas risadas. Olhei para Hugo e sem entender o que estava acontecendo.
-Eles adoraram o espetáculo!
-Disse Hugo.
Não é que eles acharam que aquilo tudo havia sido uma encenação? Mas o pior de tudo é que eu teria que descer...
-Minha Nossa Senhora, o que vou fazer?
-Perguntava aturdido, olhando para baixo. E Hugo ao mesmo tempo em que ria, ficava também preocupado com a vergonha que ele iria passar.
         Os bondinhos chegavam e desciam, e eu sem coragem... Já estava anoitecendo e meu amigo me deu um ultimato:
         -Ou você desce nesse agora ou vai ficar aqui sozinho.
         Tive que descer e novamente o escândalo estava armado. Meu amigo não sabia o que fazer de tanta vergonha.  Já eu, estava acostumado... Toda vez que tinha que viajar de avião, ou ir até a sacada de um prédio, ou mesmo subir em algum lugar bem alto, sempre fazia um escândalo.
         Este feriado acabou sendo um dos meus dias de emoção e adrenalina total. Tive momentos inesquecíveis em minha vida no Rio.
         Depois de tudo, resolvemos ir até um quiosque na praia de Ipanema, para tomar uma cervejinha para relaxar. Ficamos horas ali sentados jogando conversa fora e falando dos detalhes de como foi a minha aventura nas alturas.
         Passado o feriadão, voltamos as nossas rotinas e também ao descontentamento de meu relacionamento com o Francisco.
Numa das noites, quando o Francisco chegou em casa após o seu espetáculo no teatro, sentamos e conversamos muito. Ele percebeu que mesmo eu gostando muito dele, estava infeliz. Não tinha conseguido amá-lo de verdade. Tudo não passou de uma paixão, forte e encantadora. Resolvemos juntos que o melhor para mim era que eu voltasse para minha cidade. Voltaria a trabalhar com a cultura e retomaria meus estudos, preenchendo ao máximo o meu tempo.
Na semana seguinte fui embora, mas continuamos a manter contato por algum tempo. A paixão foi dando lugar à amizade e a distância contribuiu para que o sentimento aos poucos fosse sendo esquecido. Apenas ficou em minha memória as recordações maravilhosas de tudo o que vivemos juntos. Foram cinco anos de dedicação mútua, onde um cuidava do outro.
De certa forma, a separação veio a contribuir para que pudéssemos levar nossas vidas de acordo com os princípios que cada um tinha.
E lá estava eu voltando de novo para Cambira, voltando para o início. Aquela cidadezinha me encantava e sempre que chegava ao fim mais um ciclo de minha vida, eu retornava a ela, e ao aconchego do colinho de minha mãe, que estava sempre a minha espera. Ali era o meu refúgio, meu porto seguro, onde recarregava as energias para mais outro ciclo que se iniciava.




























CAPÍTULO 23








                    Já em Cambira, tive que contornar algumas situações e não levar em conta alguns comentários que surgiram. 
A história de eu ter tido um relacionamento com uma pessoa famosa havia se espalhado, ainda mais numa cidade pequena. Algumas pessoas acreditavam que eu havia retornado para casa por ter sido expulso da vida do Francisco, o que era bem contrário a versão correta. Ambos estávamos nos sentindo machucados, pois não é fácil acabar um relacionamento de tanto tempo. Porém, estávamos, mas felizes por contribuirmos para que o outro tocasse seus projetos de vida em frente. Minha vida retomou seu caminho, onde poderia novamente participar dos acontecimentos ligados a família. Meu irmão iria se casar e fui convidado para ser seu padrinho de casamento. Muitas pessoas, mesmo aquelas que já me conheciam desde pequeno, queriam me ver, só por causa do relacionamento que tive comum um galã da televisão. Algumas delas chegavam a ir até a porta da Igreja só para ver como eu estava vestido e como estava me sentindo após o rompimento.
         Eu até estava me divertindo com aquilo tudo. Não tiravam os olhos de mim, e minha irmã não parava de falar que nós dois éramos “os mais lindos da festa”. Sem modéstia, fomos mesmo à atração da festa. (risos)
Eu vestia um blazer num tecido xadrez que imitava juta, em tons de marrom. Por baixo usei uma camiseta branca, coladíssima ao corpo. A calça, num tom de marrom esverdeado, fazia a combinação perfeita. Era de uma grife famosa, e no Brasil poucas cidades possuem uma loja franqueada.
Minha irmã vestia um vestido preto, curto, com a parte de cima talhada numa espécie de tecido felpudo. Na verdade, eram milhares de pequenos fios pretos mesclados com fios pratas. A parte da saia era em cetim preto, muito maleável, com um caimento perfeito. Também era da mesma grife que o meu traje.
Quando retirei o blazer, percebi que alguns olhares se voltaram novamente para mim. Eu estava com um aspecto tipicamente carioca: bronzeado, com os cabelos ainda mais loiros devido ao sol e com o corpo esculpido pela malhação. Sem querer, tiramos a atenção dos noivos, pois as pessoas queriam ser fotografadas ao nosso lado.
Minha irmã, mesmo já tendo uma filha de seis para sete anos, era uma mulata lindíssima. As pessoas sempre nos perguntam por que ela era mulata se nós éramos descendentes de italianos. Eu sempre brincava que eu havia nascido de dia e ela à noite. Outras vezes, eu dizia que minha mãe tinha tido um caso com um negão. (risos) Claro que fazia isso apenas para me divertir com aquelas pessoas que não sabiam ser discretas. Mas na verdade, ela era fruto de um nascimento vindo do coração, aceita por todos nós como uma irmã do coração e não de sangue.
Minha mãe não disfarçava a felicidade estampada em seu rosto, por ver o seu filho casando. Ainda mais que minha cunhada estava aproximadamente de quatro meses de gestação. Os convidados e parentes já haviam ido embora, então esperamos o pessoal contratado para o Buffet terminar de retirar suas coisas e também fomos embora. Todos nós estávamos muito cansados, para não dizer exaustos, e fomos direto para a cama.
Como meu irmão ficaria por algum tempo lá em casa, na manhã seguinte teríamos que transformar uma das salas em quarto, mesmo a casa sendo enorme.  Sempre tive um tremendo bom gosto para decoração e fiz o que pude para que “o quarto” ficasse bem legal.  Mas como diz o ditado, “quem casa, quer casa”, e o jovem casal ficou morando ali por pouco tempo.
Chegou o verão, e eu ainda continuava sozinho. Não tinha encontrado alguém interessante, que me fizesse ter vontade de iniciar um relacionamento mais sério. Claro, pequenos casos aconteciam, mas nada sério apenas sexo casual. Estava cansado de procurar pelo amor, de comparar toda pessoa que entrava em minha vida com o André. Era injusto, chegando mesmo a ser cruel...
Comecei a usar as pessoas, apenas me divertindo com elas, sem me preocupar com sentimento. Meu coração estava literalmente fechado para o amor. Porém, sentia falta de alguém ao meu lado, para trocar carinhos e compartilhar meu cotidiano. Uma coisa simples, mas que faz parte da rotina de um casal.
No verão, geralmente viajávamos para o litoral, mas neste ano, a família não iria mais junta. A família havia diminuído, todos praticamente crescidos, enfim, somente minha irmã foi com um grupo de amigos e levou o nosso irmão caçula. Eu fiquei com minha mãe para cuidar da minha sobrinha mais velha, a filhinha da minha irmã.
Ela conheceu um rapaz no litoral, que hoje é seu esposo, por quem se apaixonou.  Quando voltou, ela comentou conosco sobre o rapaz e não demos muita atenção, pois como dizem: “amor de praia não sobe a serra”. Mas não foi o caso dela, pois o rapaz “subiu a serra” e levou-a embora. Minha irmã fugiu sem deixar pista alguma e com ela levava uma das pessoas que eu considerava mais importante na vida: minha sobrinha querida e amada, que eu cuidava como se fosse minha própria filha.

Quando voltamos do trabalho eu e minha mãe, vimos o bilhete e entramos em pânico total. Eu estava prestando o vestibular, e nem tive mais cabeça para isso. Imagine se eu conseguiria fazer alguma prova direito... Só ficava pensando se elas estavam bem, se estavam agasalhadas... Passava mil loucuras pela minha cabeça.       Foi uma dor inexplicável! Estava mais uma vez provando o dissabor da perda de uma pessoa querida, mas desta vez, de uma pessoa por quem tinha um amor de pai, apesar de postiço. Minha dor parecia ter sido erguida em cima de sofrimentos. Chegava a pensar que o sofrimento e a dor eram coisas impregnadas em mim, que faziam parte do meu crescimento.
Ficamos dias sem notícias, e cada dia sem saber delas era uma tortura. Resultado do vestibular: não passei. De certa forma, perdi mais um ano da minha vida no que se tratava de meus estudos.
Finalmente minha mãe teve uma informação e foi para Curitiba atrás da pista. Eu não pude acompanhá-la, porque não fui liberado do trabalho. Ela voltou sem poder vê-las, mas dias depois chegou uma notícia da minha própria irmã. Minha mãe novamente foi para Curitiba, mas dessa vez foi acompanhada da outra avó da minha sobrinha e também de seu pai. Conseguiram convencer minha irmã, que o melhor era deixar a menina com a gente.
Eu tinha providenciado uma festinha somente para nossa família, para comemorarmos o retorno da minha sobrinha. Nossa casa tinha uma varanda enorme, e eu fiquei ali, esperando a tarde toda, fumando um cigarro atrás do outro. De repente, chegou o carro, e vejo o amor da minha vida saindo dele e correndo ao meu encontro. Caí de joelhos e nos abraçamos, num choro incontrolável. Não queria largá-la de jeito nenhum, pois tinha medo que se eu a largasse, ela iria embora novamente.
Graças a Deus, ela continuou morando conosco, fazendo novamente parte da família. O meu amor por ela, aumentava a cada dia.
Foi criada como se fosse minha filha de sangue, com muito carinho e amor. E é claro com muito mimo. Fazia tudo o que ela me pedia.
Aquela criança meiga e frágil continua morando conosco até hoje. Tornou-se uma linda mulher e já está na Faculdade. Mais uma meta cumprida em minha vida.





















CAPÍTULO 24








        Pouco tempo depois nos mudamos para uma casa menor e inferior que nós tínhamos em Jandaia do Sul, uma cidade vizinha. Minha mãe queria ficar mais perto de uma de suas irmãs e também do meu irmão, que tinha acabado de se casar e foi morar lá. Para mim, também foi bom, pois a casa ficava a poucas quadras da Faculdade onde eu estudava. Tudo perfeito! Tivemos momentos felizes na nova casa, mas também alguns desagradáveis.
Eu e minha mãe íamos a Cambira todos os dias para trabalhar e só voltávamos à tarde para casa. Minha sobrinha e meu irmão caçula nos acompanhavam. Era cansativo, mas a opção que tínhamos.
Depois de muitos anos sendo Secretário Municipal da Cultura, havia sido dispensado por motivos políticos. Mas fui convidado pelos dirigentes da APAE para trabalhar com eles. No início fiquei pensativo, pois tinha certo preconceito de pessoas deficientes. Não me sentia bem perto deles ou convivendo com pessoas assim. Mas, tive que aceitar, pois não havia outra opção de trabalho no momento.
No primeiro dia, fui rezando para que nenhum aluno chegasse perto de mim. Fiquei imaginado que teria que comer no mesmo ambiente que aquelas crianças. Como faria para disfarçar meu mal-estar?
Mas logo todo esse sentimento de repúdio foi trocado por carinho e admiração, quando me deparei com o sorriso puro de uma criança deficiente que se arrastava pelo chão dos corredores daquela instituição. Como poderia uma criança com deficiente física me olhar tão ternamente e me dar aquele sorriso limpo e alegre? Como conseguia ser feliz tendo aquele problema? 
Fiquei parado, sem nenhuma reação. Só conseguia ver o sorriso daquela criança, como se estivesse me iluminando e me dizendo: “Vamos, você também pode sorrir e ser feliz!” Ela poderia ter desistido de mim quando não retribuí seu sorriso com nenhum gesto de carinho. Na verdade, no início queria apenas sair o mais rápido possível dali e me afastar dela.
Mas ela esticou seus braços e sem falar nenhuma palavra me pediu para pegá-la no colo. Quando olhei em seus olhos, senti algo mudar dentro de mim. Como num passe de mágica, toda a repulsa tinha sido trocada por outro sentimento. O sorriso e o gesto simples daquela criança fizeram penetrar em meu ser um sentimento de pureza, de gratidão e de solidariedade.
Peguei-a nos braços e a abracei com tanta força que todo o sentimento que aquela garota tinha de felicidade eu conseguia sentir num simples abraço. Acabei passando o restante do dia com ela, e não queria largá-la por nada. Tinha medo que aquele sentimento que havia me invadido fosse embora. Estava me sentindo tão bem, com uma paz interior tão grande, que não queria que terminasse.
Aquele acontecimento de certa forma me transformou. Comecei a valorizar mais a vida, esquecendo dos problemas que eu achava que só eu tinha. Minha paixão por aquelas “crianças especiais” foi aumentando e a felicidade de estar com elas naquele lugar aumentava o meu prazer em viver.
O período em que estive trabalhando na APAE, me trouxe um aprendizado de vida que jamais esquecerei. Aprendi que se pode viver onde aparentemente não se tem vida. Mas com aquelas crianças a vida é plena e verdadeira, e seus sorrisos cativam a todos. Mas somente àqueles que se permite conquistar, abrindo seus corações e deixando de lado o preconceito por elas. Foi essa a minha atitude.
Trabalhava o dia todo com elas em Cambira, e a noite ia para a Faculdade em Jandaia. Muitas vezes não tinha tempo para tomar banho e muito menos comer. No início, algumas pessoas da sala me evitavam, porque eu chegava sujo. Mas para mim, aquela sujeira transmitia a paz, o amor e o carinho daquelas crianças por mim.
Aos poucos, o meu amor por essas elas foi comovendo as pessoas que conviviam comigo na Faculdade. Várias vezes eu chegava à sala e alguns colegas da turma haviam trazido um lanche de casa para mim, pois sabiam que eu não tinha tempo de comer nada depois que saía do trabalho. Aos poucos todos na sala acabaram se apaixonando pelas crianças, só de me ouvirem falar delas.
Um dia, levei um dos garotos para fazer uma apresentação na nossa sala. O nome dele era Marcelo, e ele falou sobre o que uma pessoa pode fazer, mesmo sendo deficiente. Contou uma história para a turma, que ficou totalmente em silêncio. Ele fazia gestos enquanto falava, claro que limitados por causa de seus problemas físicos. Isso fazia com que as pessoas ficassem cada vez mais presas na sua história. Até mesmos os que eram menos emotivos da turma, se calaram perante aquele menino frágil, mas de alma forte.
Quando o Marcelo acabou de ler a história, fui ao encontro dele e ele cochichou no meu ouvido:
-Acho que eles não gostaram, pois ninguém me aplaudiu.
-A alma não aplaude Marcelo, mas os olhos demonstram os verdadeiros sentimentos.
-Eu disse a ele.
Quando eu e Marcelo nos viramos para a turma, todos estavam chorando com a apresentação maravilhosa que ele havia feito.
Nesse momento o Marcelo, olhou firmemente para frente e disse:
-Não vim aqui trazer tristeza e sim um pouco de alegria.
Toda a turma se levantou e aplaudiu aquele menino, como se ele fosse um artista famoso. Nesse momento percebi que eles conseguiram entender qual o sentimento que eu vivi ao ver aquela menina esticando os braços para mim, no primeiro dia que cheguei à APAE.
Depois desse dia, a turma toda mudou radicalmente, em todos os sentidos. As pessoas se respeitavam mais, sem vergonha de mostrar que amavam seus amigos. Acabamos nos tornando mais íntimos e descobri que havia mais pessoas gays na sala e também na Faculdade toda. Isso permitiu que eu aumentasse meu círculo de amizades, e passamos a sair juntos.
Uma vez, decidimos ir com mais três amigos para um barzinho gay em Maringá, para festejar um pouco. Mesmo já não sendo mais um rapazinho, eu ainda chamava muita atenção. Poderia me dar ao luxo de escolher uma companhia. (risos)
Entramos no bar e estrategicamente escolhemos uma mesa, pois queríamos ser vistos por todos e ao mesmo tempo ver o que acontecia a nossa volta. O local era propício para “caçar, mas sem ser o caçador”, fazendo o joguinho de olhares, jogando a isca para deixar que o outro se sinta o caçador. Aliás, eu adorava fazer esse joguinho.
Um dos meus amigos foi cumprimentar seus amigos em outra mesa. Ele voltou dizendo:
-Um amigo meu gostou de você.
-O mande pegar a senha e entrar na fila.
-Disse num tom de brincadeira.
Mas a brincadeira tinha um cunho de verdade. Eu era “carne nova no pedaço” e muitos estavam me olhando. Estava me sentindo o máximo! Quem não gosta de ser o centro das atenções? Mas disse ao meu amigo que depois ele podia nos apresentar. Naquele momento, queria curtir o ambiente, ver todos os detalhes.
O barzinho era decorado com muito bom gosto, um pouco escuro na verdade, mas nada que tirasse o seu brilho. As paredes eram vermelhas, toda decorada com telas e esculturas metálicas. Gostei da combinação.
 Depois de algum tempo, o meu amigo trouxe o seu amigo para nos conhecermos. Na hora senti algo estranho, mas ele não era uma pessoa bonita, mas muito charmoso. Ele se chamava William, e era ali de Maringá.
Não sei se por carência minha ou não, mas acabamos juntos naquela mesma noite. Conversamos a noite toda, e na hora de ir embora ele me pediu para ficar com ele, ali em Maringá. Nem pensei muito! Despedi-me dos amigos e fomos para a casa dele.
Acabamos ficando na cama até as 17h00 do dia seguinte, sem nos preocuparmos com nada, apenas transando muito.
Como eu tinha ido de carona com os meus amigos, o William acabou me levando para casa em Jandaia do Sul, que ficava a aproximadamente 40 km de Maringá.
Já em frente a minha casa, ele me pediu para que eu fosse passar o próximo final de semana na casa dele. Aceitei e lá fui eu novamente para Maringá. Cheguei na sexta feira à noite e antes de irmos para a casa dele, fomos jantar num restaurante, que era bem simples, mas onde a comida era muito gostosa.
Após o jantar, fomos para a casa dele para tomarmos um banho, pois iríamos para uma balada. Depois do banho, ao invés de sair, começamos a transar. Não dava para resistir, pois nossa atração era algo incontrolável. Ficamos nos amando por umas duas horas.
Enquanto estávamos descansando na cama, o Willian se voltou para mim dizendo:
-Quer namorar comigo?
Eu aceitei, é claro! Beijamos-nos e fomos tomar banho juntinhos. Não dava para resistir, e novamente transamos embaixo do chuveiro.
Finalmente fomos para a balada. Chegando lá acabei conhecendo mais uns amigos dele e logo já se tornaram os meus amigos também. Foi uma noite fantástica.
Voltamos para a casa dele e antes de dormir, transamos novamente. Nós dois éramos como uma brasa, que ao primeiro sopro voltava a se acender. Nada fazia nossa excitação diminuir: ela só acalmava um pouco para reacender mais forte.
Como no outro final de semana ele iria viajar com seus amigos para Balneário de Comburiu, me convidou para ir com eles. Mas eu não poderia ir, pois estava trabalhando.
Na quinta feira à tarde, ele passou por Jandaia do Sul para se despedir de mim. Pediu-me para respeitá-lo, pois ele me respeitaria lá na praia. Despedimos-nos e ele pegou a estrada juntamente com um amigo.
Voltei ao trabalho e comecei a conversar com minha chefa:
-Perdi a chance de viajar com o meu namorado.
-Eu disse.
-Mas por que você não foi?
-Perguntou ela.
- Mas eu teria que faltar a semana que vem inteira!
-Respondi.
-Então vá para casa, tome um banho, arrume sua mala e vai com ele.
-Falou me dando um sorriso de aprovação.
Nem acreditei que ela estava me liberando. Dali mesmo liguei para a rodoviária reservando uma passagem de ônibus. Não seria necessário ir de carro, pois na volta poderia retornar com ele. Sabia que ele voltaria sozinho, pois ele havia me comentado que o seu amigo iria de lá direto para Porto Alegre, visitar seus familiares.
Liguei para ele informando que havia enviado um presente pelo ônibus, pois ele faria aniversário na semana seguinte. Olhei o horário que o ônibus iria chegar em Comburiu e disse a ele que teria que buscá-lo na rodoviária. Informei o horário em que eu chegaria lá.
No dia seguinte, as 6h00 da manhã o ônibus encostou-se à rodoviária de Comburiu. Ele nem desconfiava que o presente fosse eu. Quando me viu ficou enlouquecido, abriu um sorriso enorme e veio me abraçar.
Fomos em direção ao carro dele e ali mesmo dentro do carro ficamos nos beijando. Dirigimos-nos para o apartamento que ele e seu amigo tinham alugado para passar a semana lá.
Quando chegamos, o amigo dele havia saído, e como nós estávamos sozinhos, tomei um banho e ficamos o restante da manhã transando.
Conversamos bastante, falando do quarto, que era voltado para a encosta de uma montanha. Era pequeno, mas muito aconchegante. Aproveitamos para fazer amor o dia todo. Em um intervalinho, tomamos vinho e voltamos a transar. Depois fiz um almoço bem gostoso, para repor as energias. (risos)
Dormimos um pouco e voltamos a fazer amor. Era uma loucura! Não podíamos nos encostar e logo estávamos excitados. Passávamos por maus bocados na rua, e às vezes era constrangedor. (risos)
Tomamos banho e fomos assistir a um filme, enquanto esperávamos nossos amigos chegarem. Conversamos mais um pouco e fomos para uma balada gay, lá mesmo em Comburiu.
Bebemos e fomos dançar um pouco. Quando estou com uma pessoa, sou extremamente fiel. Nem olho para os lados para não dar motivo para confusão ou aquilo ser motivo para um ataque de ciúmes. O William foi até ao bar, para buscar uma bebida para nós. Como era um pouco longe da pista de dança, ele demorou a retornar. Assim que ele saiu, um carinha se aproximou de mim e foi logo me passando uma cantada. Apesar de eu falar a ele que estava acompanhado, ele continuou do meu lado, dançando e se insinuando. Chegou até a passar sua mão nas minhas costas. Dei-lhe um empurrão demonstrando que não estava gostando e falei:
-Olha cara, não estou a fim de confusão, mas se você continuar me molestando, serei obrigado a partir para a agressão.
Nisso só ouvi uma voz brava, dizendo:
-Mas eu estou a fim de confusão!
-Disse o Willian voando para cima do cara e dando-lhe umas bordoadas.        Tentei apartar, mas nunca tinha visto o William tão nervoso. Acabamos sendo expulsos da balada. Depois do nervosismo causado por aquela confusão toda, começamos a rir. Para não perder o resto da noite, resolvemos os quatro tomar um banho de mar: eu, o William e nossos dois amigos.
         O William ficou ainda um bom tempo emburrado com a situação, pois na cabeça dele eu teria dado motivo para o carinha ficar dando em cima de mim. Fiquei calado quando ele insinuou isso. Não respondi, pois achei que ali não era o momento e nem lugar para a gente começar uma briga, ainda mais que nossos dois amigos estavam juntos. Ficamos na praia até amanhecer o dia, curtindo aquele o nascer do sol no horizonte.
Voltamos para o apartamento, tomamos um banho bem relaxante e dormimos até a hora do almoço. Levantei primeiro e fui comprar um bolo, pois era aniversário do William. Queria fazer mais essa surpresa para ele. Consegui achar um bolo bem gostoso, recheado com frutas e com cobertura de amendoim. Também comprei salgadinhos e passei por uma floricultura e comprei um buquê de rosas vermelhas. Engraçado, fazia muito tempo que nem chegava perto de rosas vermelhas, pois como já disse anteriormente, depois da morte do André elas me lembravam tristeza e perda.
Quando o Willian acordou a mesa já estava preparada para a comemoração. Cantamos os parabéns, comemos e cogitou-se de irmos para uma praia de nudismo ali perto. Confesso que fiquei meio assustado com a idéia, pois nunca tinha ido num lugar assim. Para agradar a todos e também para matar a minha curiosidade, acabei topando.
Logo na entrada da praia, um segurança enorme fez com que retirássemos toda a nossa roupa. Já que estávamos ali mesmo, fui o primeiro a tirar tudo, e os outros tiraram em seguida.
A praia, além de ser de nudismo era também um “point gay”. Acredito que ninguém conseguiu ver o meu pênis, pois o William andava sempre na minha frente, como se quisesse ser a minha roupa. (risos) Só conseguiu piorar a situação, pois as pessoas queriam ver o que ele tanto escondia. (risos)
Ele escolheu um lugar onde fiquei praticamente escondido, entre duas rochas. Olha que sou ciumento quando estou com alguém, mas ele me deixava “no chinelo” nessa questão.
         Não demoramos muito ali, pois o Willian estava ficando irritado com toda aquela situação. Eu nem ligava, queria mais aproveitar o sol. Imagina, podia ficar sem nenhuma marca! Só ali mesmo.
         Fomos visitar outros lugares, pois no dia seguinte eu e o Willian iríamos embora. Os outros dois ficariam aproveitando o restante do feriado. Mas tínhamos um aniversário de um amigo em Maringá.
         O aniversariante era o Toninho. Isso mesmo, o meu antigo namorado, que por sinal havia namorado o William antes de mim. Ou seja, uma confusão! (risos) O Toninho namorou o William depois de termos sido namorados, mais isso, muitos anos depois.
Ao chegarmos à festa do Toninho, ele foi logo me puxando e no meio de todos abriu um enorme baú de madeira envelhecida, que estava ao lado de um aparador, também de madeira. Incrível, mas dentro do baú estavam todos os presentes que eu havia dado a ele durante o nosso relacionamento. Fiquei constrangido, ainda mais com o olhar de desaprovação do William. Percebi que ele não tinha gostado nada daquilo, ainda mais na frente de todos os amigos. Estávamos em mais ou menos trinta pessoas nesta festa. Para não ficar por baixo, o Willian foi logo perguntando ao Toninho:
-E os que eu te dei, você guardou a onde?
-Só guardei neste baú os presentes da pessoa que mais amei nesta vida. Os que ganhei de você devem estar espalhados pelo apartamento, como os outros presentes de todos os outros namorados que tive. Neste baú só existe lugar para guardar recordações de uma pessoa que foi muito querida e que só traz recordações boas do passado.
-Disse o Toninho.
O William acabou descontando em mim toda sua raiva.
-Se o William não te quiser mais, venha para mim, que te aceito de braços abertos. Eu saberei te dar o valor que você merece.
-Gritou o Toninho do outro lado da sala, já meio alto pela bebida.
         As pessoas fingiram que não ouviram e o William me pegou pelas mãos, me puxando para irmos embora.  Nem deixou que eu me despedisse de ninguém.
         Já dentro do carro, ele não abriu a boca. Puxei conversa com ele várias vezes, mas nenhuma palavra saía de sua boca. Resolvi também ficar calado. Eu não havia feito nada e muito menos dei motivos para ele ficar daquele jeito comigo.
Chegamos ao condomínio, guardamos o carro e entramos na casa dele, que continuava calado. Em silêncio, me colocou para dormir no quarto de hóspede. E nada rompia sua greve do silêncio. Nem desarrumei a mala, esperei o dia amanhecer, chamei um táxi e fui para a rodoviária. No caminho de volta para Jandaia, meu celular tocou e quando vi que era o William ligando, não atendi. Ficamos sem nos falar por quase um mês. Achei que o que ele havia feito comigo não era legal. Não achava justo ele querer que eu me sentisse culpado por algo que não fiz.
Então ele veio de Maringá até Jandaia do Sul para conversarmos e ele jurou que nunca mais faria algo parecido. Acreditei e voltei, tinha que voltar... Sentia muito a sua falta, eu o amava de verdade! Mais uma vez fui enganado pelo meu coração, minha razão dizia que não era para aceitar as desculpas e tirar ele da minha mente. Mas o coração falou mais alto, na verdade, ele berrou que quase me deixou surdo.
Voltamos a namorar. Passamos algumas semanas maravilhosas, sem brigas, e muito menos comentamos algo sobre aquele maldito incidente no aniversário do Toninho.
Tempos depois, novamente o William fechou a cara e não me contou o motivo. Fiz de conta que não tinha percebido seu mau humor, pois aquela noite iríamos numa boate gay para comemorar o meu aniversário. Os amigos já estavam nos esperando. Dirigimos-nos para a minha festa e como adoro comemorar aniversário, estava ansioso para chegar. Mas o William continuava de cara amarrada. Eu achava que era por causa do Toninho, pois tinha convidado ele para minha festa.
Chegando lá, me policiei a noite toda para não ficar perto do Toninho, e não dar motivo para mais uma confusão. Estávamos na parte de cima da boate, que foi reservada somente para nós. Certa hora quis descer para a pista de dança, mas o William não quis descer comigo.  Fui então com um amigo nosso.
Estava dançando e como estava muito calor, resolvi abrir a camisa para me refrescar um pouco. Senti alguém bater no meu ombro e quando me virei, levei um murro no rosto. O autor daquela violência sem motivos era o William! Fui ao chão, e ele ainda virou o copo de cerveja que estava cheio sobre mim. Meu nariz começou a sangrar fiquei em estado de choque, sem entender nada. Aliás, nem eu nem ninguém conseguíamos entender o que havia acontecido. Levaram-me para a parte a parte de cima da boate. Ele já havia ido embora e eu perguntava a todos o que tinha acontecido. Ninguém sabia me dizer nada.
O Toninho me levou para casa do William, pois meu carro e minhas coisas estavam lá. Chegando lá, vi que todas as minhas coisas estavam jogadas ao lado do meu carro. O Toninho ligou para ele no celular e nada. Também liguei para o apartamento, mas ele não atendia.
Fui para a casa do Toninho, tomei um banho e acabei dormindo lá mesmo. Quando amanheceu fui até o apartamento do Willian. Na confusão, esqueci que tinha uma cópia da chave do apartamento dentro do carro. Entrei bem devagar, pois achei que ele tinha feito aquilo para ficar com outra pessoa. Mas não, ele estava sozinho. Quando me viu, ficou sem graça.
-O que foi tudo aquilo, Willian? Qual o motivo de eu ter levado aquele soco? - perguntei ainda aborrecido.
Então ele me contou qual era o motivo:
-Alguém ligou para os meus pais contando que eu sou gay e que estou morando com outro homem. Foi um choque para eles, pois você sabe que eles são evangélicos. Na verdade você já sabia disso tudo, não é mesmo? Provavelmente foi você quem ligou para eles.          Fiquei só o ouvindo falar toda aquela barbaridade... Como ele tinha certeza daquilo?
-Você é a única pessoa que tem acesso ao meu celular, onde está o número do telefone da casa deles. Só pode ter sido você.
-Afirmava. 
-Por que eu faria isso? Por que você esperou para fazer aquilo na frente de todos na boate?
-Perguntei desesperado.
A resposta foi seca:
-Simplesmente para te humilhar.
-Ser humilhado por uma coisa que eu não fiz? Por que tanta raiva? Por que a humilhação? Nem tive direito de resposta. Então todo aquele tempo que passamos juntos não serviu para você perceber que meu carinho por você era verdadeiro e sincero? - perguntava sem tomar fôlego, de tão nervoso e decepcionado.
-Que carinho você tem por mim para fazer isso? 
-Disse me olhando com desprezo.
E continuou a me ofender com inúmeras palavras pesadas e doloridas, que nem convém lembrar. Somente fiquei ouvindo e num certo momento meus ouvidos foram bloqueados pelo cérebro. Eu só via a sua boa se mexendo. Sai dali e fui para minha casa, chorando durante todo o percurso. Jurei que nunca mais iria chorar por alguém e não deixaria ninguém mais me machucar.
Minha mãe foi testemunha da dor que eu estava passando, por amar uma pessoa que não acreditava em mim. Se ao menos ele tivesse uma prova para me acusar, tudo bem. Mas não existia nada, porque não havia sido eu.
Passei dias sofrendo, chorava por qualquer coisa, e não tinha vontade de fazer nada. Para piorar meu estado de espírito, me afastei da APAE. Minha vida virou do avesso novamente. Achei até que dessa vez eu não suportaria, mas tinha que me recuperar. Estava no penúltimo ano da Faculdade de Geografia e não poderia deixar que uma pessoa como o William me derrubasse.
Minha mãe ficava o tempo todo falando sobre minha orientação sexual, me fazendo sentir culpado por isso. E em vez de ajudar acabou me colocando ainda mais para baixo. Resolvi ir até a Igreja para falar com o padre. Estava me sentindo muito mal, novamente me achando um ser totalmente desprezível. Falei isso para o padre, que ficou assustado:
-Realmente você se acha assim, meu filho?
-Me perguntou.
-Sim, pois as pessoas que eu mais amo também pensam exatamente assim, como estou me sentindo.
-Respondi.
Ele me disse que isso era a coisa mais ridícula que tinha ouvido naquela cidade. Fazia pouco tempo que ele havia chegado a nossa cidade. Pediu-me para falar para minha mãe vir até a Casa Paroquial, pois ele gostaria de falar com ela.
Cheguei em casa e dei o recado a ela, que rapidamente foi até a casa paroquial. Logo ela que é daquelas católicas fervorosas. Não sei o que o padre disse a ela, só sei que sua cabeça mudou muito em relação a minha sexualidade. Foi nessa época que ela acabou aceitando a minha orientação sexual.
Os amigos da Faculdade me ajudaram a superar esse momento difícil, mas que deixou seqüelas. Novamente passei a manter distantes as pessoas que se aproximavam de mim, somente aproveitando-me delas para satisfazer-me sexualmente, depois caia fora.
Quando o ano terminou, ou melhor, no último dia de aula o William apareceu na Faculdade para conversar comigo. Esperou eu sair e me chamou para conversarmos no carro. Assim que eu entrei, começou a falar com arrependimento no olhar:
-Desculpa por tudo.
 Descobri a verdade... Foi um carinha que dizia ser meu amigo, mas que era a fim de mim. Mas como eu namorava você, para atrapalhar, sei lá, acabou ligando para meus pais.
Ouvi tudo aquilo com muita frieza, sem sentir nem mesmo pena ou compaixão por aquele ser. Depois que ele contou tudo, perguntei:
-E o que você veio fazer aqui? O que quer comigo?
-Quero voltar com você, pois te amo muito. Será que você pode me perdoar?
Mal ele terminou de falar, coloquei minha mão sobre sua boca, evitando que continuasse a falar. Abri a porta do carro e fui embora sem olhar para trás. Ele entendeu e nunca mais veio me procurar.
Tentei nunca mais pensar nesse acontecimento. Fui viajar com alguns amigos e aproveitei ao máximo as minhas férias. Fiquei com um garoto que deveria ter pelo menos metade da minha idade, e não tive nenhuma preocupação em magoá-lo. Simplesmente o usei da melhor forma que me interessava. Não era assim que as pessoas gostavam de serem tratadas? Então, a partir daquele incidente com o Willian, eu havia me tornado uma pessoa seca e sem alma para tentar amar novamente.










CAPÍTULO 25





         O ano letivo na faculdade começou e me senti pronto para viver várias aventuras amorosas.  Comecei a perceber um rapaz que ficava toda hora passando em frente a minha sala. Um dia, uma menina me trouxe um bilhete dele, perguntando se nós poderíamos conversar.  Devolvi o bilhete dizendo que sim e marcando o local e horário para nos encontrarmos.
No horário marcado, ele apareceu. Seu nome era Leonardo, um rapaz educado, dedicado e muito atencioso. Conversamos um pouco e logo nos beijamos. Um pouco estranho o beijo, pois parecia que ele nunca tinha beijado outro homem antes, ou quem sabe ninguém. Ficamos ali um pouco e fomos embora.
Com o tempo, aquele menino franzino começou a malhar e ficar um homem deliciosamente interessante. Sua inteligência e seu jeito de me tratar estavam mexendo comigo e me fazendo apaixonar por ele. Isso não poderia acontecer de jeito algum! Não queria mais isso para a minha vida. Desejava apenas curtir, levando a vida sem nenhuma preocupação com a outra pessoa.
Mas com seu jeito meigo foi aos poucos me conquistando, até que me percebi apaixonado por ele. Fazia de tudo para decepcioná-lo, pois assim ele se afastaria de mim. Uma vez eu havia levado duas garotas para concorrerem ao título de Miss Paraná em Curitiba, e ele foi atrás de mim. Eu estava no quarto do hotel quando o interfone tocou, perguntando se ele poderia subir. Fiquei sem jeito e ao mesmo tempo feliz. Respondi que poderiam deixá-lo subir, e quando chegou ao quarto transamos. Logo depois, eu saí e o deixei trancado no quarto. Demorei a tarde toda, e ele ficou lá, trancado. Poderia tê-lo levado junto, mas não levei.
À noite saímos para jantar e assistir o concurso de Miss Paraná. Quando voltamos para o quarto do hotel, nem toquei nele. Agia como se estivesse detestando sua presença ali. E quando ele adormeceu eu fiquei velando o seu sono, pedindo para o anjo da guarda dele que tirasse da cabeça e do coração dele aquele amor que sentia por mim. Eu não queria e nem merecia tudo aquilo.
Passei a noite toda imaginando o que eu iria fazer para ele me esquecer. Queria que ele me odiasse, mas não era isso que ele sentia por mim. Ele ainda mantinha a inocência e a pureza no coração, coisas que eu tinha perdido no meu último relacionamento.
Retornamos para Jandaia do Sul, mas ele morava bem longe, em outra cidade. Ao chegarmos de viagem, eu o deixei no meio da rua com toda sua bagagem.
-Não posso te levar pra minha casa.
-Disse a ele dando-lhe as costas.
 Claro que poderia ter levado, mas menti descaradamente! Fiquei a tarde toda me remoendo de vontade de procurá-lo e trazê-lo de volta. Mas minha razão dizia que se eu fizesse isso, jamais iria afastá-lo de mim. Não queria sofrer, mas assim eu fazia com que o Leonardo sofresse cada vez mais.
Como o Leonardo morava numa cidade muito longe dali, ficou esperando o horário de iniciar as aulas na faculdade. Como era um garoto estudioso, não daria tempo de ir para casa e depois voltar para a Faculdade.  
Leonardo começou se afastar cada vez mais de mim. Eu sofria muito, mas não demonstrava para ninguém, mesmo para os amigos mais chegados. Queria tê-lo novamente em meus braços, beijá-lo com todo fervor, sentir seu cheiro, seu sorriso maroto de quem estava descobrindo pela primeira vez o amor, de quem trazia em seu olhar a pureza que me contagiava sempre.
Sabia o que estava fazendo com ele, era algo terrível! Mas não queria admitir que eu também estivesse apaixonado por ele. Não podia, não posso! Nem sei quantas vezes repeti isso para mim mesmo.
Quando ele saiu definitivamente da minha vida e o via passando pelos corredores da Faculdade, sentia raiva de mim mesmo, por ser o único responsável por ter feito os nossos corações sofrerem. E como sofremos um sofrimento calado. Aquele garoto encantador também deveria estar sentindo a mesma coisa. Só que para ele era muito pior, porque ele não sabia o motivo que me levava a tratá-lo daquela maneira.
Senti-me novamente sozinho e fiquei deprimido. Mas desta vez foi tão forte que fui obrigado a fazer um tratamento com medicamentos. Era triste me ver daquela maneira, eu mesmo não sabia como reagir. Ainda mais que era o único responsável por tudo aquilo. Tinha mesmo que sofrer.
Sempre fui de me entregar e me apaixonar facilmente, e quando entrava num relacionamento, era por inteiro. Se valesse a pena, tudo bem, se não, pelo menos eu tinha vivido aqueles momentos com toda intensidade.
Como já havia terminado a Faculdade e nada mais me prendia àquela cidade, resolvi mudar de vida e de cidade também.
















CAPÍTULO 26




           Deixei minha família e fui embora para São José dos Pinhais, cidade que eu conhecia somente a região próxima ao aeroporto. Foi uma sugestão feita pelo próprio médico, de que eu precisaria ir para outra cidade, conhecer pessoas diferentes, enfim, iniciar uma nova vida. Claro que a cidade escolhida foi o destino quem colocou no meu caminho.
Minha irmã que mora em Curitiba, me ligou e disse que estavam precisando de professores da minha área, em seguida entrei em contato com a Secretaria do Estado do Paraná, confirmada a existência dessa vaga, arrumei as malas e vim para São José dos Pinhais.
Assim que cheguei a São José dos Pinhais, tomei a decisão de que minha vinda para aquela cidade seria somente para trabalhar. Ainda continuava no meu pensamento a idéia de que o amor não havia sido feito para mim. Minha vida era só trabalhar, e trabalhava feito um louco, sem ter tempo para pensar outra coisa. Quando não estava trabalhando, estava estudando para o concurso do Magistério, que seria a minha entrada como funcionário público do Paraná.
Mesmo longe de casa e da minha cidade, ainda estava muito triste. Disfarçava bem, as pessoas nem notavam que eu estava triste. Mas também, nem poderiam, pois eu estava iniciando num emprego novo e não poderia colocar em risco a minha profissão. Ainda mais que naquele ano eu queria prestar concurso para me efetivar como professor.
         Alguns anos mais tarde, recebi um recado do Leonardo no meu Orkut. Ele pedia o meu Messenger. Enviei e após a solicitação, aceitei-o no meu grupo de amigos. Só não entendi o que ele queria. Ele se mostrava uma pessoa amarga e irredutível a tudo que eu falava. Parecia até que só havia me procurado para tentar se vingar das coisas que eu tinha feito a ele no passado. Algumas vezes teclamos e ele sempre arrogante. Deixei isso de lado e cansei de querer entender o que ele queria comigo afinal.
        Trocamos telefone e um dia ele me liga para conhecer seu apartamento em Curitiba. Numa noite, resolvi ir até lá para revê-lo e também conhecer seu cantinho. Chegando lá, novamente me tratando com tanta frieza que eu não entendia. Também não entendia o papo dele, um papo estranho e confuso. Parecia que ele estava num estágio depressivo. Não agüentei ficar muito tempo lá. Inventei uma desculpa e fui embora.
         Passado alguns dias, ele manda recado pelo MSN que queria falar comigo. Liguei e novamente uma conversa sem nexo algum. Não sei o que ele queria comigo, apenas falava que eu tinha sido o primeiro homem da vida dele e que fui também a primeira pessoa que ele amou, depois disso não conseguiu amar mais ninguém.
         Eu sempre pedindo desculpas pelo o que eu tinha feito com ele, mas ele sempre retrucava com palavras estranhas. Acabamos de conversar ao telefone, entrei no computador e apaguei-o do meu MSN e nunca mais tivemos nenhum contato, não liguei e quando ele ligava, eu não atendia. Minha vida já estava bem tumultuada e realmente não queria mais um problema. As vezes passo na frente do prédio onde ele mora e até me dá uma vontade de entrar e conversar, mas tenho receio dele ficar falando sempre as mesmas coisas. Então acabo não entrando.
Tempos depois, minha família também veio morar em São José dos Pinhais e passamos todos a morar na mesma casa. Comecei há ter mais tempo, pois minha mãe fazia a comida e lavava a minha roupa. Arrumei outro emprego e meu tempo que já era curto, ficou quase que insuficiente para todas as minhas obrigações. Mantinha minha cabeça ocupada com o trabalho e o estudo para não ter tempo de me aproximar de ninguém. Imagina se eu arrumaria tempo para ter um namorado?
Saia com algumas pessoas, mas somente para transar. Não queria compromisso sério, apenas sexo casual, claro que sempre com segurança. Terminado o encontro, voltava para minha casa tranqüilo.
Não escondia das pessoas com quem me envolvia que era apenas prazer carnal, que jamais seria para ter alguma coisa séria. Tanto que nunca pedia o telefone delas. Só deixava o meu, para o caso de sairmos novamente se eu tivesse agradado.
         Durante anos levei essa vida de sexo sem envolvimentos e muito raramente durante a relação sexual ocorria beijo. Nunca ficava pensando no acontecido quando retornava para minha casa. Mantive casos desta forma com muitas pessoas lindas, que é até difícil dizer um número exato. Com muitos cheguei apenas conhecer pela Internet. Raramente saía com aquelas que não se classificavam dentro do padrão de beleza que eu havia criado.
Uma vez acabei marcando um encontro com um rapaz fora dos meus critérios. Pela internet até aparentava que sim, mas pessoalmente não era. Acabamos transando, uma transa bem interessante, e como sempre fazia, deixava meu número do telefone. Nunca pegava o do outro, para não cair em tentação e acabar ligando. Mas ele de certa forma chamou minha atenção, talvez pelo seu jeito carinhoso.
Uma semana depois ele me ligou e acabamos saindo novamente. Continuamos nos encontrando por algum tempo, até que ele me confessou que era noivo. Tudo bem por enquanto, mesmo porque não estava tirando ninguém de ninguém. Sempre fui sincero em dizer que era apenas sexo que ocorria entre nós dois.
O problema foi que após nossa relação sexual, ele deixou escapar que sua noiva estava grávida, e que ele iria se casar.
-Ótimo, gosto de pessoas que assumem e levam em frente os seus compromissos.
-Disse a ele.
-Mas isso não vai mudar nada entre a gente, não é?
-Ele perguntou com a cara mais deslavada do mundo.
-Como assim?
-Questionei.
-Claro que muda tudo! Não seremos mais “nós “e sim “eu serei eu” e você será “você, sua esposa e seu filho”.
-Falei, dando bastante ênfase na nossa condição dali para a frente.
Ele ficou me olhando com uma cara de bobo e eu aproveitei para continuar:
-Nunca mais nos encontraremos. Se você for homem o suficiente que acredito que seja, nunca mais sairá com outro homem. Você terá que dar exemplo para o seu filho. Não seria justo você ficar trocando sua mulher e seu filho por um estranho.
Deixei-o perto de sua casa e pedi que saísse do carro, e reforcei que entre a gente nunca mais poderia haver nada. Não concordo em sair com homem casado. Já tinha presenciado o sofrimento da minha mãe pelas constantes traições do meu pai. Não quero que outra pessoa tenha esse tipo de sentimento, ainda mais em ser trocada por outro homem. Para a mulher, acho que é muito humilhante e o sofrimento se torna maior, pois afeta sua auto-estemas. Ela deve se sentir a “última das últimas” na face da terra.
Havia pedido que ele apagasse o número do meu celular do seu, mas não o fez. Às vezes ele me ligava e isso foi me incomodando. Acabei trocando meu número e assim fiquei livre das suas investidas. Espero de coração que a escolha feita por ele esteja valendo até hoje, pois com um filho não podemos ser negligentes e insensíveis. Ele será uma pessoa que precisará de nós durante toda a vida.
Depois desse dia eu ainda o vi uma só vez, só que ele não me viu. Estava com sua esposa e seu filho. Ela aparentava ser uma mulher encantadora e o filho era uma criança linda e saudável. Não quis chegar perto, pois além de não me interessar por ele, não queria que ele tivesse o desejo de reatarmos nosso caso.
Continuei usando as pessoas para satisfazer-me sexualmente, pois era só isso mesmo que eu queria. Pelo menos eu achava assim, que “eu usava as pessoas”, mas nunca parei para pensar que também era usado por todos aqueles com quem eu saia.
Mantinha contato com todas elas através de um site de relacionamento. É muito fácil encontrar pessoas carentes que querem ou se propõem a manter uma relação sexual sem compromisso. Existem várias salas de bate papo, onde podemos encontrar todos os tipos de pessoas. São inúmeros perfis, só cabendo a nós escolher aquele que nos agrada e depois manter contato pelo MSN. Através do bate-papo e das fotos, selecionava quem realmente me interessava. Cheguei a ter mais de duzentas pessoas adicionadas. Claro que não saía com todas, e nem poderia.
Com alguns eu senti prazer enquanto com outros simplesmente tive uma sensação de desconforto, acompanhado de um enorme vazio. Quase sempre com os que me proporcionavam prazer eu nunca mais saía, para não correr o risco de me apaixonar.
Muitas pessoas também não queriam ter um relacionamento sério, buscavam apenas sexo pelo sexo. E para mim, naquele momento, era tudo o que eu queria também.














CAPÍTULO 27







          Em uma dessas vezes que conhecia alguém na Internet, falei com alguém que me chamou a atenção. Na verdade, foi à foto, e não a pessoa em si. Na foto ela estava somente de cueca azul marinho, deitado numa posição como se estivesse escorregando de uma cadeira dessas de escritório e com uma das mãos dentro da cueca. Achei a foto linda, e pedi o telefone desta pessoa. Somente nos falamos pelo telefone, e mesmo não o conhecendo pessoalmente ainda, tinha mexido comigo. Deu-me uma loucura e apaguei todas as pessoas da minha lista do MSN. Queria abandonar aquela vida, de usar e ser usado.
O destino agia a nosso favor, e quis que nos encontrássemos. Eu estava trabalhando no colégio, e dava uma bronca nos alunos do período da noite. Um deles me perguntou se o seu amigo poderia assistir aula na turma dele. Respondi que só se fosse por aquela noite. Nem eu e nem o rapaz nos reconhecemos de imediato do MSN. Somente algum tempo depois fomos nos lembrar.
Passei alguns meses sem entrar na sala de bate-papo. Queria apenas me dedicar ao meu trabalho. Mas como sexo é algo fundamental em minha vida, não deu muito certo. Como poderia viver assim se sou movido a sexo? Comecei a ser uma pessoa frustrada, nervosa, e já não tinha paciência com ninguém. Meus alunos me perguntavam o que estava acontecendo comigo. Eu sabia, mas não podia dizer que estava sentindo falta de sexo. (risos)
Não resisti à tentação e novamente voltei para a sala de bate papo. Conheci e marquei encontro com algumas pessoas, que até tive vontade de um “repeteco”, mas como jamais pegava o telefone delas, era meio difícil.
Uma noite, acabei reencontrando o rapaz da cueca azul marinho. De início não nos reconhecemos, mas quando ele colocou a mesma foto da cadeira, meu corpo tremeu, senti uma emoção forte... Fiquei na minha, sem demonstrar qualquer tipo de reação que me comprometesse. Marcamos um encontro na mesma noite, e ele me passou o endereço.
Fui até o local e apertei a campainha. Ele apareceu no andar de cima, numa varanda, e jogou a chave da porta. O local não era agradável, parecia mais um cortiço do que uma casa. Subi as escadas e fui até o quarto dele, que na verdade era de um antigo namorado dele. Mas isso eu só fiquei sabendo depois de algum tempo.
Ele deitou-se na cama somente de cueca, e fiquei em pé, apenas observando aquele monumento a minha frente. Por alguns instantes aquela visão me deixou totalmente embriagado de prazer e paixão. Era algo que não combinava com aquele ambiente de aparência tão desagradável...
Não queria tocá-lo, por enquanto queria apenas ficar admirando. Mas não poderia ficar somente assim, ele poderia me achar um louco. Como uma pessoa marca um encontro para transar e fica somente olhando? Não sou voyeur, então este não era o caso...(risos)
Em vez de ser uma simples relação amorosa, fizemos sexo com cumplicidade, mesmo não sabendo disso naquele momento. Foi muito gostoso, tudo com muito carinho e sem pressa. Parecia que conseguíamos flutuar naquela cama surrada. Durante toda a relação, senti que estávamos em outro lugar, cheio de paz e harmonia.
Já fazia muito tempo que não me sentia daquele jeito. Senti uma coisa diferente quando atingimos o orgasmo, uma leveza e vontade de ficar mais tempo grudadinho com ele. Ao invés de tomar banho e ir embora, como fazia na maioria das vezes, fiquei fazendo carinho em seu corpo e passando a mão pelos seus cabelos. Aliás, eles eram um charme: castanhos escuros e com muitos fios brancos contrastando em meio aos fios escuros. 
-Vou beijar sua alma.
-Disse a ele.
-Tudo bem.
-Ele concordou apesar de me olhar de uma maneira estranha.
Depois de muitos anos eu voltei a beijar “a alma” de alguém. Ele havia sido a primeira pessoa após o André em quem eu dava aquele beijo. Senti que ele era especial e sei que também se apaixonou por mim na primeira vez em que nos vimos.
Encostei meus lábios em seu olho esquerdo e dei-lhe um beijo. Já que os olhos são a janela da alma, beijando-os estava beijando a alma dele. E foi isso que fiz com o Rodrigo, esse era o seu nome, beijei sua alma com muito carinho.
Rodrigo é um rapaz de um metro e noventa, magro, olho e cabelos castanhos escuros e de um olhar triste. Queria colocá-lo no colo e cuidar dele para sempre. Seu olhar foi o que me chamou a atenção. Parecia perdido na vida, deslocado, como se não fizesse parte daquele mundo onde vivia.
Queria ficar ali com o Rodrigo durante toda a noite, mas não podia. Ele já havia marcado de sair com os amigos. E ele nem me conhecia direito ainda para fazer essa troca.
Ficamos nus deitados numa pequena cama, num minúsculo quarto. Eu observava que os objetos sobre os móveis pareciam ter sido encontrados na rua, ou quem sabe doados. Era um quarto tão pequeno que mal cabiam duas pessoas.
-Preciso ir embora.
-Disse isto já me levantando da cama e comecei a me vestir.
Ele colocou um roupão para me levar até a porta. Foi à primeira vez que pedi o número do telefone para alguém com quem eu tinha marcado encontro. Claro que também fiz questão de confirmar se ele havia anotado meu número de telefone corretamente.
-Difícil não se apaixonar por você... E se isto acontecer, o que faço?
-Disse o Rodrigo chegando bem perto de mim.
-Primeiro você se apaixona e depois a gente vê o que faz.
-Respondi sorrindo.
Quando estava saindo do quarto ele me disse:
-Eu estou falando sério!
-E por que não?
-Eu disse
Foi nesse momento que percebi que o Rodrigo se apaixonou por mim. Beijamo-nos e marcamos um encontro no dia seguinte.
Liguei para o Rodrigo no outro dia à tarde, na verdade, pela primeira vez fui eu quem ligou. Marcamos o horário e o local para nos vermos, e fui ao seu encontro naquela noite. Novamente fizemos amor, de uma maneira despojada, sem frescuras, sem limites, somente duas pessoas se entregando e satisfazendo o desejo da carne e da alma. Inexplicável a sensação maravilhosa que ocorreu naquela noite! E outras viriam.
Duas semanas depois que estávamos saindo, fomos viajar para cidade dos pais dele, em Iguape, uma cidade do litoral Paulista. Chegando lá encontramos com os pais dele. O Rodrigo não sabia o que fazer e apresentou-me como amigo a eles. Fui muito bem recebido e eles acabaram nos dando a idéia de irmos para a casa deles, já que ali não tinha espaço para ficarmos. Na verdade, seus pais residiam em Itanhaem, outra cidade litorânea de São Paulo. Ele me olhou com uma carinha de safado, como se dissesse: “Lá vamos estar sozinhos e podemos nos amar a vontade”.
Mesmo cansados pela viagem, viajamos mais um bom trecho até chegarmos a Itanhaem. Estávamos sozinhos e podíamos fazer o que desejássemos. Foi um feriado maravilhoso, onde acabamos nos conhecendo melhor. Conforme nos conhecíamos, mais o sentimento que nos unia aumentava.
O Rodrigo me mostrou os pontos turísticos da cidade, e tiramos horrores de fotos. Assim demos início a um romance que parecia seguro e duradouro.
Acabamos nos apaixonando, e depois de um mês de namoro resolvemos morar juntos. Os primeiros meses nos dávamos muito bem, apesar de algumas pessoas tentarem destruir nosso relacionamento. Mas a gente sempre conseguia dar a volta por cima.
Nosso apartamento era simples, e no começo não tínhamos muita coisa. As louças eram lavadas no tanque de lavar roupas, mas aos poucos, fomos comprando o que era necessário, até que conseguimos deixá-lo aconchegante. Todos que nos visitavam sempre elogiavam o nosso cantinho de amor.
Às vezes, sentia que estava sendo vigiado dentro da minha própria casa. Geralmente estava sozinho em casa, a não ser pela presença da Madona. Ela era uma gata, que deitava comigo na cama quando assistia a um filme nas minhas horas de folga.
Do nada, ela levantava sua cabeça e ficava imóvel olhando em direção ao corredor. Nas primeiras vezes achava normal ela fazer isso, mas depois de algum tempo, comecei a ficar intrigado. Uma vez perguntei a ela se tinha alguém ali, e com um miado agudo, parecia que ela tinha me respondido algo. Foi nessa vez, que a vi trazendo seu olhar para mais perto, contornando a cama e parando fixamente seu olhar nos pés do móvel. Ela levantou e foi até o final da cama, e parecia que estava recebendo carinho de alguém. Imediatamente me lembrei do André, ficando todo arrepiado, e surgiu em mim uma mistura de saudade e medo, de felicidade e angústia.
Fixei meu olhar em direção onde a Madona estava olhando e perguntei:
-É você quem está aqui André?
 Se era ele ou não, nesse momento a Madona me deu uma olhada e saiu do quarto. Senti como se alguém tocasse em meu rosto... Que paz, que sentimento de estar sendo protegido e amado! Parecia que naquele momento minha alma havia saído do meu corpo para abraçar aquela outra alma que ali estava e que meus olhos não conseguiam ver.
Sem fazer nenhum gesto ou mesmo falar algo, senti que meu corpo havia ficado vazio e ao mesmo tempo era preenchido por um sentimento que havia ficado no passado. Lágrimas desceram pelo meu rosto, sem que eu tivesse nenhuma vontade de chorar. Eram lágrimas de felicidade.
De repente, um silêncio tomou conta do meu quarto, encostei meu corpo na cabeceira da cama e fui adormecendo. Acordei com a respiração forte da Madona no meu rosto. Senti minha alma de volta e um aroma forte de café, igualzinho ao que Dona Irene passava na fazenda em Minas Gerais. Era como se eu tivesse voltado no tempo.
Sem perceber, estava chamando o André, apesar de não ter nenhuma resposta ao meu chamado. Mas a Madona deitou em cima do meu peito e deu uma miada como se quisesse me dizer que não tinha mais ninguém no quarto. Ela adormeceu no meu peito e eu procurei não pensar mais nisso.
À noite quando o Rodrigo voltou do trabalho, quis fazer sexo em todos os cômodos do apartamento, como se deixássemos a impressão de nossos corpos em todos os ambientes. Seria uma espécie de batismo do apartamento, com inúmeras sensações de amar.
Mas eu o traía em meus pensamentos. Fiquei o tempo todo imaginando que era o André que estava ali comigo. Tinha que ficar me policiando para não dizer o nome dele. Mas era com o André que naquele momento estava fazendo sexo. Nossa, que delícia! Senti todas as emoções que haviam partido junto com o meu grande amor, há muitos anos atrás. Fiquei confuso com meus sentimentos. Será que o Rodrigo era a pessoa que meu coração procurava há tantos anos? Ou o André seria meu único e verdadeiro amor, a quem eu nunca deixaria de amar? Só sei que aproveitei cada segundo, cada toque que o Rodrigo fazia em mim. Era algo inexplicável, uma sensação forte, que fazia o meu corpo todo estremecer.
Fizemos muitos planos juntos, mas morar junto com alguém é necessário querer compartilhar, dividir e muito mais ainda, saber ceder quando preciso.
A diferença de idade entre nós dois não era tão grande. Ele era apenas dezesseis anos mais novo, mas tínhamos os mesmos ideais. Tudo levava a crer que nos daríamos muito bem.
O nosso relacionamento durou dois anos. Começamos a brigar por causa de tudo, nos separamos e voltamos por umas três ou quatro vezes. E a cada reconciliação, nossa, era fantástico! Amávamos-nos como dois loucos, esquecendo o mundo lá fora e vivendo intensamente cada momento, cada prazer. Parecia que nunca tínhamos feito sexo juntos na vida, e que estávamos descobrindo cada pedaço dos nossos corpos naquele instante.
Nossa relação estava cada vez mais forte, eu como sempre, sou muito romântico e carinhoso.
Rodrigo nunca teve uma festa de aniversário. Resolvi fazer uma festa surpresa, chamei alguns amigos em comum e ficamos esperando ele chegar do trabalho. Quando ele chegou e viu aquela festa, ficou muito emocionado. Parecia uma criança quando se faz uma festinha de aniversário.
Quando as pessoas foram embora, peguei minha carteira que estava em cima de um móvel, mas achei estranho, porque parecia que alguém tinha mexido nela. Resolvi abrir e ai constatei que havia sumido dinheiro. Não poderia acusar ninguém e acabei nem falando para o Rodrigo.
Passados alguns dias, houve um outro acontecimento, que acredito que me marcou profundamente e me fez rever os meus sentimentos e também começar a duvidar dos sentimentos do Rodrigo. Estávamos pintando o apartamento e pedimos pizza, eu na cozinha e Rodrigo em um dos quartos. Quando a pizza chegou, esqueci de pedir troco e ele pegou dinheiro trocado em sua carteira e me deu. Ele me disse que voltou a colocá-la ao lado da televisão.
         Começamos a comer e chegou um amigo dele, aquele que era aluno no colégio em que eu trabalhava, e que havia pedido para ele assistir uma aula. Continuamos a comer e o seu amigo foi ao quarto assistir televisão. Naquela noite não percebemos nada, mas no dia seguinte Rodrigo percebeu que sua carteira tinha sumido. Reviramos tudo, tiramos tudo do lugar, reviramos o lixo e então sugeri que ele ligasse para seu amigo. Se estivermos somente nos três no apartamento, apenas um de nós é que poderia ter pegado a carteira.           Como esse amigo dele já havia pegado dinheiro no apartamento algum tempo atrás e também já havia sido acusado de roubar o cartão de crédito de uma professora no colégio há alguns anos atrás, tudo levava a crer que era ele. O Rodrigo ligou, mas é claro que o seu o amigo negou tudo, e ficou como se nada tinha acontecido.
         Passado alguns dias saímos para tomar uma cervejinha com amigos e o assunto veio à tona. O Rodrigo se irritou e disse que não tinha certeza que foi mesmo o seu amigo quem havia roubado sua carteira.    Nossa, fiquei muito “puto da cara”! Justamente eu que o tinha ajudado tanto e ainda continuava ajudando? Não acreditei quando ele falou isso, pois a suspeita recaia sobre mim. Na mesma hora já perguntei:
         -Então, restaram apenas duas pessoas: eu e você. Como tenho certeza de que não fui eu e você tem certeza que não foi seu amigo, restou só você!
         Ele ficou chocado, mas ainda complementei dizendo:
         -Por que eu iria pegar sua carteira, se eu mesmo é que teria que repor o dinheiro, pois você não tinha de onde pegar para repor o prejuízo...
         Desde o dia do sumiço da carteira, minha paixão pelo Rodrigo começou a ficar abalada, pois além de desconfiar de mim, ainda continuava a levar seu amigo para dormir em casa, mesmo sabendo que eu era totalmente contra. Mesmo assim ele teimava em levá-lo. Só que toda vez que o seu amigo ia ao nosso apartamento, ele escondia a sua carteira com dinheiro.
Também não gostava do envolvimento que ele tinha com o pessoal da loja onde trabalhava. Eles se drogavam, um saía com o outro, era um relacionamento que passava dos limites entre colegas de trabalho. As moças casadas começaram a separar-se dos maridos e quando não se separavam, traíam e todos na loja achavam a situação normalíssima. As que tinham namorado beijavam os garotos da loja... Enfim, eu achava que era uma coisa totalmente fora dos padrões.
Tive a certeza que meus sentimentos por ele tinham acabado, pois ele não me transmitia mais confiança alguma. Restou somente o prazer sexual.     Nosso relacionamento acabou de uma maneira trágica e complicada. Eu estava magoado e ferido com tudo o que tinha acontecido e meus amigos não queriam mais me ver junto com ele. Também achava que nossa relação já tinha dado o que devia dar.
Ele era indiscutivelmente a melhor pessoa com quem eu tinha transado. Sabia como ninguém o que fazer para uma pessoa ficar presa a ele pelo sexo. Acredito que ele também pensava o mesmo em relação a mim, pois mesmo quando terminamos alguns dias depois ele já estava me mandando mensagens, dizendo que me amava e que me desejava. Por duas vezes acabamos transando sem estarmos mais juntos e nossa relação amorosa durava horas.
Afastamos-nos e cada um seguiu seu caminho. Mas continuamos a ser amigos. Eu sei que o Rodrigo ainda sente muito amor por mim, pois todas as vezes que conversamos, ele deixa isso bem claro, mas não vejo mais como poderíamos ter alguma coisa juntos.






CAPÍTULO 28





           Passado alguns dias, meus amigos me ligaram para dizer que tinham um amigo que achavam que se encaixava nos meus critérios de seleção. (risos)
Fiquei meio receoso, tinha acabado de sair de um relacionamento e ainda mais que o garoto só tinha dezoito anos. Acabei concordando em conhecê-lo. Seu nome é Felipe.
         Saímos para conversar e acabamos jantando num lugar muito agradável em Curitiba. Bebemos um bom vinho e ficamos um pouquinho alegres. A conversa estava ótima e tudo parecia se encaminhar para mais um relacionamento.          
 Retornamos para São José dos Pinhais, pois ambos morávamos lá. Quando estávamos chegando perto da casa dele, o Felipe me pediu que entrasse numa rua mais escura para que pudéssemos conversar mais um pouco. Do nada começamos a nos beijar, e ele foi se virando de costas para mim, tirando sua roupa e pedindo através de gestos que eu o penetrasse. Acabamos transando ali, dentro do carro mesmo.
Como eu ainda estava muito furioso com o Rodrigo pelo que ele tinha feito comigo, sentia-me vingado. Era como se eu estivesse o trocando por um garoto mais jovem e bonito. Tudo bem, o Felipe não era tão bonito como o Rodrigo, mas tinha certa beleza, sem contar que era onze anos mais novo que ele.
Cheguei a pensar que não ia rolar nada além de sexo com o garoto, e até tive um pressentimento que deveria cair fora. Geralmente não confio na minha intuição, e naquele momento ela me mandava ficar bem longe daquele menino. 
Segui minha intuição, até porque achei que o Felipe se entregou muito fácil, transando logo no primeiro encontro, como se fosse um garoto de programa. Não o procurei mais e continuei levando a minha vida em frente. Também não procurei saber nada sobre ele.
Já havia se passado uma semana quando recebi um telefonema do Felipe. Achei que ele não me ligaria, mas como ligou, e eu já estava uma semana sem sexo, marquei de nos vermos novamente. Saímos e transamos mais uma vez, e não sei como nem por que, começamos a ter um relacionamento mais sério.
Num feriado fomos viajar juntamente com um casal de amigos gays. Coincidentemente um dos meus amigos tinha sido professor dele no Ensino Médio, e me disse que ele era um garoto legal, que nunca tinha ouvido nada que desaprovasse sua conduta.
A viagem foi maravilhosa, nos divertimos um monte, fomos a lugares encantadores e românticos. Tudo contribuía para surgir mais uma paixão. Mas uma parte de mim, ainda ficava apreensiva. Não dei muita importância àquele sentimento e fui deixando a vida me levar, aproveitando cada segundo da viagem e daquele relacionamento.
Meus amigos usavam aliança de compromisso e um deles, o mais romântico, fez um comentário:
-Por que vocês também não usam uma aliança de compromisso?
Ficamos os dois calados, sem nenhuma resposta. Meu amigo também se calou e não fez mais nenhum comentário.
Voltamos de viagem e naquela mesma noite o Felipe me ligou sugerindo que a gente comprasse alianças, pois ele queria mostrar para as outras pessoas que o nosso relacionamento era sério. Fomos a um shopping e compramos um par de alianças, que ele mesmo escolheu. Mesmo sabendo que tudo isso era muito precipitado, deixei as coisas acontecerem. Talvez por deixar que ele e meus amigos me influenciassem.
Passamos a nos ver todas as noites. Mas um dia o Felipe acabou saindo sozinho e beijou um carinha. Só não transou com ele, porque descobriram que ambos eram passivos. Acabei descobrindo essa traição e mesmo não admitindo traição de espécie alguma, acabei perdoando o Felipe. Ele me disse que naquele momento não tinha certeza dos seus sentimentos por mim, e que na verdade nunca teve. Acho que pela situação que eu lhe proporcionava era vantajoso ficar comigo. Mas, enfim, foi só um “meio perdão”, pois dei o troco: o traí com o Rodrigo!
Foi muito gostoso meu reencontro com o Rodrigo, que como já disse, era muito bom na cama. Era difícil alguém superá-lo no sexo. O prazer da vingança foi doce. O Felipe chegou a desconfiar, mas não tinha provas que isso realmente tinha acontecido.
Acabei descobrindo que realmente o carinha com quem o Felipe tinha saído, era mesmo passivo. Uma vez estávamos num barzinho gay, e o tal carinha esperou o Felipe ir até ao banheiro para vir me passar uma cantada. Perguntei se entre eles havia acontecido algo mais além do beijo, e ele me disse que não. Chegou até a me dar o seu número de telefone, mas nunca liguei.
         Eu e o Felipe fomos levando nosso relacionamento, mas transar com ele não era bom. Mesmo tendo pouca idade, era extremamente safado na cama, gostava de apanhar, de ser mordido, e não era qualquer mordida não! Tinha que ser daquelas que deixam marcas. Definitivamente ele não gostava de sexo carinhoso, mas de sexo animal, selvagem, violento.  Não sei como agüentava fazer sexo daquela maneira. Muitas vezes me questionava se não estava doendo, pois depois de um sexo violento, não era normal não sentir dor alguma. E o mais incrível é que eu percebia que ele não sentia nada.
         Deveria ter percebido que o Felipe era uma pessoa anormal. Ele era interesseiro e apenas gostava de usufruir das pessoas, tanto na parte sexual como na financeira. E eu, novamente fui me enganando, querendo acreditar que esse relacionamento me faria esquecer-se dos meus sentimentos pelo André. Aliás, como todos outros relacionamentos que tive.
Insisti nesse relacionamento que nunca deveria ter começado. Mas um garotão cheio de vida, com vontade de tudo, acabou me envolvendo e me fazendo esquecer a voz da razão.
As perturbações no meu relacionamento com o Felipe foram se agravando até que esfriou completamente. Foi o romance mais perturbado e safado que eu já tive. Demorei um pouco para perceber que o Felipe não era uma pessoa confiável. Uma vez conversando com a mãe dele, ela me disse que o Felipe era viciado em mentir. Mas como achei que ele estava apaixonado por mim, poderia resgatá-lo. Quanta ingenuidade a minha!
Como diz o ditado popular “pau que nasce torto, nunca se endireita”. Mas, achei que eu conseguiria trazê-lo para a realidade. Desde o começo eu percebia que ele era muito mentiroso. Muitas vezes me falava umas coisas que realmente não condiziam com a realidade financeira da sua família. Eu acabava deixando para lá, achando que era coisa de criança, infantilidade, que um dia ele iria ver que mentira nunca é a melhor opção. Mas de infantil, ele não tinha nada. Ele era mesmo muito esperto, conseguindo ludibriar as pessoas. Com seu jeito meigo, ele fazia com que elas se apaixonassem por ele. Fico pensando como será o futuro desta pessoa... O que o futuro reserva a ele?
Mas com o Felipe aprendi a mais dura das lições: nunca confiar nas pessoas plenamente, a não me entregar totalmente sem antes saber como a pessoa é realmente. O pior de tudo é que eu sempre dizia a ele que detestava mentira e traição. Não adiantou, estava impregnado em sua personalidade e no seu caráter trapacear as pessoas, mentir, trair e enganar. Ficava fácil.
         Todas as pessoas para quem eu o apresentava, ficavam apaixonadas por ele. Também, ele se mostrava uma pessoa doce, simpática, educada e extrovertida! Realmente ele era muito bom nisso! Tanto que pela primeira vez eu tive um relacionamento onde acreditava que nunca havia sido traído. Pelo menos nunca fiquei sabendo de nada, e estas coisas sempre ficamos sabendo após o final de um relacionamento.
         O Felipe deve ter a alma negra, é do tipo de pessoa que não consegue dormir se não fizer maldade para alguém. Cara de anjo, mas alma de demônio!
         Uma vez fiquei sabendo que ele estava me traindo, mas ele negava sempre. O Rodrigo, que ainda me amava, me mandou uma mensagem contando tudo. Mas acabei descontando a raiva no Rodrigo, e o Felipe, que era o culpado, saiu-se bem nesse momento. Apesar de o Rodrigo nunca ter mentido para mim, fiquei na dúvida se ele havia me dito a verdade. Poderia ser porque o Felipe, além de estar com o seu ex-namorado (no caso eu), também havia ficado com seu emprego na loja.
Mas na verdade, aquela loja era mesmo para o Felipe, o lugar certo para ele trabalhar. Lá existia tudo, o que ele mais gostava, sentindo-se em casa, rodeado das coisas mais terríveis que um ser humano como ele desejava.
Desde que o Rodrigo me contara sobre a traição do Felipe, nosso relacionamento nunca mais foi o mesmo. Saía com o Felipe, mas meu sentimento por ele começou a secar. Minha cabeça estava cada vez mais confusa, e eu não sabia mais o que fazer.
Algum tempo depois, convidei o Rodrigo para irmos a um motel, mas ele estava resistindo, dando desculpas para não irmos. Foi nesse momento que eu desconfiei totalmente de sua fidelidade.
Fomos ao motel e naquela noite não fiz amor com ele, eu tive uma relação sexual, literalmente "trepei". Fiz sexo como se estivesse com uma pessoa estranha, sem nenhum tipo de sentimento. Apenas queria gozar e fazer com que ele se sentisse apenas usado. Foi um sexo selvagem, como ele gostava, e deixei-o esgotado. Falei que iríamos dormir lá mesmo no motel e ele topou.
Em pouco tempo já estava roncando. Então peguei o seu celular e constatei que ele estava armando de sair com um cara que ele já havia saído antes de estar comigo. A mensagem enviada pelo tal cara era muito vulgar para mim, mas para o Felipe, era condizente com seu caráter: baixo e sem escrúpulos, tão vulgar quanto às palavras que me chocaram. Fiquei imaginando com quantas pessoas ele já deveria ter me traído.
Acordei-o com muita brutalidade, joguei o celular em cima dele e disse para colocar sua roupa. Explodi de nervosismo, falei tantas coisas que achei que o talvez o tivesse magoado. Levei-o para casa e falei para sua mãe o que ele tinha me feito. Ela simplesmente me disse que já sabia que o Felipe ia aprontar, pois ele era igual ao pai. Pediu-me desculpas, fiquei sem jeito. Imagine a mãe do Felipe me pedindo desculpas.
Liguei para a mãe do Felipe no outro dia, para saber se estava tudo bem. Ela me disse que ele não quis conversar e pouco tempo depois já estava dormindo. Tive a certeza de que ele realmente não prestava, para ele ter agido com tamanha naturalidade, como se nada tivesse acontecido.
Fiquei dois dias desorientado, sem saber o que fazer. Não pelo sentimento que eu achava que tinha por ele, mas por não acreditar na minha intuição logo no início da relação.
Dias depois, conversando com uma amiga de sua mãe, descobri que não era somente ele que era assim: sua mãe também agia da mesma forma. Que família é essa, onde as pessoas são capazes de passar por cima das outras para se dar bem?
Passado alguns dias, o Felipe me mandou uma mensagem no celular me dando os parabéns, porque eu tinha conseguido o que mais queria. Não entendi, e devolvi a mensagem perguntando o que eu tinha conseguido? Como ele não quis falar, deixei para lá e levei a minha vida em frente. Tinha uma única certeza: quem mais perdeu nessa relação foi o Felipe. 
Um tempo depois, ele me ligou novamente, pedindo que eu não ligasse mais na casa dele. Achei muito engraçado, pois a casa dele não tem identificador de chamada e eu não tinha mais nenhum telefone para falar com ele. Tudo me levava a crer que ele havia se arrependido, mas eu não queria mais nada com aquela criatura.
Já estava em outra e nem me lembrava de que o Felipe existiu em minha vida. Apaguei também tudo que se relacionava a ele da minha cabeça. Pessoas assim é melhor que fiquem bem longe de nós, pois trazem fluídos negativos.
Hoje em dia, tenho pena do Felipe, pois pode ser tarde quando perceber que o que faz para outras pessoas pode um dia voltar para ele mesmo. Na verdade nem quero estar perto quando isso acontecer. Provavelmente irá se machucar muito, ou talvez não. Acabei descobrindo que ele é muito frio e calculista, e uma pessoa assim, não tem sentimentos por ninguém, muito menos por si mesmo. Sinto muito que ele não aproveitou nada que eu tentei ensinar a ele.
Consegui apagar de vez o Felipe da minha vida, e fiquei surpreso com a facilidade que consegui isso. Percebi que sou muito melhor do que ele, pois prefiro manter a minha dignidade e nunca usar as pessoas desta maneira.
No período em que rompi com o Felipe, voltei a sair com o Rodrigo que ainda me ligava às vezes me convidando para sair. Mas ele já estava casado. Dizia a ele que não seria justo com o seu namorado, mas ele dizia que não sentia nada por ele, e, portanto, não seria uma traição. Afirmava que o grande amor da vida dele era eu.
Magoado como estava, não pensei duas vezes. Algumas vezes, transei com o Rodrigo na cama que ele dividia com seu parceiro. Acredito que ele até soube da nossa transa, pois um dia me ligou e me convidou para fazer sexo a três. Achei muito estranho, mas dei abertura para ele continuar falando sobre isso. No segundo ou terceiro telefonema, perguntei:
-Você não gosta do Rodrigo?
Ele foi muito taxativo, dizendo:
-Eu o amo...
Nem deixei acabar de falar e questionei:
-Se você o ama de verdade, jamais permitiria que outro homem o tocasse, ainda mais um antigo namorado. Você não o ama, não! Está apenas o usando para satisfazer o seu prazer.
Ele desligou o telefone e eu fiquei achando tudo aquilo muito estranho. Nunca mais saí com o Rodrigo, pois não queria participar de um triângulo amoroso.
Passei a receber telefonemas estranhos, e pior, sem identificação de chamada. A pessoa me ligava e nunca falava nada. No começo me deixava muito bravo, mas depois eu até gostava de receber, pois era sempre no mesmo horário. Deixava o celular do lado e ouvia a respiração da pessoa que estava no outro lado. Até que um dia a pessoa do outro lado sussurrou com uma voz rouca que já havia saído comigo e queria repetir novamente a transa que havíamos feito.
Encontrei-me com o Rodrigo casualmente no shopping e comentei com ele as ligações que estava recebendo.
-Acho que é o seu namorado que estava me ligando.
Ele ficou calado, sem falar nada, e simplesmente foi se afastando de mim. Sua fisionomia dizia que estava envergonhado por seu namorado estar fazendo isso.
No outro dia o namorado me ligou para dizer que não era ele que estava fazendo as ligações. Mas, o mais engraçado, que mesmo falando normal, deu para sentir que era a mesma pessoa que fazia as estranhas ligações diárias. Cheguei à conclusão que era ele mesmo, pois depois daquele dia, nunca mais recebi nenhum telefonema.
Como diz o ditado popular “Sempre após a tempestade vem à bonança” e foi isso que aconteceu.










CAPÍTULO 29





            Sabia que algo novo apareceria na minha vida. Estava sem fazer nada, quando o meu telefone tocou. Ao atender fiquei surpreso. Era alguém da APAE de Cambira, me convidando para acompanhá-los em um importante evento. Iria acompanhar toda a equipe e os alunos que concorreriam ao prêmio de Artes Cênicas no Festival Nacional das APAES, em Bento Gonçalves no Rio Grande do Sul. Eles representariam o Paraná. Nossa, fiquei radiante! Como este convite me fez bem! Ainda mais que eu estava um pouco deprimido devido à decepção que tive com o Felipe. Topei na hora.
 Precisava me agilizar, pois eles já estavam vindo para Curitiba, e eu tinha pouco tempo para arrumar minhas malas. Estava feliz por ter a oportunidade de estar novamente com aquelas crianças, que sempre conseguiam renovar minhas forças e me davam muita paz.
Passei uma semana maravilhosa, fazendo parte de um mundo repleto de inocência. Fomos vencedores! Aquelas crianças haviam conquistado o prêmio de melhor grupo de teatro do Brasil. Quanta felicidade!
Quando saiu o resultado, uma garotinha que era a mascote do grupo olhou para mim e perguntou o que estava acontecendo:
-Tio Robson, por que todo mundo está pulando e gritando?
-Nós vencemos o festival, querida! - respondi àquele encanto de menina soltando uma gargalhada de alegria.
Ela ficou parada e começou a chorar. Suas lágrimas escorriam por seu pequeno rostinho, me deixando assustado. Em meio a todo aquele tumulto, me abaixei e perguntei:
-Mas por que você está chorando, meu bem?
Em meio a soluços ela me respondeu:
-Eu não acredito que nós vencemos o festival! Isso é muito importante, e minha vózinha vai ficar muito feliz.
Como poderia uma criança de seis anos se importar com a felicidade da sua avó? Como essas crianças são sentimentais! Elas sabem fazer com que nós nos sintamos muito pequenos na expressão de nossos sentimentos se comparados a elas.
Naquela mesma noite retornamos à Curitiba. Demoramos em dormir, pois a emoção tinha tomado conta de todos nós. Aliás, os adultos estavam muito mais felizes do que as crianças.
Em minha opinião, aquelas crianças haviam atingido a perfeição. Foram fantásticas e pareciam profissionais perfeitos atores.
         Ao voltar para São José dos Pinhais, estava renovado e cheio de esperança, e sentia que minha vida tomaria um novo rumo.
         Aguardo confiantemente que isso venha mesmo a acontecer, e que eu possa encontrar alguém que me faça sentir capaz e preparado para viver outro verdadeiro amor novamente. Espero que esta pessoa vá suprir o vazio que se instalou em meu peito há muitos anos. Sinto saudades de ser feliz, de conquistar e ser conquistado.
Comecei a sair com mais freqüência, tentando reencontrar o amor, mas não está sendo assim tão fácil. Um amigo me indicou um site de relacionamentos, e me inscrevi. Muitas pessoas foram surgindo, me enviavam mensagens e comecei a selecioná-las, como se fosse possível encontrar desta forma alguém por quem eu me apaixonasse e que também se apaixonasse por mim.
Minhas saídas de casa para os encontros foram se tornando cada vez mais freqüentes, mas também as decepções tornavam-se mais comuns.
         Com algumas pessoas que conhecia desta forma, mantinha apenas a relação virtual. Não tinha como dar continuidade, pois faltava a tal “química”. Com outros, ia da conversa ao sexo sem muitos rodeios, mas com muitos era apenas sexo casual mesmo, nem conversa existia.
         Acabei me tornando um adepto do sexo pelo sexo, me desviando do objetivo que tinha traçado: descobrir um novo amor. Agia como um animal no cio e não conseguia ver que eu estava sendo como muitas pessoas que eu criticava que feriam o sentimento da outra por fugir de um relacionamento sério.
Por algum tempo cheguei a pensar que amor era algo que jamais teria novamente. Deixei a vida me levar e com isso comecei a transar com todas as pessoas que passavam pela minha vida, chegando a enumerá-las. Mesmo que alguém fosse bom no sexo, fazia o possível para não sair novamente, tratando-o como apenas mais um troféu que havia conquistado. Sempre acreditava que estava usando essas pessoas e não percebia que o mais usado nesta história era eu mesmo.
Em alguns casos, cheguei a acreditar que alguém com quem estava era a pessoa certa para ter um envolvimento mais sério. Em outros, não via à hora de terminar o ato sexual.
         Não sei se é porque meu corpo expele meu desejo por sexo, mas sei que em todos os lugares que chego, chamo a atenção de muitas pessoas.
Já estou numa idade onde algumas características físicas talvez não sejam o padrão para freqüentar os lugares aonde vou, nem mesmo tenho mais a beleza que da minha juventude. Só sei que seja qual for o motivo, acabo chamando mais a atenção para mim agora do que quando era mais jovem.
Alguns amigos chegam a dizer que eu sou um verdadeiro sedutor, e posso até dizer que muitas vezes cheguei a acreditar nisto.
A verdade é que nestas saídas, acabei encontrando uma pessoa que acredito ser quem tanto esperei. Ainda estamos na paquera, e procuro ir com muita calma. Estamos na fase do conhecimento mútuo, e ainda não passamos da conversa.
Depois de tanto tumulto em minha vida, estou retornando a minha essência, que é me valorizar e também valorizar as pessoas pelo seu caráter, dignidade e honestidade. Percebi que ser popular por ter uma performance muito boa na cama, não me levará a nada.
Como diz o provérbio, é melhor conquistar a mesma pessoa todos os dias do que conquistar várias pessoas diferentes a cada dia.
Agora que consegui restabelecer o meu verdadeiro caminho, a vida está me fazendo acreditar que tudo é possível, que algum dia alguém fará meu coração amar novamente. Que venha com um jeito sedutor, romântico e carinhoso.
Hoje estou bem, me sentido outro homem, totalmente preparado para viver um grande amor. Enterrei as neuras e deixei o passado lá atrás, onde deve ficar. Tento apenas viver o presente, me preparando para o momento de ter no futuro uma pessoa especial ao meu lado. Quero voltar a ser feliz plenamente, e estou esperando por esse sentimento mágico, que virá a me envolver e me fazer acreditar novamente na vida.
Não me arrependo de nada que fiz, nem poderia, pois tudo o que passamos em nossas vidas é para o nosso crescimento pessoal. Mas penso que seria muito bom se eu tivesse tido alguém que me orientasse em algumas passagens da minha vida. Alguém em quem eu pudesse acreditar e confiar, com quem eu poderia falar dos meus sentimentos e angústias, sem ser visto como uma pessoa “anormal”. Eu poderia ter feito muitas coisas diferentes e com certeza não teria errado tanto. Mas onde “ele” estiver, sei que também deve ter se arrependido por ter sido tão duro comigo. Pai, onde estiver quero que saiba que toda a raiva que um dia senti por você não existe mais...
Hoje sei que foi por causa da educação que você teve, pela falta de amor que você não teve de seus pais, era o único jeito de amar que você sabia transmitir e é claro que não sabia lidar com a minha homossexualidade.
Consegui te perdoar! Demorou, mais consegui.
Com a minha mãe aprendi o sentido da dignidade, honestidade e do amor, ela é uma guerreira, que abriu mão do seu grande amor (meu pai), para ficar comigo, pois na época, meu pai pediu que ela escolhesse entre eu e ele. Obrigado mãe pelo seu amor, que foi ela que me fez acreditar que tudo na vida tem solução.
Quanto ao André, à saudade que tenho de sentir a sua presença ao meu lado sempre me acompanhou nesta minha estrada. Estou certo de que um dia vou reencontrá-lo, e assim poderemos dar muitas risadas dos problemas que passei durante esta minha trajetória de vida tão conturbada que tive. 
Ele deve ser o anjo mais lindo que está no céu, ou seja, lá onde for este lugar espiritual onde ficam todos que já partiram desta vida. Mas tenho certeza de uma coisa: preciso aprender a amar novamente! Tenho que dar chance para alguém penetrar a fortaleza que esse transformou meu coração, conseguindo convencê-lo de que amar é muito bom, que é o sentimento mais revigorante e importante na vida do ser humano.
Não posso reclamar de tudo que aconteceu na minha vida, pois tudo isso foi para meu crescimento pessoal e fez parte da minha aprendizagem. Enfim, o meu coração e minha mente estão preparados para o meu reencontro com o amor.
Esse momento é o que mais desejo e aguardo com ansiedade, e tenho certeza que está próximo, muito próximo.


   Jamais um FIM,


                     e sim um novo COMEÇO!













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