sábado, 14 de janeiro de 2012


CAPÍTULO 16










         Tempos depois, fui convidado para fazer parte da mesa julgadora do concurso de Miss Londrina.  Concorriam lindas mulheres, mas a vencedora era justamente a que mais me chamou a atenção. Ela era uma mulher linda, morena jambo, olhos grandes, que prendia a atenção de todos, inclusive a minha mesmo eu sendo gay. Ela também acabou se interessando por mim. Insistindo em dizer a mim mesmo que eu poderia “largar de ser gay”, investi na garota e começamos a namorar naquela mesma noite. Para quem teve um professor como o Robert, ficava difícil não conseguir que alguém caísse no meu papo. 
Quando meus pais quando ficaram sabendo, sentiram muito orgulho de mim. Parecia que eu tinha conquistado algo muito valioso. Talvez eles achassem que eu tinha mudado e parecia mesmo que eu estava sendo outra pessoa. Sentia que ser gay era algo que poderia ser mudado, talvez porque eu tinha conseguido conquistar aquela bela mulher, desejada por todos os homens da cidade.
Eles se aproximavam de mim para puxar assunto, mas é claro que eu sabia que era para ver de perto a mulher linda que estava ao meu lado.
Ficamos um bom tempo juntos, mas ela se apaixonou de uma forma tão doentia que me sufocava. Era muito ciumenta, não deixando ninguém chegar perto de mim, nem mesmo minha irmã. Pode isso? Começamos a nos desentender e eu, queria romper o nosso relacionamento. Mas cada vez que eu mencionava isso, ela ficava transtornada. Como eu tinha receio dela fazer algo errado, acabava dando mais uma chance.
Um dia, ela chegou até mim dizendo que estava grávida. Foi um baque! Como seria minha vida ao lado de uma pessoa que eu não amava? Seria uma tragédia ter que fingir o tempo todo algo que não sentia. Mas ao mesmo tempo, fiquei muito feliz com a notícia de ser pai. Era algo que eu desejava muito.
Pedi a ela que aquele fosse um segredo nosso somente nosso. Não queria que meu pai soubesse, pois imaginava que ele me faria casar na mesma hora, e eu não queria. Ela entendeu e continuamos o nosso namoro. Isolamos-nos do restante dos amigos, e apenas fazíamos “programas de casal”.
Encontrávamos-nos somente durante os finais de semana, pois morávamos em cidades diferentes, que nem eram tão perto assim uma da outra.
Numa tarde de sexta feira eu fui jogar futebol com meus amigos. A irmã de um amigo estava lá, assistindo nosso jogo. Ela, bem prestativa, foi buscar água para o time. Não sei por que, quando retornou, acabou me chamando primeiro para beber água. Tomei e a agradeci com um beijo no rosto, uma maneira carinhosa de tratar as pessoas, somente isso. Alguém ligou para a minha namorada e ela, como era ciumenta, sem pensar duas vezes, veio “voando” com o carro até minha cidade.
Deveria estar com a velocidade muito alta mesmo, pois não conseguiu fazer uma curva na rodovia que ligava os dois municípios. Acabou sofrendo um acidente e capotou o carro.  Ela foi encaminhada para um hospital e lá chegando, constataram que havia perdido a criança. Foi um choque terrível, tanto para nós dois! Desde aquele dia, nossa relação foi esfriando e, de certa forma, diminuindo seu sentimento por mim. Eu só mantinha nossa relação por pena de deixá-la sozinha, mas não conseguia esconder minha insatisfação. Percebendo isso, ela disse:
-Não vou mais te deixar triste e confuso. Eu te amo tanto que prefiro te ver feliz ao lado de outra pessoa, do que infeliz ao meu lado.
Conversamos muito, me sentindo livre, mas ao mesmo tempo também preocupado com ela. Mesmo sendo totalmente neurótica e ciumenta, ela tinha um coração enorme. Passei momentos lindos e agradáveis ao seu lado. Ela me fez acreditar que tudo na vida tem um sentido, que nada vem até nós por acaso.
Terminamos, e por um bom tempo passamos a nos ver com freqüência, apenas como amigos. Somente quando ela começou a namorar um carinha da sua cidade paramos de nos ver. Ele conseguia ser mais ciumento do que ela! E tinha motivos, pois a Madá era realmente uma mulher lindíssima e cobiçada pelos homens.
Ele estava dando a ela um amor que eu jamais poderia dar. No fundo, fiquei muito feliz por ela ter encontrado alguém que poderia valorizá-la como eu não tinha conseguido. Nem poderia, não é mesmo? Eu era gay, e mesmo querendo não ser, não seria justo nem comigo e nem com ela termos dado continuidade nessa relação. Claro que ela não sabia da minha orientação sexual, acho que seria um susto muito grande para ela, ainda mais que achava que ser gay era uma aberração da natureza! Várias vezes eu a ouvi dizer que não conseguia entender como duas pessoas do mesmo sexo poderiam sentir amor. Sempre que surgia este assunto, eu ficava chateado e apenas concordava com a cabeça. Consentia com a idéia que isso era terrível. Na verdade, terrível era a negação do que eu realmente era.
Ela se casou, e me convidou para o seu casamento. Foi uma festa muito agradável, onde conheci várias pessoas. Uma delas acabou me fazendo um convite para trabalhar em uma de suas lojas em Londrina. Estava precisando de uma cara nova, gente bonita e que fosse extrovertida. Fiquei totalmente feliz com o convite e é claro com o elogio. Pedi um tempo para decidir e ele me deu uma semana para dar uma resposta. Mas como tinha certeza que eu iria aceitar, pegou a numeração dos meus documentos para dar início à contratação.
Na hora de me despedir do pessoal na festa, ele me disse:
-Até mais, meu mais novo funcionário.
Eu apenas ri e fui embora.
No outro dia, liguei para Joana, a amiga que fiz no grupo de modelos da Titu's. Ela estava morando em Londrina, e me disse que trabalhava no shopping. Falou que a loja onde fui convidado para trabalhar era perto da loja dela, e que era uma loja bem legal.
-Se eu fosse você, aceitaria na hora o convite, sem pensar muito na proposta.
-Me disse.
Resolvi aceitar e fui embora de Cambira, rumo a Londrina.













CAPÍTULO 17




          Lá estava eu, iniciando uma nova vida, muito diferente da que eu levava naquela cidadezinha minúscula que era Cambira.
 Fiquei temporariamente morando no apartamento da Joana. Era um apartamento pequeno, de dois quartos, que ela dividia com seu irmão Adilson. Foram poucos dias, mas muito divertidos.
O Adilson era uma figura! Divertia-me muito com suas palhaçadas. Ele era policial rodoviário, passava a maior parte do tempo fora, e quando chegava ao apartamento era uma festa total. O telefone não parava de tocar, pois as mulheres sabiam que ele tinha chegado. A coisa complicava, e não sei como ele dava conta de gerenciar aquela confusão!
Eu atendia os telefonemas me fazendo passar por um mordomo, como se ali fosse uma mansão. Falava para a pessoa do outro da linha que aguardasse uns instantes, pois iria procurá-lo. Batia o dedo nas teclas do telefone e voltava a falar para a pessoa:
-Na piscina ele não está... Vou ver na sauna.     Novamente batia o dedo nas teclas do telefone, como se estivesse passando a ligação. E as pessoas acabavam acreditando na nossa brincadeira... Pensa que o Adilson ficava bravo com aquilo?  Divertíamos-nos muito, rolando no sofá de tanto rir. E repetíamos isso sempre que ele chegava de viagem.     
Mesmo nos dando muito bem, eu não poderia continuar ali, tirando a privacidade dos dois irmãos, pois o apartamento era pequeno para todos nós. Fui então morar no apartamento de Maria, uma conhecida da Joana. No começo me sentia mal, mas aos poucos fui me acostumando com o seu jeito de ser e acabei aprendendo muito com ela.
Que mulher pirada! Eu já havia conhecido muita gente louca, mas como ela jamais vou encontrar. Era muito engraçada, e foi com ela que aprendi a ser mais direto, não permitindo que ninguém zombasse de mim. Na verdade, foi ela quem me ensinou a fazer baixaria, se for necessário. (risos)
O apartamento da Maria era bem transado. Ela podia ser louca, mas sabia muito bem como decorar um ambiente com pouco dinheiro. Todo o apartamento tinha objetos alternativos. Ficava no terceiro andar, e da janela da sala podíamos ver a piscina do prédio, localizada acima da garagem do prédio e quase no mesmo nível. No norte do Paraná, faz muito calor, e como só começava a trabalhar a partir das 14h00, no verão eu aproveitava a piscina todos os dias. Por isso estava sempre muito bronzeado. Também adorava ficar ali à noite, mesmo depois das 23h00, lendo um bom livro. Aquele ambiente era a parte do prédio que eu mais gostava.
Comecei a fazer muitas amizades, como sempre. Não sei o motivo de ser tão popular, mas acredito que talvez seja pela maneira como sou: despachado, alegre, confiante, amigo... Mas na verdade, sou mesmo um “porra louca”.
Como a Maria tinha muitos amigos, nosso apartamento vivia cheio de gente, principalmente nos finais de semana. Nesse período eu estava apenas a fim de me divertir, viver a vida... Não queria saber de nenhum relacionamento sério. Tinha vivido recentemente dois relacionamentos, com acontecimentos que me fizeram sofrer muito. Tinha sido muito difícil me recuperar, e por isso estava com medo de passar por tudo aquilo novamente. Não queria mais ser rejeitado e muito menos rejeitar alguém. Estive nas duas extremidades.
Minha vida era trabalhar, sair para as baladas, visitar amigos e principalmente ir ao apartamento da Joana. Como não gostava do jeito de ser da Maria, ela não vinha muito em minha casa.
A Maria era ninfomaníaca! Cada vez que ficava sem sexo por mais de uma semana, ficava louca e até agredia verbalmente todas as pessoas a sua volta. Sem contar que vivia quebrando tudo dentro do apartamento.
Uma vez estive visitando a Joana e comentei com ela:
-Não estou mais suportando a crise de abstinência de sexo da Maria. Acho que a qualquer momento ela vai começar a agredir todos nós.
-Dizia eu rindo.
-Já fazem mais de seis dias que ela não faz sexo! 
-Tenho a solução para os seus problemas!
-Disse a Joana e começou a rir.
         -Sério? Qual é?
-Perguntei. 
         -O Adílson vai chegar agora à tarde, e como ele vem sempre doido para transar, vamos unir o útil ao agradável.
-Ela me respondeu e deu uma gargalhada.
Imediatamente ligamos para o Adilson, e o convidei para jantar em casa. Ele topou. Ótimo! Tudo arrumado para solucionar o meu problema, ou melhor, o da Maria. Caímos na risada, imaginando a situação logo mais, à noite. Fomos ao mercado, e a Joana me ajudou a comprar as coisas para o jantar, me dando as dicas do que o Adilson gostava de comer.
Fui para casa e comecei a preparar o jantar. Avisei a Maria que tínhamos visita para o jantar e pedi a ela que queria ficasse linda e cheirosa. Desculpa o comentário, mas não tinha como ficar bonita... Ela era algo parecido com um extraterrestre! (risos) Se fosse hoje, até que o seu estilo faria sucesso, mas naquela época, era uma aberração.
Tudo preparado para o jantar, só ficamos esperando o Adilson chegar. Não demorou muito, e ele chegou. Convidei-o para entrar e ficamos conversando um pouco na sala. A Maria estava se arrumando, e de repente saiu do quarto, num vestidinho curtíssimo, com o sexo à flor da pele! Ela deve ter percebido que estava arranjando tudo para ela ter um bom sexo.
Enquanto jantávamos e oferecia bebida para o Adilson. Nada podia sair errado. Apesar de que, o Adilson transava com qualquer uma mesmo. Se fosse mulher ele já saía traçando! Seu negócio era transar e aliviar a tensão.
Depois que vi que ele já estava bem alto por causa da bebida, falei para a Maria:
-Vá para o quarto e espere que eu leve o Adilson até lá. Daí para frente é com você!
Levei em frente meu plano, mas não demorou muito, ouvi gritos vindos do quarto. Fui ver o que estava acontecendo. Era a cena mais engraçada que vi em toda minha vida: a Maria, somente de roupa íntima, segurava uma das pernas do Adilson. Ele, com as duas mãos segurando no batente da porta, tentava sair de dentro do quarto dela.
-Mas o que é isso? O que está acontecendo aqui?
-Perguntei. 
-Estou sendo violentado!
-Disse o Adilson desesperado.
Comecei a rir feito louco e disse a ele:
-Poxa Adilson, você transa com qualquer uma... Por que não quer transar com a Maria?
         -Transar com qualquer uma tudo bem, mas isso aqui já é demais.
-Disse ele com cara de deboche.
         A Maria se levantou e o empurrou para fora do quarto, batendo a porta na nossa cara. Coitada! Deve ter sido muito frustrante para ela.
         A cena foi muito hilária e eu não conseguia parar de rir. Eu e o Adilson achamos melhor sair para algum lugar, antes que ela saísse do quarto e matasse nós dois. Fomos para uma balada, e depois resolvi passar a noite no apartamento dele e da Joana.  Não queria correr o risco de ser morto ou violentado pela Maria.
         Quando chegamos lá, contamos para Joana o que tinha acontecido.
         Vocês são loucos! Se fosse comigo estariam os dois mortos agora. Eu não perdoaria...
-Disse ela.
         Eu e o Adilson não parávamos de rir. Era muito engraçado lembrar a situação. No final até a Joana começou a rir também.
No outro dia, quando voltei para casa, encontrei um cara lindo, sentado na mesa tomando café. Achei estranho... Fui até a cozinha e a Maria estava lá.
O que está acontecendo?
-Perguntei a ela.
-Quem não consegue arrumar alguém pelos seus atributos, paga.
-Me disse com a maior tranqüilidade.       Comecei a rir e ela, sem mexer um músculo da face e demonstrar qualquer afeição pelo rapaz da sala, me disse:
-Meu querido, eu paguei, transei e agora vou mandar o bofe ir embora.
Ela era realmente louca, mas eu gostava muito do seu jeito: era autêntica. Somente muito tempo depois voltamos a falar sobre este assunto, aliás, foi ela quem tocou. Rimos muito, e ela me confessou que o dinheiro investido naquela transa era para pagar uma conta, mas que afinal de contas, tinha sido um bom investimento.
         Nós sempre fazíamos muitas festas no apartamento, e numa delas, acabei conhecendo o Marquinhos. Foi a Maria quem nos apresentou. Ele era funcionário da loja de jeans no shopping, onde ela era gerente. Era um garoto mestiço, com traços orientais, muito querido e amável com as pessoas. Possuía uma beleza que chamava a atenção de todos, tornando fácil se apaixonar por ele. Mas eu não consegui me apaixonar, talvez porque a Maria fosse apaixonada por ele, mesmo sabendo que ele era gay assumido.
         O Marquinhos tinha em seu olhar, um brilho de vontade de viver, mas ao mesmo tempo uma tristeza que me intrigava. Era como se eu tivesse a obrigação de ajudá-lo. Conversando muito com ele, acabou me confessando que tinha sido expulso de casa pelo seu pai, devido a sua orientação sexual. Como pode um pai fazer isso com o filho? Fiquei chocado, mas, eu não podia julgar o seu pai, sendo que o meu era quase igual. Só havia uma pequena diferença: meu pai não tocava no assunto, fazendo de conta que não sabia de nada. Eu achava cômoda a situação, e ambos seguíamos nossas vidas fingindo que nada acontecia. Assim, acabávamos evitando muitas brigas.
         Por ficar ouvindo o Marquinhos e de certa forma ajudá-lo, acabamos iniciando nosso caso amoroso. Foi um relacionamento curto, mas tudo com muita cautela e discrição, principalmente por causa da Maria.
Com o tempo, cada vez mais ela passou a perceber que entre nós existia mais do que uma simples amizade. Então, começou a querer arrumar uma pessoa para mim, Eu e o Marquinhos a deixamos dar início ao plano de arrumar alguém para mim, achando engraçado tudo aquilo. Ela passou a conversar e até mesmo sair com pessoas que achava que poderiam me interessar.
Mas no relacionamento com o Marquinhos não havia nenhum sentimento mais forte, apenas excitação e amizade. Pensando bem, era uma amizade colorida. Entre nós só existia tara, ou seja, atração sexual. Sentíamos bem estando juntos. Quando acabávamos de transar, havia espaço para conversa, onde um dava forças para o outro nas situações em que a vida nos pregava peças. E assim fomos levando o nosso caso.
Em um determinado momento, de comum acordo, resolvemos deixar o relacionamento mais liberal: cada um saia com quem quisesse desde que não comentasse com o outro o que tinha feito e muito menos com quem havia saído. Nenhum de nós saía com alguém. Com todos os garotos que Maria me apresentava, eu só ficava na conversa, e nem mesmo um beijo rolava. Ela continuava a desconfiar cada vez mais e como ela passava por cima de tudo e de todos para conseguir o que queria, armou uma estratégia para acabar definitivamente com nosso relacionamento. O primeiro passo foi trazer o Marquinhos para morar com a gente, já que o apartamento era enorme e tinha um quarto sobrando. Ele estava morando meio afastado do centro, numa casa pequena e sem segurança, e não pensou duas vezes em aceitar a proposta. No início, achamos bárbara a idéia, pois tudo seria muito mais fácil e poderíamos continuar nos vendo todos os dias. Que engano! A Maria mudou o horário dele na loja e começou a levá-lo para todos os eventos. Comecei a me sentir literalmente sozinho. 
Num feriado, eu ficaria novamente sozinho em casa, pois a Maria tinha viajado com o Marquinhos para um evento estadual da franquia da loja. Eles ficariam dias fora, e eu teria que curtir minha solidão. Pensei em ligar para algum amigo, convidando-o para sair, pegar um cinema ou coisa parecida. Quando fui pegar o telefone, notei um pequeno papel, na verdade um pedaço de guardanapo, onde estava anotado um telefone de disk amizade. Era uma sala de encontro virtual, comparada a uma sala de bate papo na Internet nos dias de hoje. Não lembro se alguém esqueceu ali ou se fazia parte de algum plano da Maria.
Resolvi ligar, não para encontrar alguém, mas para me divertir um pouco ou sei lá, talvez passar o tempo. Na primeira ligação eu não falei nada, só fiquei ouvindo as pessoas falarem. Achava estranho e acabava ficando com dó ao saber que tinha tantas pessoas solitárias numa cidade como Londrina. Desliguei, pois não me sentia bem e nem achava correto ficar ouvindo as pessoas.
Peguei um livro e desci até a beira da piscina para ler um pouco, como era costume quando ficava sozinho. Percebi alguém me olhando de uma das janelas do meu prédio. Estava achando o livro uma chatice, e por isso não me prendia a atenção. Acho que no fundo não era o livro e sim a vontade de participar da conversa no disk amizade. Na verdade eu fazia parte daquele grupo de pessoas solitárias. Dei uma olhada disfarçada para a janela de onde estava sendo observado, mas a pessoa não estava mais lá. Então subi para o apartamento e resolvi assumir que também fazia parte daquele grupo. Liguei novamente, mas dessa vez entrei na conversa. De repente ouço uma voz que me interessa.
As coisas funcionavam assim nesta sala de conversa pelo telefone: quando uma pessoa se interessava pela outra, passava o número do seu telefone e ela ligava. Passei o telefone para um “carinha” que havia me interessado. Eu não sabia, mas alguém se interessou por mim e também anotou o telefone, e rapidamente me ligou, antes que o outro pelo qual havia me interessado.         Tocou o telefone, e ao atender, percebi que não era “o carinha”.
-Com quem você quer falar?
-Perguntei, achando que era alguém ligando para a Maria ou para o Marquinhos.
         -Com você mesmo.
-Me responde alguém com uma voz rouca e linda.
         Fiquei invocado, e perguntei meio arrogante:
         -Como assim? Onde você conseguiu o meu telefone?
         -Ouvi você passando o número para outra pessoa agora a pouco e anotei. Que bom que consegui falar com você primeiro...
-Disse rindo.
         Nossa, fiquei puto da cara!
         -Com que direito você pega o número do meu telefone, se não foi para você que eu passei?
-Falei rispidamente.
         - Antes de me dispensar, me deixe falar com você um pouquinho?
-Me pediu ele com um certo ar de prepotência.
         -Tudo bem,
          -Eu disse,
-Então vamos conversar um pouquinho. Como é o seu nome?
         -Me chamo André.
-Respondeu ele.
         Estava se iniciando ali o relacionamento mais importante. Tinha encontrado o “amor da minha vida”.
         Na verdade tinha mesmo é gostado daquela voz. Era realmente muito gostosa de ouvir, fazendo com que eu ficasse imaginando quem estaria do outro lado. Acabei esquecendo que o outro cara deveria estar tentando me ligar. Afinal, quem conseguiria lembrar, com aquela voz do outro lado da linha? Ficamos por muito tempo conversando ao telefone, até que acabei descobrindo que estávamos no mesmo prédio, eu no terceiro andar e ele no quinto. Sem nenhuma neura, acabei convidando meu “novo amigo” para tomar um drinque em meu apartamento. Ele só me pediu um tempinho e já desceria.  Imediatamente interfonei para o porteiro e perguntei:
         -Seu Zé, o Senhor conhece o André, do apartamento 401? 
         -Sim.
-Ele disse.
         -Ele mora com a família?
         -Não, ele mora sozinho. A família dele é de Minas Gerais e vem pra cá uma vez a cada dois meses. - ele respondeu.
         -Valeu Seu Zé.
-Concluí nossa conversa agradecido.
         Como eu saia às 13h00 para trabalhar e só voltava às 23h00, era normal não ter cruzado com alguém interessante pelos elevadores. Fiquei imaginando que se talvez ele fosse uma pessoa feia, sem graça, já que eu nunca havia percebido ninguém que chamasse a minha atenção por ali. Ainda mais que eu estava curtindo a vida e, como não queria nenhum relacionamento sério, atirava para todos os lados.  Na verdade, eu era o alvo! Estava com vinte anos, saradinho e bonito, em plena forma e cheio de energia. (risos)
         Fiquei viajando nos meus pensamentos e esqueci-me do tempo e da visita que iria chegar. Despertei dos meus pensamentos com o barulho da campainha. Nem olhei pelo olho mágico, pois fiquei com medo de não gostar da pessoa que estava do outro lado da porta. Mas o que eu poderia fazer? Se não abrisse a porta fingindo que havia saído, não iria colar. Além do mais, um dia ou outro, eu teria que falar com ele... Então, abri a porta e não acreditei no que estava vendo! O Marquinhos era lindo, mas o André era simplesmente maravilhoso! Um homem de dezoito anos, com um sorriso lindo e olhar de quem estava querendo te pedir alguma coisa. Só tinha um defeito: era loiro e de olhos verdes. Eram duas características que eu particularmente não gostava muito. Acabei falando isso para ele e recebi uma resposta que guardo para o resto de minha vida:
         -Nunca valorize o presente pela embalagem, e sim, pelo conteúdo que nele tem.
         Nossa! Ele não percebeu, mas havia acabado comigo. Eu tinha um perfil que nunca mudava: era sempre uma pessoa morena clara, mais baixa do que eu e tinha que ter olhos e cabelos escuros. Talvez isso tenha vindo da decepção que tive com o Marcio, um rapaz loiro de olhos claros.
Estávamos conversando ali mesmo, na porta, até que ele me disse:
         -Não seria melhor a gente entrar e para não ficar aqui dando bandeira?
         -Lógico.
-Eu disse.
         Entramos e começamos a conversar. Durante horas ficamos na sala, jogados nos pufes, que eram enormes e coloridos. Ele no início estava tímido, mas depois de termos tomado umas três ou quatro caipirinhas de limão com vodca, acabou me fazendo uma revelação:
         -Sabia que eu ficava te olhando na piscina pela janela do meu apartamento?
         -Ainda hoje eu percebi mesmo que alguém estava me olhando. Então era você?
-Perguntei ainda surpreso.
         -Sim. Desculpe-me, mas era impossível resistir em não te olhar.  Todas as noites em que você estava na beira da piscina, eu ficava te olhando pela janela.  Muitas vezes fiquei tentado a descer para conversar, mas como não sabia se você também era gay, nunca desci. - ele me confessou.
         Achei o máximo saber que ele gostava de mim há tanto tempo. Como sempre fui direto e objetivo, perguntei:
         -Você vai ficar aí só me olhando de longe ou prefere me olhar mais de perto? Quem sabe provar em minha boca se valeu a pena tanta espera?
         Imediatamente ele se levantou e veio em minha direção, se ajoelhando na minha frente. Apoiou suas mãos em meus joelhos e começou a acariciar as minhas coxas. Aos poucos foi deslizando seu corpo sobre o meu. Trouxe seu rosto próximo ao meu rosto e me deu um delicioso e demorado beijo. Nossa! O seu beijo conseguia ser muito melhor do que sua voz e seu corpo. Nesse momento começou o meu mais ardente e eterno caso de amor. Talvez o único que tive que acabou se transformando num amor lindo, puro e profundo. Um sentimento tão forte de ambas as partes, que nós nos entregamos de corpo e alma.
Naquela noite, ficamos somente nos beijos e nas trocas de carinhos. Sentia seus toques em minha pele, suas mãos percorrendo todo meu corpo. Elas desciam pelo meu rosto suavemente, passando pelo meu peito e chegando até minha barriga. Depois, ele fazia o inverso, me deixando todo arrepiado. Percebendo como eu ficava mais ele passava a mão pelo meu corpo. Quando eu ia falar alguma coisa, com uma das mãos ele cobria a minha boca e aos poucos substituía sua mão pelos seus lábios. Voltávamos a nos beijar loucamente, algo que quase fazia minha alma sair do corpo. Sentia sua respiração mais forte e ofegante quando ele passava com a boca pelo meu ouvido e pescoço. Quando me abraçava, sentia seu coração batendo forte. Meu corpo estremecia inteiro ao sentir aqueles carinhos. Que sensação maravilhosa! Uma mistura de prazer e pureza. Chegava a sentir o carinho de André em minha alma.
Meu objetivo de apenas me divertir e não me apaixonar estava sendo empacotado e jogado no lixo.
-Ai meu Deus, o que está acontecendo comigo?
-Eu me perguntava na mente.
Mas também, não dava para resistir! Aquele homem era totalmente perfeito: amável, delicado... Nem parecia ter dezoito anos.
Depois de muito tempo trocando carinhos, percebemos que precisávamos dormir. Mesmo com muita excitação um pelo outro, resolvemos que naquela noite cada um iria dormir em seu apartamento. Despedimos-nos e combinamos de nos ver mais tarde, pois já estava quase amanhecendo.
Queria pensar em tudo aquilo com muito carinho, já que eu estava mudando o meu objetivo. Fui dormir. Caí num sono profundo e gostoso. De repente tocou a campainha. Parecia que tinha acabado de dormir, mas já havia se passado cinco horas! Era o André me convidando para almoçar em seu apartamento. Claro que topei, mas pedi a ele que esperasse um pouco que iria tomar banho e subiríamos juntos.  
Chegando ao apartamento dele, fiquei impressionado com seu bom gosto. Era muito gracioso, nem parecia que ali morava um homem sozinho.  Ele disse que tinha uma empregada que fazia tudo por ele, mas, confessou que a dispensou por todo o feriado, para ficarmos sozinhos e curtirmos tudo, só nós dois.
Almoçamos e namoramos mais um pouco, e já estava escurecendo quando disse a ele: 
-Vou descer para tomar um banho e logo subo para a gente ficar mais à vontade. Você não vai me convidar para dormir aqui, com você?
-Perguntei maliciosamente. 
Com um olhar bem sensual e um sorriso largo, me respondeu com outra pergunta:
-Será que é necessário fazer o convite? Não é óbvio que isso é tudo o que eu quero?
Desci para o meu apartamento e liguei para a casa da minha mãe, avisando que não poderia ir para Cambira naquele feriado. Disse a ela que eu tinha umas coisas para resolver em Londrina e que iria qualquer dia da semana. Então fui para o banheiro e resolvi tomar um banho de banheira. Queria ficar deliciosamente gostoso para ele.
Algum tempo depois, voltei ao apartamento do André e toquei a campainha. Que surpresa! Meus olhos não acreditavam no que estavam vendo! O André tinha pedido comida japonesa e tanto a sala de estar como a de jantar estavam iluminadas com velas aromatizadas. Achei tudo aquilo perfeito e fiquei pensando o que eu teria feito para merecer uma pessoa como ele. Sem querer, acabei perguntando:
-Por acaso tem mais alguma surpresa me esperando?
-Aos poucos você irá descobrindo.
-Ele respondeu.
Jantamos e quando eu estava indo em direção à sala, ele me disse para esperar um pouco bem ali mesmo, e saiu em direção ao corredor do apartamento. Entrou em um dos quartos e lá ficou por algum tempo. Voltou e me disse para irmos até o seu quarto. Quando abri a porta, mais uma surpresa: o quarto também estava todo iluminado por velas. Além disso, todo o chão e a cama estavam forrados de pétalas vermelhas. Apesar de naquele momento me trazerem alegria, hoje não gosto de ver rosas vermelhas, pois me lembram de tristeza.
Tivemos a nossa primeira noite juntos, ao som de músicas românticas. Praticamente não saímos do quarto aquela noite, tudo era muito perfeito. Fazia um calor danado e ele deixou a janela aberta para que pudéssemos sentir o vento entrar. Foi uma noite perfeita, com muita troca de carinhos. Senti-me novamente protegido e amado.
Fiquei sentado na cama, ao seu lado, velando o sono dele por muito tempo. Ele acordou e me perguntou:
-O que você está fazendo aí sentado?
-E vendo você dormir.
-Respondi.
Ele abriu um sorriso lindo, se levantou, e me abraçou fortemente. Passou sua mão pelo meu rosto e deslizou seu dedo do meio em meus lábios, fechei os olhos para sentir seu toque. Sua mão passou a acariciar o meu pescoço e desceu até meu peito, escorregando até a barriga e subindo novamente. Fiquei excitado de tal maneira que impulsivamente me joguei sobre dele. Começamos a nos beijar com tanta volúpia que tornamo-nos uma só pessoa. Fizemos amor novamente e depois tomamos um banho. Voltamos para a cama e nos abraçamos para dormimos agarradinhos. Era delicioso sentir ele encostado em mim e eu abraçando-o pela cintura. Sentir seu rosto encostado no meu outro braço.  Adormecemos...
No dia seguinte, continuamos curtindo o feriado em casa mesmo, ou melhor, no apartamento do André. Foi um dia encantador. Divertimos-nos muito, assistindo filmes, jogando baralho, nadando na piscina e é claro, os momentos românticos, regado a vinho, música e muito carinho. A cada beijo, a cada toque, nossa paixão aumentava. Como era possível que em poucas horas estivéssemos tão sintonizados? Eu acreditava ser quase impossível encontrar alguém que pudesse dar e receber um sentimento tão forte!
Depois de quatro dias vivendo somente um para o outro, tivemos que voltar a realidade. Precisávamos ter muito cuidado, pois naquela época não era como hoje. Um casal gay nunca seria respeitado... Era algo fora do comum e puro pecado. A sociedade era implacável e sem nenhuma piedade.
Feriado terminou, a Maria e o Marquinhos retornaram da viagem, e durante a semana, eu e o André não nos encontramos. O Marquinhos me achou diferente, mas achei melhor não contar nada a ele, pois não queria que ficasse chateado. Além do mais, não éramos namorados, e o nosso acordo era que se rolasse algo com outra pessoa, não falaríamos para o outro.  Mas depois desse feriado, eu e o Marquinhos nunca mais transamos. De início, ele não entendeu o motivo, mas depois de uma semana, acabei contando. Como não havia amor entre a gente, ficou tudo mais fácil. Percebi que o Marquinhos se sentiu trocado, mas depois de muita conversa, ele percebeu que poderíamos ser amigos verdadeiros. E foi isso que aconteceu. Nos tornamos bons amigos.
         Pouco tempo depois o Marquinhos encontrou uma pessoa bem legal que acabou se tornando o seu namorado. A Maria teve que aceitar isso e ainda permitir que ele freqüentasse o nosso apartamento. Nossa amizade colorida só ficou entre a gente mesmo, e nunca contamos nada para ninguém. Achamos que seria desnecessário e que também poderia trazer constrangimento tanto para o namorado dele como para o André.
Algum tempo depois, contei para a Maria que eu e André estávamos juntos. Ela ficou bem feliz e achava mesmo que estava mais do que na hora de eu encontrar alguém para amar. Falou para eu podia convidar o André para um almoço do domingo, e assim ela o conheceria. Domingo chegou, almoçamos e ali ficamos a tarde toda jogando baralho e conversa fora. Foi uma tarde maravilhosa! A Maria aprovou o namoro, além de ter achado o André muito simpático, atraente, romântico e lindo. E era mesmo: tudo que uma pessoa desejaria para compartilhar uma vida a dois. Acabamos tornando o apartamento do André uma extensão do apartamento da Maria: passávamos um tempo em cada apartamento.
O André me convidou para viajar com ele para visitar sua família, em Minas Gerais. Eu aceitei, e na semana seguinte fui viajar com ele. Foi uma viagem cansativa, mas muito interessante. Passamos por lugares lindos, e dormimos em um hotel numa cidade próxima a de seus pais. Afinal, lá teríamos que dormir em quartos separados e agirmos como amigos de faculdade.   Passamos uma noite agradável no hotel, que era simples, mas de um bom gosto incrível. Bom, mas acompanhado do André, qualquer lugar seria ótimo. Ele era uma pessoa simplesmente incrível! Fizemos amor praticamente à noite inteira e dormimos agarradinhos. Hum... Que delicia dormir assim, sentindo o cheiro do seu cabelo, abraçados e com suas costas pressionadas em meu peito.
Na manhã seguinte, logo após tomar o café da manhã, seguimos viagem até a cidade de seus pais. Ele não tinha me contado antes, mas sua família morava em uma fazenda. Adorei a surpresa! Sou do interior e adoro estar rodeado de mata e animais.
Era uma fazenda de gado leiteiro, com a entrada toda arborizada. O caminho até a casa principal era cheio de hortênsias variando os tons de azul e rosa. A casa tinha a arquitetura antiga, com varandas amplas, cheias de redes brancas e cadeiras de vimes. Tudo muito simples, bem no estilo de fazenda mineira mesmo.      Confesso que fiquei com receio de entrar, com medo da recepção da família dele. Nunca tinha visto seus pais e ainda, ele havia me dito que tinha mais dois irmãos. Não podia mais recuar. O André abriu a porta da casa e foi gritando:
         -Pai, mãe, chegamos!
         Vieram todos. Já passava das 16h00, e como em qualquer casa onde existe uma família mineira, a mesa já estava posta, com todas aquelas guloseimas deliciosas que a sua culinária oferece. Parecia que eu estava numa novela de época, com aquela mesa enorme, para umas vinte pessoas, preparada com uma toalha toda engomada e coberta de guloseimas deliciosas. E o cheiro do café? Hum... Consigo até lembrar daquele aroma de café fresco no ar!
         Sentamos para comer. Era uma tarde quente de verão, mas pelas enormes janelas de madeira entrava uma brisa refrescante, vinda das montanhas. Ela balançava as cortinas de voal brancas.
Tudo muito delicioso. Comemos, conversamos, e até passei por um interrogatório. Depois, o André me levou até a cidade para passear, acompanhados pelo seu irmão caçula. Por isso, tivemos que tomar todo o cuidado e manter as aparências perante todos. Mas ficamos nos flertando durante todo o tempo, tudo com muita discrição. Entramos numa lanchonete e pedimos sorvete para o irmão dele e pedimos um lanche. Fomos ao banheiro com a desculpa de lavar as mãos para lanchar. Entramos numa das cabines do banheiro e nos beijamos loucamente. Era muito bom ficar nos amando em meio ao risco de sermos descobertos. A adrenalina tornava o momento mais “quente”. Imagina o que poderia acontecer? Ainda mais numa cidade pequena e que um dos envolvidos era o filho do maior fazendeiro de leite da região! Mas quando ficávamos perto um do outro, a razão sumia e entrava em cena somente o desejo incontrolável de dois jovens que se amavam. Saímos do banheiro como se nada tivesse acontecido lá dentro, tomamos o nosso lanche e voltamos para a fazenda.
A estrada era de chão batido. Abri a janela do carro e coloquei metade do meu corpo para fora como se eu quisesse voar. O vento batendo em meu corpo fazia com que eu tivesse uma sensação de liberdade e felicidade. Se o irmão de André não estivesse ali conosco, provavelmente eu teria gritado bem alto que o amava demais. Mas como não podia fazer isso, fiz um gesto que só nós dois sabíamos do significado. Olhava-me como se eu estivesse oferecendo um manjar dos deuses para ele saborear.
Na fazenda, ouvimos um pouco de música e cada um foi para seu quarto. Na verdade, fiquei no quarto do André e ele foi dormir no quarto de um de seus irmãos. De madrugada, ele veio até meu quarto, e ficou ao lado da cama me olhando como se fosse o guardião dos meus sonhos. Acordei com ele me beijando, e o puxei para cima da cama. Fizemos amor como loucos. No início, com medo de alguém aparecer, mas aos poucos, o medo foi sendo trocado pelo prazer. Acabamos adormecendo e dormimos agarradinhos.
Acordei com o galo cantando. Eu, particularmente, adoro acordar com o som do galo e dos pássaros cantando. Tenho a sensação de estar ainda mais vivo, pois eles nos trazem energias positivas. Quando abri a janela tive a visão maravilhosa da paisagem do lugar: uma montanha com uma floresta aos seus pés. Esticando a cabeça e olhando para a direita, via o curral. Já me imaginei tomando um leite quentinho, tirado na hora. E claro que eu fui até lá fazer isso! O André, e achando um louco, ria o tempo todo, mas foi me ensinar a tirar leite.  Na primeira vez que tentei, quase arranquei as tetas da vaca. Aí que ele ria mais ainda da cena, pois eu sequer conseguia fazer o leite sair.
         -Puxa um pouco para o lado que sai melhor o leite.
-Disse rindo.
         E foi o que fiz, mas deste leite saiu e acabou esguichando nele. Quem riu dessa vez fui eu. Mas o André, para se vingar de mim, pegou o balde que estava com um pouco de leite, e começou a correu atrás de mim pelo curral. Correndo e olhando para trás, para ver se ele não estava muito próximo de mim, acabei tropeçando e caí nos estrumes das vacas. Coitado, ele ficou preocupado, achando que talvez eu tivesse me machucado. Aproveitei e comecei a fingir:
         -Ai... ai...Acho que machuquei meu braço.
-Falei encenando que estava com dor.
         Ele, apreensivo, se aproximou e abaixou para ver o meu braço. Nesse momento, puxei-o para cima de mim e rolamos pelo estrume. Ficamos os dois lambuzados de “cujo de vaca” (risos). Fazíamos guerrinha, jogando um no outro.
         -E agora, o que vamos fazer? Temos que entrar para tomar café. Daqui a pouco minha mãe já está nos chamando. - disse o André.
         -Tenho uma idéia!
-Eu disse
-Vamos até o riacho e tomamos um banho.
         Ele topou, e fomos até o pequeno rio, que ficava a poucos metros dali. Aproveitamos para lavar também as nossas roupas. Ficamos os dois nus e novamente não resistimos. Novamente fizemos amor. Foi a primeira vez que fizemos amor em meio à natureza. Era uma sensação maravilhosa aquela mistura de prazer com o cheiro da mata. Isso me excitava demais!
Fomos para a casa, mas antes, fomos até o quarto para trocar nossas roupas. Depois fomos tomar café. A mãe do André, Dona Irene, só nos deu uma olhada e balançou a cabeça. Parecia que queria nos dizer que o que estávamos fazendo não era certo.
Acabamos de tomar café e fomos andar a cavalo. Demos uma volta enorme pela fazenda até dar o horário do almoço. Retornamos e tomamos um banho, mas antes de ir almoçar, arrumamos nossas malas.
O almoço foi digno de uma verdadeira refeição mineira. Naquela época eu ainda comia carne, mas se fosse vegetariano como agora, praticamente não comeria nada. A comida mineira é basicamente a base de carne.
Acabamos de almoçar e nos despedimos de todos. Mas antes de sairmos, Dona Irene me chamou para que eu a ajudasse a pegar algumas coisas que ela havia preparado para levarmos. Fui com ela, mesmo achando estranho, pois ela deveria chamar o André e não a mim. Estava preocupado com o que poderia acontecer.
Chegando à cozinha ela preparava as coisas para levarmos e conversava comigo, até que num determinado momento falou:
- Olha meu filho, eu gostaria que você continuasse sempre fazendo o André feliz assim, pois faz muito tempo que não o vejo assim, tão radiante.
         Quando fui falar, ela me cortou dizendo:
         -Não precisa falar nada. Quero apenas que me escute.
         Obedeci e continuei ouvindo falar. Falava com muita delicadeza e suavidade:
         -Não precisa sentir vergonha da amizade de vocês. Mesmo que ela contrarie tudo o que já tinha aprendido com meus pais, também aprendi com eles que antes de qualquer coisa, a felicidade de nossos filhos está em primeiro lugar. Se a felicidade do André está na amizade de vocês, eu vou aprovar sempre. Quero ainda que você sempre se lembre que trouxe de volta a alegria do meu filho. Por isso, eu já o considero de nossa família.
         Ela terminou de falar aquelas palavras e me deu um abraço tão terno e carinhoso que me senti uma pessoa amada e importante.
         Pegamos a estrada de volta para Londrina, trazendo na bagagem muita comida, é claro! (risos) Durante a viagem contei para o André da conversa que tivemos, eu e a mãe dele. Ele fez uma cara tão assustada que comecei a rir. 
         -Antes de te conhecer, eu era mesmo triste. Às vezes, nem tinha vontade de continuar vivendo, sabe? Eu me achava um estranho, que somente eu era assim. Acreditava que todos os gays fossem pessoas deslumbradas e que precisavam trabalhar em salão de beleza. (risos)
-Aí, quando te conheci vi que não precisava me transformar numa pessoa dessas para me assumir.  Eu encontrei a felicidade e acho que minha mãe percebeu isso.
         Amei ter ouvido tudo aquilo. Foi a prova de que realmente eu estava sendo uma pessoa muito importante e especial na sua vida. E era um sentimento recíproco!
         Fiquei pensando na atitude da Dona Irene. Mãe é mãe, não tem jeito mesmo! Ela foi capaz de vencer todos os seus preconceitos para ver seu filho feliz. Mas nunca falou abertamente sobre o assunto, ou melhor, dizendo, sobre a sua aceitação. Devia ser difícil para ela, mas como era uma mulher de fibra, acabou aceitando tudo numa boa. 
         A viagem foi cansativa, mas correu tudo bem, graças a Deus. Viajamos como um verdadeiro casal de namorados. Às vezes ele dirigia, outras vezes era eu.  Paramos para lanchar em um lugar na beira da rodovia e depois continuamos a viagem, pois queríamos chegar logo em casa, naquele mesmo dia.
Em Londrina, a vida continuou muito bem, com o André ao meu lado. Sempre que era possível, viajávamos para algum lugar. Como nós não freqüentávamos baladas com freqüência, juntávamos o dinheiro para essas viagens. Mas era tudo simples, sem frescura nenhuma com lugares e comida. O importante era termos a companhia um do outro. Às vezes estávamos deitados assistindo algum filme e um olhava para outro e perguntava se queria sair para algum lugar. E lá íamos nós dois, sem destino.
Lembro uma vez, em que fomos acampar. Compramos uma pequena barraca e fomos para uma cachoeira. Alguns amigos haviam falado que era um lugar muito bonito e que não ficava muito longe de Londrina. Achamos que ficaríamos lá sozinhos e que seria um final de semana só nosso, em contato com a natureza. Realmente o lugar era paradisíaco, de tirar o fôlego, mas havia muita gente lá. O local estava completamente lotado, parecia o piscinão de Ramos (risos). Mas já que estávamos ali mesmo, resolvemos ficar.
No final, foi muito legal, pois conhecemos várias pessoas diferentes, jogamos baralho, e até nos reunimos em volta da fogueira com outras pessoas para “contar causos”. Foi um final de semana fantástico, nada do que tínhamos planejado, mas no final nos divertimos muito.
No domingo à tarde voltamos para Londrina. Continuamos a levar a nossa vida a dois. Eu estava praticamente morando no apartamento dele. Só ia dormir no meu apartamento quando chegava alguma visita no apartamento dele. Claro que as visitas eram basicamente a família dele.
As pessoas que sabiam de nós dois achavam que formávamos um belo casal. E modestamente, eu também achava.
Uma vez, resolvemos ir a uma boate gay em Londrina, mas para aprontar, “zoar” mesmo. Entramos separados e cada um ficou em lados opostos. Queríamos ver qual a reação das pessoas e também testar o nosso ciúme, pois ambos não sentíamos ciúmes um do outro. Talvez porque sabíamos que um pertencia ao outro e que ninguém poderia atrapalhar esse amor.
De repente, fomos abordados por outros caras. Eu dei um corte e ele também e assim ficamos fazendo isso algumas vezes. Olhamos um para o outro e resolvemos, sem falar uma palavra, acabar com aquela brincadeira. Caminhamos um na direção do outro e nos encontramos no meio da pista da boate e nos beijamos. Quem estava ali, não entendeu nada! Foi um beijo demorado e com muita excitação, tanto que tivemos que nos controlar para não fazer amor ali mesmo. Resolvemos ir embora, direto pra casa, pois nenhum dos dois estava agüentando aquela situação. Éramos os dois “tarados por sexo”. Talvez fosse pela idade, os hormônios ainda faziam um rebuliço. Mas também havia muito sentimento. Era muito forte o que sentíamos um pelo outro.
Um dia estávamos conversando e confessei para o André:
-Eu adoraria fazer amor nas areias da praia, sentindo o cheiro do mar.
-Com você, eu faria em qualquer lugar.
-Ele disse abrindo um sorriso malicioso.
Então, fui para a casa dos meus pais, e pedi se poderia ir com alguns amigos na nossa casa de praia. Meu pai disse que tudo bem, poderíamos descer sim. Voltei para Londrina e combinamos tudo, pois teria um feriado na semana seguinte. Era novembro.
Chegou o dia e descemos juntamente com o Marquinhos e a Maria. Foi uma viagem muito divertida, porém cansativa, pois Londrina fica bem longe do litoral. Mas valeu à pena. Consegui realizar a vontade de fazer amor a beira mar, ainda mais que as praias paranaenses eram praticamente desertas fora da temporada. Aquela foi uma noite maravilhosa. Fizemos amor iluminados apenas pelas estrelas.
Tudo estava saindo perfeito. Estávamos deitados na areia, quando olhei para o André e percebi que ele estava chorando. Fiquei muito preocupado e perguntei:
-O que eu fiz de errado?
Ele se levantou e me disse:
-Estou chorando por causa de você, pois tenho medo de te perder. Senti uma coisa estranha... Como se tivesse acabado de te perder.
- Como pode pensar uma coisa dessas?
-Disse demonstrando que estava bravo por ele pensar aquilo.
-Como pode me perder se eu te amo mais que tudo nesta vida? Nunca vou te abandonar...
Mas ele ficou me olhando como se eu estivesse saindo de sua vida. Abracei-o com toda a minha força e senti-o tremer em meus braços, de uma forma que até me deixou assustado. Segurei-o pelos ombros, olhei bem em seus olhos e disse:
-Você é a pessoa mais importante em minha vida. Nunca conseguiria viver sem você.
Com lágrimas descendo pelo seu rosto e soluçando, ele me disse:
-Tenho tanto medo de te perder, que chega a doer cada vez que penso nisso.
-Nunca mais pense nisso! Isso me deixa triste.
Ele abriu um sorriso e disse que era bobeira mesmo. Eu confirmei que era e nos beijamos. Ficamos ali abraçados olhando o mar e sentindo aquele cheiro delicioso de liberdade e de paz.
Voltamos para a casa da praia e fomos tomar banho juntos. Novamente ele me olha e me abraça fortemente. Ficamos um bom tempo abraçados e sentindo aquela água quente sobre nós.
Fomos dormir e quando acordamos Maria e Marquinhos tinham preparado um delicioso café da manhã. A alegria dele voltou e nunca mais tocamos neste assunto. Curtimos a praia o dia todo e no outro dia pela manhã, voltamos para Londrina.
No restante do mês, levamos as nossas vidas normalmente, sempre nos amando muito e a cada dia mais apaixonados, nos desejando mais e mais...
Em dezembro daquele ano, iríamos completar cinco anos juntos. Para comemorar, resolvemos preparar junto um jantar somente para nós dois.  Enquanto eu cozinhava, ele ia fazendo a sobremesa. Claro que eu tinha que ficar dando dicas, ou melhor, dizendo, ensinando a ele como fazer. O André era todo atrapalhado na cozinha.
 Falei para o André colocar um pouco mais de farinha na massa do bolo, mas ele acabou virando todo o pacote.
         -Ai meu Deus, o que foi que você fez?
-Falei de um jeito sério e estúpido.
         Ele me olhou com cara de quem não gostou do jeito que eu falei. Pedi desculpas, mas ele apenas continuou me olhando com uma seriedade que chegou a me assustar. Fiquei arrependido por ter falado daquele jeito com ele, mas queria tanto que tudo saísse perfeito que perdi a linha em pensar que o bolo não daria certo.    Desliguei tudo que estava fazendo e fui perto dele, para desfazer o que eu tinha feito. Aproximei-me bem dele e fui pedindo desculpas. Nunca tínhamos brigado e não seria no dia de comemoração de nossa união, que ficaríamos daquele jeito. Voltei-me para ele e fui pedindo desculpas. Então ele foi até a bacia cheia de farinha, virou um pouco a cabeça, me olhou com safadeza e deu uma risadinha de canto da boca. Parei, fiquei imóvel só esperando o que ele estava planejando fazer. De repente, ele enfiou a mão dentro da vasilha e eu, percebendo sua intenção disse:
         -Não faça isso não! Pare...
         Ele nem quis saber. Passou a jogar farinha em mim e eu tentando escapar, me desviando. Comecei também a jogar farinha nele e ficamos correndo um atrás do outro, fazendo guerra de farinha. Acabei escorregando em meio a tanta farinha que havia no chão, e ele aproveitou para deitar em cima de mim. Segurou os meus braços sobre minha cabeça e com suas pernas ao lado do meu corpo, me imobilizou por completo. Olhou bem dentro dos meus olhos e disse:
         Nunca mais fale grosseiramente comigo desse jeito! Jure que nunca mais fará isso.
         Eu tentava me soltar, mas fui vencido.
         -Eu juro. Mas só se você me der um beijo bem gostoso.
         Nem acabei de falar e sua boca já estava tocando a minha. Sentia o prazer invadindo o meu ser. Era mágico, autêntico, mas simplesmente um beijo de amor.
Acabamos fazendo amor no chão da cozinha, que estava toda suja de farinha. Não saiu jantar algum e muito menos a sobremesa, mas tivemos uma comemoração deliciosa. Fomos tomar banhos juntinhos e depois pedimos uma pizza. Comemos e fomos assistir a um filme. Ficamos bem agarradinhos, e nem cheguei a ver o final do filme, pois ficar sentindo o cheiro do cabelo de André e o calor do seu corpo era a mesma coisa que se eu tivesse tomado um calmante.
Dava-me uma paz imensa. Eram momentos muito bons, pois nos transformávamos em uma só pessoa.
De manhã a Sandra queria nos matar quando viu o apartamento todo sujo de farinha. Ela era a empregada. Naquele dia, ela não nos levou café no quarto, pois sabia que tinha sido uma noite de amor. Preparou uma mesa cheia de guloseimas e fez um bolo que ficou um pouco torto, mas assim acabamos tendo uma comemoração de verdade.
Naquele dia eu não fui trabalhar e nem o André foi à Faculdade. Pegamos a Sandra e fomos para um bairro da periferia. Levamos roupas, calçados e comida e também alguns presentinhos para as crianças. A mãe do André havia mandado como todos os anos fazia, e nos mandava distribuir.
Fizemos a festa com as crianças! O brilho dos olhinhos delas me emocionava e eu acabei chorando.   -Você tem um coração puro e sem maldades, Robson. Eu tive muita sorte de ter te conquistado. Orgulho-me de ter uma pessoa assim ao meu lado!
-Ele disse me abraçando.
Balancei a cabeça e disse:
-Será que a sorte não é minha, de ter alguém como você do meu lado?
         A Sandra deu umas tossidas para a gente voltar à realidade, pois estávamos na rua e não podíamos ficar ali demonstrando o nosso sentimento.
Quando acabamos de entregar os presentes às crianças, ela nos olhou e disse que o jantar era na casa dela aquela noite. Passamos num mercado compramos algumas coisas para ajudar no jantar e fomos. Ela era uma mãe para nós dois. E o mais incrível é que ela não se preocupava em deixar seu filho passear e até ficar conosco. Nós adorávamos passear com o filho dela e fantasiávamos que ele era o nosso filho. Assim formávamos uma família perfeita.
Era nosso sonho ter um filho, mas como poderíamos ter um filho? Como poderíamos ter uma família? Era a única coisa que nos entristecia e nos deixava incompletos. Tirando isso, nossa vida era perfeita e cheia de alegria. Como era possível duas pessoas serem tão felizes dividindo o mesmo teto, a mesma cama e o mesmo espaço de tempo. Éramos uma família, mesmo com duas pessoas.
A Sandra fez um jantar simples, mas delicioso. Ela sabia cozinhar maravilhosamente bem. Eu e André tínhamos sorte de estar rodeados de poucas pessoas, mas as poucas que existiam em nosso convívio nos tratavam com muita dignidade. Nossa vida era perfeita e tudo indicava que seria para sempre. Às vezes imaginávamos como seria os dois estarem velhinhos e vivendo numa cidade pequena, com filhos grandes e porque não com netinhos? Como éramos inocentes... Também, jovens e sentindo o amor pela primeira vez!



























CAPÍTULO 18






                        O Natal estava chegando e era a única data que passávamos separados. O André teria que viajar para a sua casa e eu para a minha, pois era costume de nossas famílias reunirem-se todos para comemorar o Natal.
         Neste ano, o André me convidou para ir com ele à fazenda. Ficou o dia todo insistindo para que eu fosse comemorar o Natal com a família dele, mas achei melhor não ir. Era uma festa de família e eu ficaria totalmente deslocado, e depois, já havia combinado com minha família que iria para Cambira.
         Ficamos juntos naquela noite, como era de costume, mas ela tinha algo de diferente, que eu não sabia explicar. Tinha cheiro de entrega, de amor... Dava até para sentir o aroma de rosas vermelhas no ar. Era um momento só nosso.
  Meu coração ficou cheio de certeza de que o André era a pessoa certa para estar comigo para o resto da minha vida. Muitos procuram a vida inteira pela felicidade e não conseguem encontrá-la. Eu tive a sorte de encontrá-la aos vinte anos.
Na manhã seguinte, antes do André sair de viagem, fizemos amor novamente. Ele disse que um primo de São Paulo iria passar o Natal com eles na fazenda. Senti uma pitada de ciúmes, já que geralmente os primos adolescentes sempre fazem brincadeirinhas entre eles. Acabei falando isso para ele, que riu e me disse:
-Deixa de bobeira.  A única pessoa que me interessava, está aqui, bem na minha frente.
Mesmo com o elogio, ele percebeu que eu ainda estava chateado, e falou:
-Se você me pedir para ficar, eu fico! Seria muito bom comemorarmos nosso primeiro Natal juntinhos.  
Despedimos-nos com um beijo. Até hoje, quando me lembro daquele dia, ainda sinto seu gosto delicioso: um gosto de amor. Como eu gostaria de poder sentir novamente aquele gosto e reviver todas as sensações que um beijo apaixonado pode proporcionar.
Descemos até a portaria do prédio, onde fiz uma brincadeira. Peguei uma caneta e escrevi na sua mão o número do nosso telefone do apartamento, pois naquela época não existia celular, dizendo a ele: 
-Me ligue assim que chegar na casa de seus pais ta? Anotei o número aqui para você não esquecer.
         -Jamais te esquecerei, vou te amar por toda a minha existência.
-Disse ele olhando bem fundo nos meus olhos.
         Olhei-o com cara de espanto, sem saber o que dizer e o que fazer. Queria abraçá-lo e beijá-lo muito, mas não podia fazer isso ali na frente do prédio. Acompanhei-o até ao carro, e quando ele entrou, me inclinei na janela do motorista, colocando meu corpo para dentro do carro. Pela primeira vez nos beijamos sem a preocupação de que alguém estaria nos olhando.
Afastei-me um pouco do carro e dei um sorriso.
-Você nunca deu um sorriso tão lindo e amável como este!
-Disse o André.
-É para você levar como recordação da minha alma. Para lembrar-se de mim a cada momento que estiver longe de mim. 
-Disse eu.
Então percebi que as lágrimas desciam pelo seu rosto, e voltei até perto dele para enxugá-las com o dorso de minha mão, enquanto dizia:
-Não quero que você fique triste.
-Não são lágrimas de tristeza, mas de felicidade por ter encontrado uma pessoa tão maravilhosa como você!
-Ele me respondeu.
Dei outro sorriso e com os olhos respondi que eu tinha a sorte de tê-lo ao meu lado.
O André ligou o carro e começou a se afastar de mim. Fiquei parado na calçada olhando ele ir embora, até virar a esquina. Na esquina, ele parou o carro e balançou a mão em um sinal de “até mais”, me mandando um beijo. Com o dedo indicador mostrou o número do telefone em sua palma da mão esquerda. Abriu um enorme sorriso e seguiu viagem.
Voltei para o apartamento com um aperto enorme no coração, e fui tomar banho. Ainda teria que trabalhar. Foi à primeira vez que tomei banho pensando em algo, pois geralmente nunca penso em nada neste momento. Para mim este é um horário sagrado, momento de deixar a água limpa levar todas as impurezas do dia, de renovar nossas energias positivas.
Uns quarenta minutos depois que André tinha partido, o telefone tocou e eu atendi. Era uma ligação de um policial. Fiquei muito assustado, ainda mais quando ele me perguntou:
-Você conhece um rapaz chamado André?
-Sim, é meu amigo. Por quê? O que aconteceu? Ele está bem?
-Perguntava com certo desespero na voz.
-Ele estava com este número de telefone na mão. Estou ligando para avisar que ele está no hospital Evangélico e alguém precisa ir até lá. - disse o policial.
Agradeci o policial e disse que eu já iria até lá. Eu estava muito nervoso e queria sair correndo. Desci até o apartamento de Maria e pedi que ela fosse comigo, pois não saberia o que fazer se ele estivesse muito machucado.
Chamamos um táxi e fomos para o hospital. Durante o percurso, fui rezando muito para que nada de grave tivesse acontecido e que ele não estivesse sofrendo. Parecia que nunca chegávamos ao hospital... Meus pensamentos me traiam, fazendo com que eu pensasse só em desgraça. Esforçava-me para pensar somente em coisas boas, pois a força da mente é muito poderosa.
Chegando ao hospital, me deram a notícia: um carro em alta velocidade havia batido na traseira do carro de André. Como ele não estava usando cinto de segurança, acabou fraturando o pescoço.
-Mas ele está muito machucado? Ele vai conseguir andar de novo? - questionei rapidamente.
-Ele faleceu.
-Respondeu o médico com naturalidade.
Nunca recebi uma notícia com tanta frieza! Fiquei totalmente paralisado e comecei a não sentir minhas pernas. A Maria, percebendo como fiquei me segurou. Ela me ajudou a sentar numa cadeira que conseguia ser ainda mais fria do que aquele médico.
Fiquei em estado de choque. Olhei cada pedaço daquela sala, percorrendo cada rachadura que existia na parede. Não queria acreditar no que estava acontecendo... Não poderia ser verdade tudo aquilo. As lágrimas escorriam pela minha face, como se estivessem esvaziando a minha alma. Como era possível? Não fazia muito tempo que eu tinha deixado ele lá na rua, com um sorriso que não cabia dentro dele de tanta felicidade...
Não! Aquilo não podia estar acontecendo... Ele ainda não tinha terminado sua faculdade. E os nossos sonhos de construir uma vida juntos? Como eu poderia dormir sem ele, sem sentir o seu corpo colado ao meu? E pior, como acordar sem os seus beijos, sem o seu sorriso me desejando um bom dia?
Deveria ter pedido para ele ficar. Como me arrependo de não ter seguido meu coração! Se tivesse pedido para ele ficar, nossa história poderia ter tido outro final... Estaríamos juntos até hoje, envelhecendo, vendo as marcas de o tempo agir em cada um de nós. Sentiríamos a emoção de ver fotografias antigas e recordar os momentos lindos do nosso passado, ouvindo aquela música que marcou nossa juventude e que hoje não toca mais nos rádios por ser cafona. Olharíamos pela janela e veríamos que a paisagem mudou como todo o resto, vivendo a nostalgia de sentir saudades dos bons tempos.
Mas, tudo que parece ser bom termina rápido. Nosso sonho havia chegado ao fim. O destino não permitiu que ele continuasse. Destino cruel, que mais uma vez estava me pregando uma peça. O que eu tinha feito para receber tanta tristeza? Porque a vida me dava coisas boas e o destino as tirava de mim?
Começou a passar um filme em minha cabeça, fazendo com que eu revivesse toda a nossa vida juntos, lembrando de todos os lugares que fomos. De nossas noites de amor.
Com os olhos fechados, sentia a presença do André ao meu lado, parecendo querer me confortar.  Mas como confortar-me se eu nunca mais o teria do meu lado? Será que estava sendo castigado por amar tanto uma pessoa, mais que a mim mesmo? Ou será que o castigo era por simplesmente amar uma pessoa do mesmo sexo que eu? Não, não poderia ser isso. Deus é misericordioso, é justo, é pai, é amigo. Não pode ser pecado sentir algo tão forte e puro.
Meus pensamentos foram interrompidos pelo chamado de uma enfermeira, me pedindo para identificar o corpo. Não queria ir. Olhei em direção a porta do hospital, na intenção de voltar no tempo. Queria correr até nossa rua e tirar o André de dentro do carro, implorando para que não fosse viajar e ficasse comigo.
Maria me segurou pelo braço e me ajudou a chegar até a sala onde ele estava. Entrei, e fiquei por um tempo olhando o André deitado ali. Ele estava lindo, como no primeiro dia em que eu o vi! Parecia estar sorrindo para mim.
E o filme continuou a passar na minha cabeça... Naquele momento me desliguei e fiquei viajando em meus pensamentos. Revivi todos os momentos que vivemos juntos. Parecia que meu corpo tinha ficado ali, no hospital, mas minha alma tinha saído do meu corpo à procura da alma do André.
-Este é mesmo o seu amigo?
-Alguém me perguntou segurando meu braço direito e me fazendo despertar daquele transe em que me encontrava. Não tive forças para responder, apenas balancei a cabeça confirmando que sim.
A pessoa me pediu para me retirar, pois iriam preparar o corpo para o funeral.
-Funeral de quem?
-Perguntei meio desorientado.         
-Do seu amigo.
-Disse o enfermeiro, sem entender direito.
-Posso ficar um pouco sozinho com ele?
-Pedi.         
Deixaram-me por algum tempo sozinho na sala com o André.
-Porque você me deixou aqui sozinho, neste mundo cheio de hostilidade? Porque me deixou? 
-Perguntava ao André com desespero, segurando em suas mãos.
Como se quisesse trazê-lo de volta para mim, puxei seu corpo e encostei-o ao meu, abraçando-o e deslizando minha mão direita por sua cabeça. Trouxe-a próxima a minha, dando-lhe o último beijo. Apenas mais uma lágrima desceu pela minha face até pingar em seu peito nu. Naquele momento não queria mais nada, a não ser ficar ali, abraçado a ele. Não queria largá-lo, pois sabia que depois desse abraço jamais iria tocá-lo ou vê-lo novamente.
Por dentro, eu berrava de tanta dor! Nunca havia sentido uma dor tão forte como aquela, nem mesmo quando apanhava do meu pai até desmaiar de dor. Minha única vontade era arrancá-lo de lá e levá-lo de volta ao apartamento, e ficar com ele só pra mim. Mas não podia fazer nenhum escândalo. Ninguém entenderia uma atitude dessas por causa de um simples amigo. Mas ele não era um simples amigo. Ali, deitado naquela mesa fria e dura, estava à pessoa que havia me entregue o seu amor e para quem eu também havia entregado esse sentimento tão bonito. Um amor que tinha sido prometido para a vida toda.
O coração do André não tinha mais aquele calor que aquecia meu coração, fazendo com que ele batesse mais forte a cada amanhecer. Não teria mais aquele que me fazia rir quando eu estava infeliz, que me dava força para viver e transpor todos os obstáculos. O que iria fazer sem a minha outra metade? Não seria mais ninguém sem ele ao meu lado.
Aos poucos, fui deitando-o de volta sobre aquela mesa fria. Tirei a aliança de sua mão, a aliança que usávamos como sinal do nosso compromisso. Coloquei-a em meu dedo, junto com a minha.
Minhas mãos desceram por seu corpo até chegar aos seus pés. Nesse momento minhas pernas perderam as forças e eu fui ao chão. Vendo o meu desespero, Maria entrou na sala, me ajudando a levantar e me levando para fora. Fui caminhando, abraçado a Maria, me afastando do André, que estava imóvel e quase nu deitado naquela sala. A porta foi se fechando e eu continuei olhando para trás. Quando ela estava quase fechada, ainda consegui ver a mão dele, onde estava escrito o meu recado e a marca deixada em seu dedo por causa da aliança.
A porta finalmente se fechou e nunca mais vi o André. Nesse momento senti escurecer tudo. Fiquei sem chão, sem ar, sem vontade de fazer nada. Dos meus olhos não saia nenhuma lágrima, mas o meu coração sangrava tamanha a dor que sentia. Parecia que alguém tinha arrancado um pedaço de mim e deixado naquela sala, com o André. E acho que foi isso mesmo que aconteceu.
Maria continuou a me levar, calada.  Somente me abraçou e me levou até a lanchonete do hospital. Eu disse a ela que precisava fumar. Engraçado! Durante todo o tempo em que fiquei com André, tinha parado de fumar. Mas naquele momento o que eu mais queria era acender um cigarro e sentir a fumaça entrando no meu corpo.
Fomos para fora do hospital e a Maria me deu a carteira de cigarros. Fumei como um louco, como um viciado. Queria apenas preencher o vazio dentro de mim, como se fosse possível preencher o espaço vazio com aquela fumaça.
Não sabia o que fazer. Precisava ligar para os pais do André, mas não sabia como dar esta notícia tão terrível! Ainda mais que era véspera de Natal. Como eu não estava em condições de fazer isso, pedi a Maria que falasse com os pais dele. 
Foi muito triste. Os pais do André vieram de avião. Rapidamente, chegaram e foram direto para o hospital. Eu estava lá, sentado no chão na entrada, ainda sem comer nada. Não tinha vontade de fazer nada. Já era noite e eu nem tinha percebido que o dia havia acabado.  Estava ali só pensando nos momentos felizes que passei ao lado do André.
Meus pensamentos só foram interrompidos pela voz doce e macia de Dona Irene e do seu José. Cumprimentei-os de uma maneira especial, dei um beijo em cada um, sem dizer sequer uma palavra. Na verdade, não saberia o que dizer. Não conseguia nem chorar. Só fui chorar depois de uma semana!
-Você quer voltar conosco para Minas, para o sepultamento?
-Perguntou a mãe do André.
Balancei a cabeça como se dissesse que não. Nesse momento consegui dizer as primeiras palavras:   
-Desculpem-me, mas eu prefiro ficar. Se vocês não se importarem, gostaria de ficar uns dias no apartamento dele.
-Você pode ficar o tempo que quiser meu filho. - disse Dona Irene.
Voltamos para casa e eu fiquei ainda por uma semana inteira no apartamento, sem sair lá de dentro. As únicas companhias que tinha era a de Sandra e das minhas lembranças. Perdi o emprego, não falava com os amigos, não comia. Queria morrer! Não estava conseguindo viver sem o André. Achava que tudo tinha acabado.
Minha vida tinha acabado, fiquei sem sentido, não sabia o que fazer. Fiquei desesperado, me sentindo sozinho, sem ninguém. Não podia contar com o apoio da minha família e nem de alguns amigos, pois eles não sabiam de nada sobre meu relacionamento com o André.
O apoio que recebi foi apenas da Maria, do Marquinhos e da Sandra. Não queria que ninguém mais soubesse como eu estava me sentindo, até porque ninguém mais sabia do nosso relacionamento.
Preocupada, Sandra liga para a mãe de André.
A mãe dele veio para Londrina, depois de duas semanas, para ver como tudo estava. Acho que para ver como eu estava. Quando entrou no apartamento e viu situação em que me encontrava, percebeu rapidamente o que estava acontecendo. Carinhosamente, ela começou a falar:
-Se você conhecia tão bem o André, como imagino que conhecia, saberia que ele não gostaria de te ver desse jeito em hipótese alguma.
Ela me fez tomar banho e preparou uma comida deliciosa. Deu-me uma baita sacudida! Mesmo não aceitando, fiz tudo que ela me pediu.
-Você e o André viveram um amor verdadeiro. Tenho certeza que ele realmente gostava de você e sinto muito que a história de vocês tenha acabado dessa maneira. Mas você tem perceber que agora tudo acabou apesar de ter sido tão tragicamente. Você tem que aceitar o que aconteceu e continuar sua vida.
Olhei assustado para ela como se quisesse perguntar como ela sabia do nosso relacionamento. Ela docemente continuou falando:
-O André nunca conseguiu esconder nada de mim. Eu nunca perguntei nada, pois a vida era dele e se ele estava feliz ao seu lado, porque eu ficaria contra? Se você estava fazendo meu filho tão feliz, estava fazendo a mim também.
         Nesse momento, ela abriu os braços e eu recebi o seu abraço. Senti que através dela, estava sentindo o abraço de André.  Ficamos ali abraçados por um bom tempo.
-Esteja onde estiver o André não te perdoaria se você desistir da sua vida. Você tem que viver, pois Deus quis que fosse assim. Você tem que aceitar, assim como eu e minha família já aceitamos. - disse.
Ainda abraçada a mim, foi descendo até o chão, onde se sentou. Eu me deitei em seu colo, me aninhando como se fosse um filhote pedindo proteção. Ficamos nesta posição por um bom tempo, ela fazendo carinho em mim como se eu fosse o filho dela também.  Senti-me muito protegido e amado.
Ela continuou conversando comigo, e me contou que quando o André me levou até fazenda para conhecê-los, ela sentiu que seu filho tinha mudado. Ela havia percebido que ele estava feliz, radiante e seguro. Não sabia o quê, mas havia percebido que alguma coisa tinha acontecido para seu filho estar tão bem assim. Ele sempre era uma pessoa introvertida e infeliz quando os visitava na fazenda, mesmo com todo o amor que eles poderiam oferecer.
Só depois que fomos embora, ela e seu José, o pai do André, foram ler o bilhete que ele havia deixado para eles. No bilhete, o André havia escrito que eles eram muito especiais para ele, que tudo que ele tinha era por causa deles e que eles eram a razão de sua existência. Mas enquanto ele vivia na fazenda não era feliz, pois faltava algo para preencher a sua vida. Porém, agora ele havia encontrado uma razão de viver, e que um dia ele gostaria que seus pais aceitassem a sua maneira de viver e o amor que ele sentia por outra pessoa.
Ela me disse que naquele dia, o seu José ficou muito bravo e queria vir com o carro atrás de nós, para trazer o André de volta. Disse ainda que ela caiu aos prantos e ficava se perguntado onde foi que eles haviam errado na educação do André. Em meio tudo aquilo, o filho do meio deles olhou bem para os dois e perguntou:
-Vocês preferem que o André volte a ser aquele homem sem vida, sem brilho nos olhos e sem o sorriso largo no rosto? Que ele fique pelos cantos lendo e deixando a vida passar por ele, envelhecer sem saber o que a vida possa lhe oferecer?
Disse que os dois ficaram quietos e o rapaz continuou a dizer:
-Por que vocês querem tirar dele a felicidade e o entregar de volta para a tristeza? Eu também não concordo com o jeito de ser do meu irmão, mas depois que ele conheceu o seu amigo, vi que o André é outra pessoa, está cheio de vida. Vocês não perceberam como eles se amam? Deixem eles serem felizes do jeito deles.
Depois desse dia, todos eles sabiam do nosso relacionamento e quando o André ligava, fingiam que não tinham entendido o bilhete e não se tocava no assunto. Apenas sabiam que seu filho estava feliz e isso era o que importava.
-Muito obrigado por tudo, Dona Irene.
-Disse a abraçando firmemente.
-Nós é que temos que te agradecer por ter devolvido a vida ao nosso filho. Mesmo ele tendo ido embora muito cedo, estou certa de que ele foi muito feliz ao seu lado durante os anos em que vocês estiveram juntos.
-Disse ela.
E completou:
-Você não gostaria de ficar com alguma coisa daqui do apartamento?
-Me perguntou. 
-O que eu mais queria Dona Irene, não está mais aqui.
-Respondi.
Realmente, o sentimento que eu tinha pelo André não tinha como retirar dali, somente carregar dentro do meu coração. Como estava sofrendo sem ele! Como seria a minha vida dali para frente, sem o meu grande amor?
Ela me abraçou fortemente novamente, como se quisesse tirar de mim aquela dor. Como ela conseguia agir assim? Era ela quem tinha perdido um filho, mas mesmo assim me dava forças para sobreviver. Olhei para Dona Irene, tentando memorizar aquele rosto que um dia colocou no mundo uma pessoa tão linda, gentil, digna, generosa e amorosa como o André. Sabia naquele momento que seria a última lembrança física que eu teria dele.
Fui saindo do apartamento quando a Dona Irene me chamou de volta e me deu outro abraço forte, dizendo:
-Quero que você tenha uma vida linda!
Sabia que estava me desejando aquilo assim como havia desejado para o André quando ele saiu lá da fazenda para vir para Londrina. Ela me deu um beijo terno e disse:
-Fica com DEUS meu filho.
Retirei da minha mão as alianças que representava o nosso eterno amor e dei a ela para que depositasse no túmulo de André. Ela não queria pegar, mas eu insisti pedindo pelo amor de Deus que ela fizesse isso para mim.
Ela me prometeu que faria isso por mim.
Saí dali sabendo que o único tesouro que eu estava levando ficaria para sempre guardado no meu coração e que nunca mais alguém poderia substituí-lo.
Desci para o meu apartamento e foi aí que consegui chorar. Chorei muito, não querendo admitir que o amor da minha vida tinha partido, sem me levar junto com ele. Porque eu não viajei com ele, como ele queria? Talvez assim nós dois tivéssemos partido... E quem sabe para um lugar só nosso.
Olhava para a piscina e enxergava nós dois nadando, brincando de correr em volta da piscina e tomando sol. |Que dor eu sentia! Era algo que machucava a minha alma. Estava totalmente desorientado, perdido... Não sabia o que fazer.
Caminhei em direção a janela e a abri, gritando muito alto o nome do André. Todos em casa ficaram muito preocupados comigo. E realmente, eu estava surtando.
Naquela noite, senti a presença do André ao meu lado. Eu estava quase pegando no sono, pois o Marquinhos tinha me dado algo para beber, acredito que um calmante. Sonhei com ele a noite inteira. No sonho ele me dizia que estava num lugar onde não existia preconceito algum. Que eu iria demorar muito para revê-lo, mas que um dia iríamos nos encontrar. Disse ainda que sempre estaria ao meu lado, cuidando de mim.
Não contei para ninguém sobre esse sonho ou esse aviso do André. Não queria que as pessoas me achassem maluco. Fiquei mais algumas semanas no apartamento da Maria. Ela e o Marquinhos sempre estavam ao meu lado. Mas eu não podia mais ficar ali, atrapalhando a vida dos dois. Não era justo com eles, pois largando a vida pessoal deles para viver em função do meu desespero.        Durante muito tempo fiquei dormindo durante o dia e durante a noite ficava sentado na beira da piscina, revendo os momentos felizes que tive com o André. Às vezes, olhava para a janela do apartamento dele, na esperança de vê-lo novamente. Que angústia eu sentia de estar ali sozinho!
Minha vida se resumia em viver no passado. Não queria sair dele, pois era nele que eu havia me tornado o homem mais feliz desse mundo, e não queria perder essa felicidade. Era muito difícil naquele momento aceitar a condição em que o destino me forçava a viver.
Muitas pessoas de meu convívio, mesmo sem saber o motivo real da situação, tentavam sempre me ajudar, de um jeito ou de outro.
Realmente, eu não podia mais ficar ali. Mas sentia que se eu fosse embora, a presença de André também iria, e nunca mais voltaria para mim.
O meu lado racional dizia que o melhor era eu esquecer do passado. Meu tempo com o André tinha acabado como tudo na vida um dia acaba. Mas meu coração sangrava toda vez que eu pensava em ir embora. Sentia como se o estivesse traindo ou abandonando. Sentia ele em cada parte daquele prédio.
A Maria acabou ligando para minha mãe, dizendo que eu estava doente e que seria melhor se eles viessem me buscar. Como sempre em minha vida, minha mãe e meu irmão mais novo que se preocupavam comigo e vieram me buscar.
Foi à viagem mais triste que fiz em toda a minha vida. Vim no banco de trás do carro sem dar uma palavra e sem fazer um gesto sequer. Estava dando adeus a minha felicidade. Quanto mais o carro se afastava de Londrina, mais a dor tomava conta do meu peito.











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